Sociedade Brasileira de Música Contemporânea
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 169

Correspondência Euro-Brasileira©

 


N° 169/19 (2017:5)




A
Sociedade Brasileira de Música Contemporânea no „Ano Villa Lobos“ (1987)
Excertos de comunicação de Paulo Affonso de Moura Ferreira
ao I Congresso Brasileiro de Musicologia pelo centenário de H. Villa-Lobos (1887-1959)




Texto recordado em reflexões de outono na Europa pelos 25 anos de seu falecimento e 30 anos de sua participação no I Congresso Brasileiro de Musicologia no centenário de Villa-Lobos (1987)

 

Em 1922, ao mesmo tempo em que no Brasil era realizada a Semana de Arte Moderna, fundava-se na Europa a Sociedade Internacional de Música Contemporânea (SIMC, IGNM ou ISCM são as abreviaturas em suas três línguas oficiais: francês, alemão e inglês). O próprio nome definia seus objetivos, perseguidos inicialmente com uma visão estética bastante aberta e tolerante. O núcleo inicial de seções nacionais, constituído por europeus, teve, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, acréscimos paulatinos, passando a incorporar seções e países de outros continentes; não obstante as seções européias continuarem predominando numericamente, o que sempre se refletiu na composição do Comitê Executivo, na prática o órgão dirigente da SIMC, subordinado unicamente à Assembléia Geral. Este reune-se apenas uma vez por ano, sempre em países diferentes, por ocasião do festival „Dias de Música Contemporânea“.

No Brasil, ainda na década de 1940, o compositor e maestro paraibano José Siqueira fundou a „Sociedade Brasileira de Música Contemporânea“ (SBMC), de tendência nacionalista, como primeira seção brasileira da SIMC. Infelizmente, essa iniciativa teve duração curta: um grupo chefiado por H. J. Koellreutter, amplamente minoritário dentro da SBMC, mas com acesso político direto à então cúpula dirigente da SIMC, de espírito intolerante e arbitrário, aproveitando-se das dificuldades de comunicação da época, conseguiu a eliminação da seção brasileira. Habilidoso nas tarefas de destruição, esse pequeno grupo mostrou-se, porém, impotente para criar uma outra seção brasileira da SIMC. Somente nos anos 70 ressurgiu em vários pontos do Brasil a idéia de criar uma „nova SBMC“.

A rádio MEC encampando essa idéia, convocou para o Rio de Janeiro uma reunião de 35 compositores, com o objetivo de discutir uma ambiciosa pauta de assuntos, entre os quais se incluia a criação de uma seção brasileira da SIMC. O número relativamente reduzido de participantes, alguns dos quais eram pouco representativos, enquanto várias lideranças naturais da classe musical não haviam sido convidadas, e a direção pouco flexível dos trabalhos conduziram rapidamente a uma polarização estética e, pior do que isso, a confrontos de natureza regional. Nessas difíceis circunstâncias foi eleita uma diretoria para a SBMC, composta por músicos procedentes de vários estados, mas que se haviam radicado há bastante tempo no Rio de Janeiro: Edino Krieger, Marlos Nobre, Aylton Escobar e Guerra Peixe. Os problemas já citados e as marcantes diferenças de personalidade entre os quatro compositores integrantes dessa diretoria conduziram à convocação, em 1974, de Assembléia Geral para eleger novo grupo de diretores. Na ocasião, procurou-se evitar a ocorrência das dificuldades e impasses que tanto inibiram a ação a diretoria anterior, elegendo-se para isso diretores efetivamente residentes em estados diferentes, todos com bom trânsito entre as várias tendências estéticas e grupos regionais. Além disso, o presidente escolhido não era compositor e residia num ponto neutro, Brasília.

Essa diretoria, integrada por Paulo Affonso de Moura Ferreira, Ernst Mahle, Henrique Morozowicz e Ricardo Tacucchian, procurou ampliar rapidamente o número de membros da SBMC, atraindo para o quadro social todos os compositores brasileiros, independentemente de pontos de vista estéticos. Outra meta importante foi unir a classe em torno de objetivos comuns, eliminando rivalidades e diferenças muitas vezes artificiais, ou baseadas em malentenidos entre grupos e indivíduos. Muito contribuiram para a consecução desses objetivos os quatro „Encontros Nacionais de Compositores“, realizados em Brasília, no final da década de 70. O convívio durante quatro ou cinco dias entre participantes provenientes de todo o país, que muitas vezes só se conheciam „de ouvir falar“, os interesses comuns detectaos nas intensas ativiades dos debates, conferências e grupos de trabalho constantes da pauta dos encontros, complementaos por concertos diários, cujo repertório era imparcialmente estabelecido a partir de sugestões dos próprios compositores, permitiram identificar claramente prioridades e urgências:

  1. 1)ampliar o levantamento da produção de nossos autores, iniciado em 1975 pela SBMC, com o apoio do Departamento Cultural do Itamaraty, através da publicação dos „Catálogos de Obras de Compositores Brasileiros“. 45 números foram publicados até 1981 pelo Ministério das Relações Exteriores e divulgados amplamente em vários países. É meu dever registrar aqui a essencial participação dos professores Luís Augusto Milanesi e Ariee Migliavacca, ambos da USP, na pesquisa e sistematização dos elementos que se constituem, até o momento, no levantamento mais expressivo da produção musical contemporânea do nosso país;

  2. 2)criar condições para edição de partituras e gravação de discos, no Brasil e no exterior, seguindo os exemplos das coleções „Nova Música Brasileira“, editada em 1969 pela Ricori SAEC de São Paulo (cujo modêlo de capa única para as 20 obras da coleção, de autoria de Antonio Alexandre Bispo, foi escolhido em concurso gráfico) e a „Brazilian Contemporary Piano Music“, dois álbuns com textos bilingues publicados em 1975 pela Editora Gerig, de Colonia, República Federal da Alemanha.,


A boa aceitação da música brasileira por editores estrangeiros trouxe à tona um perigo potencial: até que ponto conviria transferir para o Exterior o controle dos direitos de edição, execução, gravação, divulgação etc. da criação musical brasileira? As dificuldades e despesas com a execução no Brasil das obras de Villa Lobos são o melhor exemplo desse problema, que pode, porém, ser contornado eficientemente de duas maneiras: a publicação em nosso país de obras de nossos autores, como vem ocorrendo, por exemplo com o „Serviço de Documentação Musical da ECA/USP“, com a série „Compositores da Bahia“ (partituras e discos), pela Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, e as edições do Instituto Nacional de Música da FUNARTE. Mesmo a iniciativa privada vem participando desse esforço através das editoras tradicionais como Vitale e Ricordi, ou de empreendimentos mais recentes como a editora Novas Metas, cujo esforço para tornar disponíveis partituras para conjuntos de câmara, grupos corais e de percussão é digno de louvor. O outro caminho é a firme e exemplar posição adotada pelo compositor Camargo Guarnieri, que exige a inclusão, em todos os contratos que assina com editores estrangeiros, de cláusula que garanta para o Brasil a livre edição e execução de suas obras publicadas no Exterior.

Com relação à SIMC, a seção brasileira, com a valiosa ajuda da Divisão da Difusão Cultural do Itamaraty, tem conseguido ampliar seu espaço de atuação e influência: obras de autores brasileiros tem sido incluidas em todos os festivais promovidos desde 1974 pela entidade (o que não ocorreu com muitas outras seções nacionais); por três vezes compositores brasileiros foram incluidos nos juris de seleção de obras dos „Dias de Música Contemporânea“ e as ponderações de representantes brasileiros tem tido muito boa acolhida nas assembléias gerais da SIMC. Por exemplo, na assembléia e 1986, realizada na Hungria, o compositor Ronaldo Miranda conseguiu evitar que duas seções latinoamericanas sofresem, por terem incorrido em inadimplência temporária, as sações de suspensão de direitos previstas nos estatutos da SIMC e aplicadas, na mesma ocasião, a duas seções européias.

Prosseguindo neste resumo histórico, excessivamente esquemático pelas limitações de tempo, mas que talvez possa servir de base para pesquisas de membros da Sociedade Brasileira de Musicologia interessados em preservar a memória musical brasileira da atualidade, aprofundando inclusive sua análise e interpretação é necessária a menção do compositor Lindembergue Cardoso, que participou como secretário da SBMC nas tarefas desenvolvidas até 1982. Os bons resultados obtidos fizeram que nas eleições realizadas nesse ano fosse eleita quase que por unanimidade nova diretoria, integrada por Luís Augusto Milanesi, Ricardo Tacuchian, Rodolfo Coelho de Souza e Guilherme Bauer. Um dos méritos dessa diretoria foi o de institucionalizar a SBMC, elaborando e registrando em cartório seus estatutos, obtendo número de matrícula no CGC, instituindo a cobrança de anuidades, etc. A SBMC, no plano interno, passou a atuar mais ostensivamente, com seu nome aparecendo em cartazes e programas de concertos e festivais como co-patrocinadora. A abertura de novos métodos e campos de ação, naturalmente desgastante, fêz com que membros dessa diretoria (que havia proposto para si mesma um mandato de dois anos), não se interessassem em concorrer a uma reeleição, que certamente teria sido tranquila. A atual diretoria, integrada por Paulo Affonso de Moura Ferreira, Ronaldo Miranda, Guilherme Bauer e Cirlei Moreira de Hollanda, foi de certa forma constituida emergencialmente, embora nas eleições de 1984 não enfrentasse oposição e tivesse recebido a totalidade dos votos proferidos, menos um, anulado. Com mandato limitado a dois anos, preocupou-se em atender às necessidades mais urgentes: ampliar o número anual das circulares enviadas a seus membros, e que se constituem num eficiente meio de disseminação de noticiário de maneira aberta ou velada, para que entidades e organismos oficiais prestigiassem mais a criação musical brasileira, tendo registrado nesse campo alguns êxitos significativos, como, por exemplo, junto ao govêrno do Distrito Federal no que concerne à programação a orquestra do Teatro Nacional de Brasília; patrocinar formalmente a nomeação para o Conselho Estadual de Música de São Paulo de sócios da SBMC; no plano externo, vem promovendo o intercâmbio de execuções musicais com associações de compositores e grupos musicais representativos de outros países, inclusive de alguns, como o Peru, Costa Rica e República Democrática Alemã, que não integram a própria SIMC. Além dessas ações, a atual diretoria da SBMC está preocupada em ouvir seus membros para, entre outras coisas, bem encaminhar as próximas eleições internas e proceder a modificações nos seus estatutos para, baseando-se nas experiências acumuladas desde o início de sua vigência, tornar a entidade ainda mais eficiente.

Antecipando-se a essas providências de caráter formal e procurando refletir a opinião de parcela ponderável de seus membros, a SBMC já aumenta sua participação direta em atividades relevantes realizadas no Brasil, como no presente Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia. Este é o ensejo para nos solidarizarmos com as posições aqui apresentadas pelo Dr. Antonio Alexandre Bispo, no sentido de tornar a Sociedade Brasileira de Musicologia uma entidade viva e atuante, mantendo o espaço aberto para uma efetiva participação de seus membros mais jovens, inclusive nas publicações da entidade. Julgamos nosso dever endossar e estimular a tendência de voltar prioritariamente para a realidade musical brasileira, em especial a contemporânea, o foco dos trabalhos de pesquisa dos membros da SBM. Quanto à controvérsia latente na questão das atividades internacionais ou multilaterais da SBM, é dever da SBMC expressar-se, através de seu presidente, de maneira clara e insofismável: não importa o currículo e a titulação acadêmica ou política dos portadores das mensagens e propostas de colaboração provenientes do Exterior: elas devem ser analisadas com objetividade e os critérios para sua eventual aceitação devem subordinar-se aos interesses da cultura nacional.

Sem dúvida, é possível olhar hoje com otimismo para a SBMC, pelo seu prestígio e autoridade moral como representante da classe musical brasileira e pelo ativo papel e seus membros na vida cultural do país - por exemplo neste I Congresso Brasileiro de Musicologia tarefas importantes foram atribuidas a muitos deles. Creio também que podemos contemplar o futuro com esperança: a próxima Assembléia Geral da SBMC deverá examinar cerca de vinte pedidos de músicos de todo o país,  desejosos de ingressar na entidade. Essa prova de vitalidade, aliada a um desejo crescente dos sócios e que a SBMC amplie cada vez mais o seu raio de ação, no Brasil e no Exterior, aumenta as responsabilidades de sua diretoria. Esperamos continuar a bem refletir as opiniões de nossos associados - até hoje não houve nenhum caso de pedido formal de afastamento ou demissão de membro da SBMC por discordância com atos da diretoria - e, com a ajuda de Deus e apoio de outras entidades musicais, continuar a bem servir a cultura de nosso país.



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „A Sociedade Brasileira de Música Contemporânea no „Ano Villa Lobos“ (1987).
Excertos de comunicação de Paulo Affonso de Moura Ferreira ao I Congresso Brasileiro de Musicologia pelo centenário de H. Villa-Lobos (1887-1959)“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 169/19 (2017:5).http://revista.brasil-europa.eu/169/Villa_Lobos_na_Musica_Contemporanea.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

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