Bach - da Austria ao Brasil através da Grécia
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 170

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Atenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

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Atenas. Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


N° 170/13 (2017:6)


De ruínas gregas e de uma Europa em ruínas

O „movimento Bach“ da Áustria ao Brasil através da Grécia
nos seus sentidos renovadores nos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial
- um marco: concerto pela presença de Felix Petyrek (1892-1951) em Atenas em 1926 -


Nos 125 anos de nascimento de Felix Petyrek

 
Nas reflexões encetadas na Alemanha e na Áustria em 2017, considerou-se os elos entre o movimento Bach nas características que tomou em círculos ligados Mozarteum de Salzburg sob a direção de Bernhard Paumgartner (1887-1971) e o Brasil. (Veja)

Essa repetida atenção à extensão do movimento de redescobrimento e revalorização daquele que é por muitos considerado como o maior compositor alemão e mesmo da história da música ocidental explica-se pelo significado que teve na música brasileira do século XX.

O significado de Bach, ciujo nome marca o patrimônio musical brasileiro através das Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), exige que se considere com mais atenção os caminhos dessa recepção e as transformações nelas ocorridas nos diferentes contextos.

Entre esses caminhos, não apenas devem ser considerados aqueles que indicam recepções a partir da França ou da Itália através do significado que tomou Bach na sua vida musical e na atividade de revisores e editores, mas também e sobretudo aquele que revela a recepção do estudo e do cultivo do compositor na Áustria.

Cada vez mais se revela a importância da ação de austríacos em São Paulo para a valorização e a difusão de obras do compositor e para a compreensão do contexto e das circunstâncias que explicam as Bachianas Brasileiras. (Veja)

Esse caminho que leva à Áustria, porém, não foi direto, mas sim deu-se através da Grécia. Principais personalidades que tiveram a sua formação em Salzburg e atuaram em concertos do Mozarteum sob a égide de Paumgartner vieram a ser professores do Conservatório de Atenas.

O principal dels, Martin Braunwieser (1901-1911), iria ser posteriormente, com a sua esposa Tatjana, nascida Kipman, o fundador da Sociedade Bach de São Paulo (1935).

Dando continuidade à orientação obtida em Salzburg, os esforços de renovação do tradicional Conservatório de Atenas seguiram diferentes diretrizes no sentido de superar o convencionalismo de repertórios, de concepções e visões.

Ao lado da introdução de obras contemporâneas e do estudo da cultura musical grega, turca e oriental em geral, procurou-se fomentar o cultivo de obras de compositores anteriores ao século XIX, em particular daquelas de J. S. Bach.

Esse anelo correspondia àquele que marcava a criação de compositores contemporâneos alemães que se orientavam segundo a obra de Bach, entre êles sobretudo Max Reger (1873- 1916). A passagem dos 100 anos do seu falecimento em 2016 deu ensejo a estudos da presença de Bach na sua obra.

Concerto inaugural da presença de F. Petyrek preparado por M. Braunwieser

O principal marco do movimento Bach e testemunho do significado de Max Reger na Grécia dessa época foi concerto de Felix Petyrek, Tatiana Kipman e Martin Braunwieser, realizado no dia 22 de dezembro de 1926.

O programa foi aberto com as Goldbergvariationen de J.S.Bach (Reinberger/Max Reger). Seguiu-se   uma Sonata (segundo Raff) do compositor, terminando o programa com as Variações e Fuga sobre um tema de Beethoven op. 86 para dois pianos de Max Reger.

Considerar esse concerto surge como de especial relevância também para os estudos relacionados com o Brasil, pois possibilita a compreensão de contextos no qual se processou a difusão de Bach em país que procurava renovar a sua vida musical e o seu ensino, assim como aquele que marcou a sua extensão ao Brasil.

Uma atenção especial merece a saliência dada a Felix Petyrek no programa, no qual participou como pianista e, na execução da obra de Max Reger a dois pianos, juntamente com Tatiana Kipman.

Com este concerto, Felix Petyrek foi apresentado aos alunos e professores do conservatório, assim como ao público de Atenas.

Esse compositor e pianista tinha chegado no início de novembro de 1926 na Grécia para dar início às suas atividades como professor de piano em nível avançado, ali permanecendo até 1930, período no qual também atuou na área musicológica.

A sua vinda foi devida a Martin Braunwieser, que desde 1925 era professor de flauta da instituição e que propôs o seu nome e convidou-o. (Veja)

Este concerto, realizado após poucas semanas da chegada de Petyrek em Atenas, tendo sido dedicado a Bach e Reger, indica o alto significado concedido pelos austríacos a Bach na transformação renovadora do ensino no conservatório e da vida musical de Atenas.

Essa mesma intenção de divulgar e cultivar Bach no sentido de renovação não só de repertórios como também de concepções relacionadas com a música e, através dela, da cultura, vigoraria a seguir nas iniciativas do casal Braunwieser no Brasil.

Tratava-se de superar uma cultura musical percebida como superficial, marcada pelo gosto de peças brilhantes e de salão, do virtuosismo vocal e instrumental através de um revelar de dimensões culturais mais profundas da prática e da fruição musical.

O „culto“ a Bach de Salzburg na Grécia - em ecos de Guido Adler (1855-1941)

No culto a Bach uniam-se pela sua formação e elos pessoais os organizadores e intérpretes do concerto já desde os anos de sua convivência em Salzburg. Estudando no Mozarteum, dirigido por Paumgartner desde 1917 e com o qual manteve-se vinculado com elos de amizade durante toda a vida, Braunwieser participara do movimento renovador da instituição por êle promovido e do qual um dos aspectos era a valorização da música anterior ao século XIX e, em particular, de Bach.

Com a vinda de Petyrek, em 1919, essa atenção ou mesmo culto intensificou-se, ganhando porém novas características decorrentes da personalidade e da orientação estética e cultural de Petyrek.

Felix Petyrek recebera primeira formação musical de seu pai, August Petyrek, organista e regente coral na igreja de Olmütz e, desde 1894, professor em Brünn. Compreende-se, assim, o seu conhecimento da música de diferentes épocas e a sua capacidade de tratar com domínio e liberdade diferentes estilos, exigência da prática organística. Essa competência de conhecimentos estilísticos e a liberdade em tratá-los foi de importância na sua atividade como professor e como criador.

O mais significativo, porém, é o fato de ter estudado musicologia com Guido Adler (1855-1941), bastando lembrar que este fora, ao lado de Philipp Spitta (1841-1894) - o grande biógrafo de Bach - e juntamente com Friedrich Chrysander (1826-1901) co-fundador do Vierteljahrsschrift für Musikwissenschaft, em 1885, importante órgão no desenvolvimento dos estudos musicológicos.

As relações estreitas entre Petyrek e Paumgartner explicam-se pelo fato de ambos terem atuado, juntamente com Alois Hába (1893-1973), na Central Histórico-Musical do Ministério de Guerra Imperial e Real da Áustria (Musikhistorische Zentrale beim k.u.k. Kriegsministerium) (Eva Maria Hois, Bernhard Paumgartner und Felix Petyrek: Zwei Mitarbeiter der Musikhistorischen Zentrale beim k. u. k. Kriegsministerium, 1916–1918, Studia Musicologica, 2008). Terminada a guerra, foi Paumgartner que possibilitou a sua ida ao Mozarteum, onde ensino a partir de 1919 e onde teve como uma de suas discípulas Tatiana.

Seria errôneo considerar essa veneração a Bach e o empenho de divulgação de suas obras como expressão de uma atitude e de intentos conservadores e de severidade erudita e acadêmica. Pelo contrário, êles se inseriam em contexto de cunho progressista de jovens músicos que procuravam a superação de convencionalismos da vida musical e do ensino: Paumgartner tinha 30 anos quando veio para o Mozarteum, Petyrek 27 ao vir em 1919 e nesse ano, Braunwieser tinha apenas 18 anos. Ao transferir-se para a Grécia, este último estava com 24 anos e Petyrek, por êle chamado, 34.

Compreende-se, assim, que a vida e a atuação desses jovens músicos eram marcadas pela a procura e a vivência de liberdade quanto a convenções, para o qual utilizavam-se de forma ousada e impulsiva de recursos vários tanto em atitudes pessoais como na criação artística e na constituição de programas.

Se esses anelos evidenciam-se nas obras de Petyrek e de Braunwieser dessa época, no grotesco que sugerem, a veneração a Bach não poderia constituir exceção. O concerto realizado em Atenas em fins de 1926 teve assim um significado renovador e progressista, um ato de liberdade e ousadia de seus músicos e que tinham a oportunidade de, em ambiente ainda não demasiadamente marcado por uma vida musical determinada por convenções, dar expressão livre a seus intuitos, concepções e modos de vida que, na Europa Central, surgiam como excêntricos.

Combate à superficialidade e espiritualidade não confessional

Uma das questões que se levantam, porém, diz respeito aos sentidos mais profundos que esses jovens músicos de intentos renovadores viam na obra de Bach a serviço de intentos de superação da vida musical e do ensino considerados como superficiais.

Bach foi vulto exponencial da história da música do Protestantismo alemão e protestantes era grande parte da comunidade alemã de Atenas. Os músicos austríacos, porém, vinham de contexto cultural profundamente marcado pelo Catolicismo. Na Grécia, os católicos eram minoritários e a Igreja romana possuia uma complexa história mais recente devido ao fato do país ter feito parte do Império Otomano e no qual os trabalhos missionários eram difíceis. Na procura de valorização de sua história mais antiga, os anelos católicos correspondiam àqueles do jovem estado grego à procura de identidade nacional.

A cultura religiosa na Grécia era sobretudo aquela marcada pela tradição ortodoxa. A iniciativa dos músicos austríacos em promover a música de Bach a serviço de intentos renovadores trazia uma nova dimensão a essa problemática religioso-cultural. Ela refletia tendências também sentidas como renovadoras da visão do mundo da Europa Central e que levavam também a um distanciamento crítico relativamente a concepções e formas de culto  estabelecidas, tanto católicas como protestantes.

Não se pode esquecer que Petyrek e sobretudo Tatiana Kipman - conterrânea e amiga de Marie Steiner von Sivers (1867-1948) - encontravam-se muito próximos ao movimento antroposófico que então se desenvolvia. O concerto Bach de 1926 surge assim também como significativo sob o aspecto de uma extensão à Grécia de visões do mundo e do homem marcadas pela Antroposofia e sob este aspecto merece ser também analisado o empenho de difusão da obra de Bach no Brasil.

Relatos da viagem de estudos da A.B.E. à Grécia em 2017
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ O „movimento Bach“ da Áustria ao Brasil através da Grécia nos seus sentidos renovadores nos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial - um marco: concerto pela presença de Felix Petyrek (1892-1951) em Atenas em 1926.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 170/13(2017:6).http://revista.brasil-europa.eu/170/Bach_em_Atenas.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
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