Schubertiaden e Choros
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 169

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Seefeld. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

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Seefeld, Áustria. Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


N° 169/3 (2017:5)



Schubertiaden e Choros
„Deutsche Geselligkeit“
no sentido de Franz Schubert (1797-1828) e sociabilidade musical brasileira Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e Schubertchor de São Paulo

Reflexões de outono em Seefeld (Áustria) e em Krün (Alemanha) pelos 20 anos de abertura do Centro de Estudos Brasil-Europa da A.B.E./I.S.M.P.S. no „Ano Schubert“ (1997)


 
Seefeld. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Há 20 anos inaugurava-se, em Colonia, sob a égide da Embaixada do Brasil na Alemanha, o Centro de Estudos Brasil-Europa da Akademie Brasil-Europa (A.B.E.) e do Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes (I.S..M.P.S. e.V.).

A abertura desse centro, cujos trabalhos desenvolveram-se em estreita cooperação com o Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, deu-se sob o signo de uma tradição que remonta ao Mozarteum de Salzburg, Áustria. (A.A.Bispo, „Prinzipien des Schaffens junger Musiker des Mozarteums um 1920“, Brasil/Europa & Musicologia, Colonia. A.B.E./I.S.M.P.S. 1999, 442; „Die Musikpflete in en deutschsprachigen Bevölkerungskrisen in Südamerika“, ibidem 436).

Esse início dos trabalhos ocorreu em ano no qual a atenção do meio musicológico e musical dirigia-se a Franz Schubert (1797-1828) por motivo do seu bi-centenário. Sua personalidade, vida e obra eram consideradas em cursos, eventos vários, simpósios e publicações.

Em 1979, Ernst Hilmer (1938-2016), o diretor da coleção de autógrafos de Schubert da Biblioteca de Viena, fundara uma sociedade de fomento da pesquisa de Schubert que levou à fundação do Internationale Franz-Schubert Institut, em 1987, sediado inicialmente no Franz-Schubert-Konservatorium em Viena.

A consciência de que o compositor austríaco era de alta relevância para todo o mundo de língua alemã e que necessitava ser valorizado na própria Alemanha levara significativamente, em 1989, à fundação, na cidade de Duisburg, da Deutsche Schubert-Gesellschaft e.V..

Na orientação que determina os trabalhos da A.B.E. e do I.S.M.P.S., essa consciência do significado de Schubert para além do contexto austríaco passou a ser considerada sob a perspectiva do estudo de processos culturais em relações internacionais nos seus diferentes aspectos, sobretudo aqueles referentes a questões de identidade, no caso da austríaca e da alemã nos seus elos comuns e diferenças.

Essa acentuação nos enfoques favoreceu uma ampliação ainda maior do contexto geográfico-cultural considerado no „Ano Schubert“, nele incluindo as comunidades austríacas e alemãs da imigração, também em outros continentes, em particular aquelas do Brasil.

Não se tratava apenas de considerar simplesmente a presença de Schubert na vida musical internacional e de países como o Brasil, mas sim a do seu papel em processos de identidade, integração e diferenciação de imigrantes de língua alemã nas suas relações com aqueles de grupos de outra procedência e com desenvolvimentos histórico-culturais da sociedade que os recebeu.

Os estudos de interrelações entre processos culturais a partir de duas referenciações - a centro-européia e a brasileira - levaram à realização de eventos nos anos que se seguiram, podendo-se salientar os colóquios dedicados a Villa-Lobos, àqueles que focalizaram em especial o choro, em particular também no Congresso Internacional „Música e Visões“ que, em 1999, abriu o triênio e comemorações pelos 500 anos do Brasil.

Dos eventos posteriores, cumpre salientar o seminário „Migração e Estética, levado a efeito em 2006/2007.

Essas realizações inseriram-se em já longa série de projetos e iniciativas anteriores. Entre elas, pode-se salientar a conferência/exposição no INTERNATIONES em Bonn em 1994 („Der deutsche Beitrag zum Musikleben São Paulos“, ibidem 424 ss.), assim como conferências na Alemanha e na Áustria no„Ano Mozart“ de 1991, assim como os encontros em Salzburg (1989, 1991). Nos colóquios de 1989 contou-se com a presença do principal elo de relações entre o Mozarteum e a comunidade austríaco-alemã no Brasil: Martin Braunwieser (1901-1991).

Pelos seus 90 anos, apresentou-se, sob o patrocínio do Consulado da Áustria no Rio de Janeiro, no âmbito do II Congresso Brasileiro de Musicologia (1992), e posteriormente no Mozarteum e Salzburg monografia sobre a sua vida e obra que apresenta documentos e resultados de pesquisas de anos precedentes. (A.Bispo, Martin Braunwieser. (...) Contribuição ao estudo da influência austríaca e alemã na música do Brasil no século XX. Musices Aptatio/Liber Annuarius 1991, ed. J. Overath. Rom: Consociatio Internationalis Musicae Sacrae, 1991)

Centenário de Villa-Lobos (1887-1959) e Centenário de Bernhard Paumgartner (1887-1971)

Essas relações entre a vida musical em Salzburg no estado de espírito e emocional de uma Áustria derrotada na Primeira Guerra Mundial e a colonia austríaco-alemã de São Paulo devia ter sido tratada pelo próprio Martin Braunwieser no I Congresso Brasileiro de Musicologia realizado em São Paulo em 1987,  ano do centenário de Villa-Lobos, quando então pretendia-se discutir o significado de processos culturais da colonia de língua alemã para os estudos relativos ao compositor. Devido ao falecimento de sua filha, a regente e musicista Renata Braunwieser, sua sucessora à frente da Sociedade Bach de São Paulo, esse intuito não chegou a ser realizado.

A importância que se pretendia conceder ao tema explicava-se também pelo fato de então celebrar-se os 100 anos de Bernhard Paumgartner (1887-1971), o diretor do Mozarteum à época de Martin Braunwieser, seu mentor, compositor, regente e musicólogo, autor de, entre outras obras, de fundamental estudo sobre Franz Schubert.

Franz Schubert nos estudos euro-brasileiros relacionados com a música sacra

Os estudos referentes a Franz Schubert em cooperação austríaco-alemã-brasileira iniciaram-se em 1977 quando da fundação do Institut für hymnologische un musikethnologische Studien da organização pontifícia de música sacra em Colonia/Maria Laach, cujo departamento de etnomusicologia ficou sob direção brasileira.

O debate esteve então sob o signo duplo das preocupações do período pós-conciliar relativas à música sacra adequada culturalmente e aquelas originadas do Brasil referentes à reconsideração da música sacra coro-orquestral do século XIX anterior à reforma litúrgico-musical.

Às vésperas dos 150 anos de falecimento de Franz Schubert, a obra sacro-musical do compositor foi considerada com especial atenção e sob diferentes aspectos sobretudo em cooperação com Karl Gustav Fellerer (1902-1984), musicólogo que então preparava um estudo a respeito publicado no ano segunte („Franz Schuberts Messen“, Musica sacra 1978/3, Jg.98, 146-154).

Ponto de partia: as Schubertiaden de 1921 no Mozarthaus de Salzburg e o Brasil

Arquivo A.B.E. Copyright

No início de 1921 teve lugar, em Salzburg, uma série de Schubertiaden que merecem ser consideradas com particular atenção nos estudos euro-brasileiros por nelas ter participado Martin Braunwieser ao lado de professores e colegas, surgindo como testemunho exemplar do significado do cultivo de Schubert nesses anos posteriores à Primeira Guerra.

Nelas apresentaram-se os Müllerlieder (24 de fevereiro), a Winterreise (10 de março), o Schwanengesang  e o Forellen-Quintett (17 de março).

O canto ficou a cargo de Marie Keldorfer, acompanhada ao piano por Franz Ledwinka. Os instrumentistas foram, além de Martin Braunwieser (viola), Karl Stumvoll (violino), Gustav Schreiber (cello) e Rudolf Standl (contrabaixo), colegas de formação e de ideais.


Esse evento testemunha a complexa situação psicológico-cultural em que se encontravam os músicos de Salzburg. Eram imbuídos por um lado de intuitos renovadores e de abertura internacional dirigidos ao futuro em época de derrocada da antiga ordem do Império Austro-Húngaro, por outro da nostalgia e de amor à terra, à gente e à cultura pátria.

Se no primeiro caso esses músicos participavam da academia então formada e que procurava uma aproximação as tendências estéticas internacionais - significativamente tendo as „Saudades do Brasil“ de Darius Milhaud (1892-1974) como obra emblemática -, por outro manifestavam o seu sentimento de apêgo à Áustria nas Schubertiaden.

Essa aparentemente paradoxal contradição entre anelos progressistas e inovadores e uma situação psicológica marcada por emoções e sentimentos de amor e dor deve ser considerada como partes integrantes de um complexo cultural também na consideração da vida cultural, musical e social de circulos austríacos no Brasil.

Tanto a apresentação visual do programa como o texto que elucida o escopo das Schubertiaden de 1921 surgem como significativos para a compreensão desse estado de alma e mente marcado ainda por romantismo dos músicos de Salzburg.

Do ponto de vista visual, surge como significativo que o programa tenha sido ilustrado com a sillhueta de Schubert segundo Moritz von Schwind (1804-1871), artista conhecido pelas suas obras sentimentais cheias de poesia, de cunho popular e folclórico, baseadas em parte em lendas e tradições.

As Schubertiaden e a consciência do „ser austríaco“ - „essência austríaca“

De maior significado para a compreensão das concepções que levaram às Schubertiaden é o texto impresso no programa dos concertos. Neles fala-se de uma conscientização do ser austríaco:

„Isso traz o tempo consigo: queremos conscientizar-nos do nosso ser para explicar a nossa individualidade a nós próprios e aos outros. Essencia austríaca. Isso quer as nossas Schubertiaden. Pois Schubert é o que há de mais austríaco.“

Assim como os músicos da Schubertiaden, também Schubert é apresentado como uma personalidade que lutou esclarecidamente contra o obscurantismo da reação da sua época - o período da Restauração sob K. L. W. von Metternich (1773-1859). Ao mesmo tempo, mencionando Eduard von Bauernfeld (1802-1890), salienta-se ter tido Schubert uma natureza dupla, marcada por alegria e melancolia.

„Bauerfeld escreveu no ano de 1857: A vida externa de Schubert foi de resto extremamente simples e decorreu de início nas circunstâncias modestas de um professor de escola, depois de um gênio austríaco, um exemplar único que, como em toda parte, tinha que lutar especialmente aqui contra a necessidade e a ignorância. Schubert tinha por assim dizer uma natureza dupla, a alegria vienense tecida e nobilitada com um traço de profunda melancolia. Para dentro um poeta, era exteriormente um homem de prazer, ao qual, julgando pela sua aparência externa, faltava a distinção social tradicional, de modo que alguns contemporâneos bem formados gostariam de considerar-se algo melhor do que o rude cantor dos Müllerlieder e da Winterreise. Bauernfeld não usa a expressão „alma machucável“ , mas, no seu sentido, ela se encontra na mistura de alegria vienense e melancolia nobilitadora e da qual se originaram criações tão profunas e cheias de alma.“

Essa natureza dupla da alma de Schubert corresponderia à própria alma da antiga Viena, ainda viva nas suas zonas mais afastadas, no interior as terras e na paisagem.

„O fluidum de alma da antiga Viena encontra-se sempre veladamente presente, a voz do Genius loci, que continua vigente nos becos silenciosos da periferia e nas localidades rurais ao pé do Kahlenberg, ressoam nas mesmas palavras e expressões e linguagem tais como nos documentos pessoais transmitidos da época de Schubert. Lá fora às margens da cidade, onde a floresta vienense sonhadora, a terra ensolarada dos vinhedos e o Danúbio brilhando azul se casam em acorde cujo canto nunca se esgota em modo autenticamente schubertiano encontra-se nas frontes das casas de nobre simplicidade da esmaecida antiga Viena lembranças valiosas.“

Schubert, na sua vida e comportamento, por muitos considerado como questionável do ponto de vista moral, seria na verdade expressão de uma embriaguez „de alma e de sofrimento“, e também aqui correspondia à alma de Viena e, com ela, à da pátria austríaca.

„Que ninguém me diga que o bravo filho de mestre-escola foi bêbado e que por isso morreu tão cedo, pois isso é falso. Ele foi embriagado de valores de alma e de sofrimento, e se isso é visto por alguns demasiadamente severos como decadente, bem, então foi uma corrupção divina, da qual jorraram cantos dolorosamente doces, imortais, dos quais não só canta o vinho, não só jubilla a cotovia, não só chora o riacho e as mudas trutas no beatífico Quinteto, senão também o próprio coração, o coração essa cidade. E essa cidade, voluntariosa, mal-agradecida, que tudo esquece, vaidosa, superficial, simplória, infantil, alegre e que faz feliz, ao mesmo tempo tão melancólica, criticada e amaldiçoada e sobretudo amada, foi ela que fêz todas as suas ferias, que o abençoou com dores para que, com ela soubesse cantar e dizer - e nós com ele, a nossa grande , eterna amada: a terra natal.“

Era na música que se revelava o interior de um homem que, exteriormente, mantinha reserva e distância.

„Tú, ó homem duplo, companheiro pálido! O que imita o meu canto de amor, que me atormenta em algumas noites em velhos tempos? O coração grita - após a Winterreise no acento mais doloroso do Schwanengesang, a confissão a alma em sons - nem ao amigo mais querido revelaria o seu mais profundo segrêdo em secas palavras,  tão difícil era para êle manifestar o calor com o seu pflegma e seus modos lentos e ninguém sabe o que residia no pequeno homem fechado em si, frequentemente rude e de tudo distante; mas quando êle fala na sua língua, na música, expressa tudo o que mantinha profundamente velado.“

O texto do programa termina com a afirmação de que sempre é „a dor o que ajuda a alma a dar frutos“.

O Schubertchor de São Paulo e a sociabilidade alemã - „Deutsche Geselligkeit“

O Schubertchor de São Paulo foi fundado no dia 25 de janeiro de 1923. Já a escolha dessa data - que rememora a fundação de São Paulo - testemunha o intuito dos imigrantes de língua alemã em manifestar a sua disposição em conquistar simpatias e contribuir à vida musical paulistana, integrando-se no meio decorridos alguns anos do término da Primeira Guerra Mundial.

O Schubertchor tinha como escopo cultivar o canto em coros mixtos com constante zelo („mit unentwegtem Eifer“). Distinguia-se, assim, dos muitos coros masculinos alemães existentes na capital, no Estado e em outras regiões de colonização alemã e austríaca no Brasil. pelo fato de incluir vozes femininas. Inseria-se em outras correntes históricas da prática coral centro-européia com suas tradições e mesmo implicações político-culturais. Também o repertório cultivado diferia daquele das sociedades masculinas de canto, incluindo obras de maior dificuldade de execução, interpretação e recepção.

O Schubertchor colocava-se a si próprio o objetivo de alcançar a mais alta qualidade na prática coral e orientar-se segundo os mais altos critérios na escolha das obras estudadas. Manifestava expressamente o seu intuito de cada vez mais aperfeiçoar as suas apresentações, dedicando-se infatigavelmente a essa tarefa. Com esse empenho, o Schubertchor tornou-se importante conjunto coral na vida musical paulistana.

Apesar dessas características que o diferenciavam de outros grupos corais, em particular das sociedades masculinas de canto da colonia alemã, tinha como estas o objetivo de cultivar a sociabilidade alemã - Deutsche Geselligkeit - e para isso realizava festas e excursões, estas sempre marcadas pela música. 

O repertório de mais alta exigência artística e de erudição, assim como o intuito de contínuo aperfeiçoamento artístico correspondiam a anelos de ascensão de círculos sociais da colonia de mais alta formação, posição, posses e influência através da formação humanística, da literatura, da ciência e do cultivo de valores espirituais, uma elite à qual pertenciam personalidades de mais relêvo da comunidade, uma burguesia empenhada no aumento de conhecimentos (
„Bildungsbürgertum“).

O Schubertchor definia expressamente a sociabilidade alemã que cultivava como sendo aquela correspondente no seu sentido a Franz Schubert como patrono da entidade („Bei seinen Festen und Ausflügen herrscht deutsche Geselligkeit im Sinne seines Schutzpatrons Franz Schubert“).

Esses encontros artístico-sociais em círculos domésticos, marcados pela prática do canto e instrumental de câmara, onde, em ambiente descontraído e marcado por alegria eram lidas obras à primeira vista, levando em alguns casos posteriormente à apresentação pública em forma de concertos, desempenhavam compreensivelmente papel relevante na vida de europeus na imigração.

Nesses encontros, os imigrados podiam manter vivos, em saudades, os elos culturais e emocionais com a terra natal, fortalecendo sentimentos de destino comum e identidade e, ao mesmo tempo, trocar experiências quanto à sua integração na sociedade do país em que viviam. Nesses dois sentidos servia de modo privilegiado a prática cantada da língua - a do alemão e a do português, o canto em língua alemã - em particular as canções de Schubert - e o canto em português de canções brasileiras.

O centenário de Schubert em 1928 na Áustria e no Brasil

O ano de 1928 representou um ponto alto na história recente do cultivo de Schubert, pois a passagem dos 100 anos de sua morte deram ensejo a muitos eventos e homenagens.  Na Áustria, para além de concertos, houve atos símbolicos - cortejos com imagens de Schubert e plantação de árvores.

No Brasil, obras de Schubert foram incluidas em concertos de Tatiana e Martin Braunwieser (1901-1991), então recentemente chegados da Europa. Já no Mozarteum, Braunwieser e seus colegas tinham executado obras de Schubert, entre elas a da Sonata em lá menor op. 143 Nr. 5 pelo seu amigo Johann Köster no dia 12 de junho de 1919. Na „sociedade de educação popular“ em St. Johann im Pongau, Braunwieser tomara parte como violista da execução do Quarteto em lá-menor op. 29 no dia 21 de abril de 1920. (Veja)

No Brasil, o „Ano Schubert“ foi comemorado pelo casal em Atibaia em concerto na sala da Sociedade Democrátíca Italiana com as canções Litanei, Memmon e Das Lied im Grünen. Em São Paulo, no salão nobre da Sociedade Austríaca Donau, apresentaram a „Introdução e Variações para piano e flauta“ op. 160 de Schubert, no dia 22 de janeiro de 1929.

Villa-Lobos, o Schubertchor e a função social da música no sentido de Schubert

A época vivenciada por Villa-Lobos do Coro Schubert foi aquela dos primeiros meses sob a direção de Martin Braunwieser. Este assumiu a regência do coro em 14 de janeiro de 1930, substituindo Franz Müller. O início dos ensaios sob a sua direção representou um evento acompanhado por grandes expectativas por parte da colonia de língua alemã como pode-se constatar de anúncios do Deutsche Zeitung de São Paulo.

O Coro Schubert despertou  nesses primeiros meses de 1930 uma onda de entusiasmo - pedia-se a concorrência de todos os cantores e cantoras, salientando-se que também outras pessoas seriam muito bem vindas.

Já no dia 16 de abril o Coro Schubert apresentou-se sob a sua direção na Rádio Educadora Paulista e, no dia 18 e abril, na Igreja Evangélica Alemã com um programa onde constaram sobretudo obras de Bach. Esse interesse pela música de Bach na vida do Coro Schubert sob a direção de Martin Braunwieser - cinco anos antes da por êle fundada Sociedade Bach de São Paulo - foi vivenciado por Villa-Lobos. O Schubert-Chor participou da 3. Sängerbundesfest em Campinas, efetivada juntamente com os 60 anos de fundação da Sociedade de Canto Concordia, nos dias 3 a 4 de maio de 1930. O evento, sob o patrocínio do Consulado Alemão, foi organizado por Werner Erdmann, incluindo uma homenagem a Carlos Gomes.

Em julho, a sociedade atuou sob a regência de Villa Lobos numa série de oito concertos que foi considerada por Mário de Andrade como tendo sido de extraordinária importância. Na programação, incluiu-se as „Saudades do Brasil“ de Milhaud e o Primeiro Concerto Brandenburguês de J.S.Bach.

Um exemplar do Choros n° 3 oferecido por Villa-Lobos ao Schubertchor

A intensidade e cordialidade do convívio do compositor com os cantores e amigos do Coro Schubert são documentadas na dedicatória feita por Villa-Lobos ao oferecer uma de suas obras ao coral, no dia 17 de julho de 1930, o Choros n° 3 Pica Pao (Max Eschig 2316): „ao Schubert Coro offerece com saudades e lembranças felizes o Villa-Lobos“.

Na mesma data, ofereceu a Martin Braunwieser um exemplar de Na Bahia tem, para coro masculino (Ed. Max Eschig 2312) além de Viola Quebrada sobre uma modinha coletada por Mário de Andrade (Ed. Max Eschig 2220)

Tudo indica não ter sido por acaso que  Villa Lobos tenha escolhido essa obra para ser ofertada ao Schubertchor. Nessa obra, escrita em S. Paulo e, 1925 e publicada em Paris. em 1928, o autor oferece uma definição do que seria o Choros:

„O Choros representam uma nova forma de composição musical, na qual são sintetizadas diferentes modalidades da música brasileira, indígena e popular, tendo por princípais elementos o rítmo e alguma melodia típica de caráter popular que aparece de tempos em tempos acidentalmente, sempre transformada seguno a personalidade do autor. Os procedimentos harmonicos são, também eles, quase que uma estilização completa do original. O termo Serenata podia dar uma idéia aproximada do significado do Choros.“

Nela, o compositor indica que a obra foi escrita sobre temas e palavras do canto Nozani-na Orekua dos indios Parecis recolhidas e gravadas por E. Roquette Pinto (1884-1954), descrevendo-a como „canção báquica“. Assim compreendendo, referia-se assim na sua obra a um canto que seria próprio de um convívio de cunho báquico ou dionísico, ou seja, com conotações de prazer e de consumo de bebidas.

Em continuidade: Bachbewegung e Bachianas Brasileiras (Veja)



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Schubertiaden e Choros. ‚Deutsche Geselligkeit‘ no sentido de Franz Schubert (1797-1828) e sociabilidade musical brasileira Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e Schubertchor de São Paulo
.“ Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 169/3 (2017:5).http://revista.brasil-europa.eu/169/Schubertiaden_e_Choros.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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