F. Petyrek e M. Braunwieser na Grécia
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 170

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Atenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

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Atenas. Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


N° 170/12 (2017:6)



As damas apareçam no auditório sem chapéu!

Felix Petyrek (1892-1951) e Martin Braunwieser (1901-1991) na Grécia
a ironia e a paródia nos ímpetos de jovens músicos
perante o grotesco do „teatro do mundo“ e na ânsia de liberdade inovadora
- o concerto no Conservatório de Atenas de fevereiro de 1927 no seu significado para o Brasil -


Nos 125 anos de nascimento de Felix Petyrek

 

Um compositor e pianista até há pouco esquecido mas que vem recebendo nova atenção no meio musical e musicológico europeu é Felix Karl August Petyrek. Cada vez mais vem à consciência o seu significado para a Música Nova nas primeiras décadas século XX, surgindo como um vulto indispensável a ser considerado na história da música do século XX.

Embora nascido em Brünn, atual Tchequia, é considerado compositor austríaco, uma vez que a cidade pertencia então à Áustria-Hungria e pelo fato de ter tido formação e atuado sobretudo em meios musicais austríacos, sobretudo em Viena, onde veio a falecer.

Pelos 125 anos de seu nascimento, cumpre relembrar as suas estreitas relações com personalidades que posteriormente desempenharam relevante papel na vida musical e no ensino no Brasil: a teuto-russa Tatjana (Kipmann) e o austríaco Martin Braunwieser.

Petyrek não só exerceu influência no desenvolvimento musical desses músicos como também por êles foi apoiado e reciprocamente influenciado, estabelecendo-se uma estreita relação de vínculos que seria interrompida com emigração do casal para o Brasil em 1928.

Se por motivos não esclarecidos parece ter havido um distanciamento pessoal entre Petyrek e Martin Braunwieser - eventualmente também um fator da sua emigração - a sua personalidade e os impulsos que deu tiveram consequências para o Brasil relativamente a concepções teóricas, estético-culturais, de visão do mundo, repertórios e prática de ensino, sobretudo de piano.

A consideração de Petyrek a partir da perspectiva dos estudos relacionados com o Brasil é de importância para os próprios estudos a êle dedicados, dos contextos e processos culturais em que se inseriu nas suas dimensões e consequências internacionais.

A presença de Petyrek em iniciativas inovadoras em S. Paulo

A primeira vez que se considerou essas relações deu-se há 50 anos quando dos preparativos para a fundação do Centro de Pesquisas em Musicologia da Sociedade Nova Difusão, em Curitiba e São Paulo.

No estreitos contatos com Martin Braunwieser, Petyrek sempre foi lembrado. As tendências do pensamento e da criação musical da época das intensas relações entre Petyrek e Braunwieser marcaram as atividades deste último como professor de composição. A obra de Petyrek também foi lembrada nas atividades voltadas à difusão de obras desconhecidas do repertório contemporâneo de Paulo Affonso de Moura Ferreira. (Veja)

Essas relações continuaram a ser consideradas em conferências e aulas de história da música contemporânea no Brasil e posteriormente na Alemanha.

Petyrek relembrado na última visita de M. Braunwieser a Salzburg em 1989

Importante momento nesse desenvolvimento deu-se com a visita de Martin Braunwieser à Alemanha e à Áustria em 1989, quando foi personalidade central de simpósio internacional promovido pelo Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S.) com o apoio da Embaixada do Brasil, da Universidade de Colonia e várias outras instituições do Brasil e da Alemanha.

Em Salzburg, tratou-se com particular atenção o período de seus estudos e os anos que a eles se seguiram e nos quais Petyrek desempenhou papel de importância.

Petyrek não podia assim faltar na monografia dedicada a Martin Braunwieser pelos seus 90 anos e apresentada na Alemanha, na Escola de Música da U.F.R.J. e no Mozarteum de Salzburg. (A.A.Bispo, Martin Braunwieser. Nova objetividade, humanismo clássico e as tradições musicais do Oriente e do Ocidente na pedagogia e na criação artística. Contribuição ao estudo da influência austríaca e alemã na música do Brasil no século XX. Musices Aptatio, Roma/Colonia, 1991).

Ponto de partia: Petyrek e Braunwieser em Salzburg ao redor de 1920

Martin Braunwieser conhecia Petyrek desde a vinda deste último a Salzburg, em 1919. No dia 29 de Janeiro de 1921, tomou parte numa noite de música de câmara na Sala Viena da Casa de Mozart em concerto que incluia obras para canto de Petyrek (Spät para canto, violino e piano, e Der Harfner, para canto, flauta e piano), interpretadas pela cantora Paula Karl e nas quais o próprio compositor atuou como pianista e Braunwieser como flautista. Essa participação recebeu os mais positivos comentários no Salzburger Wacht de 31 de janeiro de 1921.


Braunwieser atuou também em concerto de canções modernas (Moderner Liederabend) da associação de alunos adiantados do Conservatório Mozarteum no dia 23 de junho de 1921. Nesse concerto, Iphigenia Zotos interpretou obras de Petyrek (Auf Wanderschaft!, texto de Hermann Hesse; Sterbelied, texto de Christina Rosetti; Abendglöcklein, texto e Vincenz Zusner).

O programa trazia a expressa condição de que as senhoras não viessem com chapéu - „Die Damen erscheinen im Saale ohne Hut“ - o que certamente não tinha apenas o sentido de que os chapéus não prejudicassem a visão do palco.

Braunwieser em estudos de Petyrek mais recentes em língua alemã

Lisa Mahn, no seu portrait da vida de Petyrek, publicou uma carta de Martin Braunwieser a Petyrek escrita em Atenas, no dia 18 de julho de 1926 e que dá testemunho do papel decisivo desempenhado por Braunwieser na ida de Petyrek a Atenas.

Martin Braunwieser já se encontrava como professor de flauta do Conservatório desde 1925 e foi o principal motor da vinda de Petyrek à Grécia. ((Lebensbild eines ‚vergessenen‘ Komponisten, Tützung: Hans Schneider 1998, pág. 103).

Essa carta foi citada em estudo de Nina-Maria Wank sobre a atuação de Petyrek no Conservatório de Atenas, aproveitando uma frase de Braunwieser como título do seu trabalho: „Esta cidade não tem, a seu favor, nenhuma tradição musical“ (Nina-Maria Wenk, „‘Die Stadt hat zu ihrem Vorteil keine musikalische Tradition‘. F. Petyrek am Athener Konservatorium (1926-1930)“, Wiener Musikgeschichte: Annährungen, Analysen, Ausblicke; Festschrift für Hartmut Krones, ed. J. Bungardt, M. Helfgott, E. Rathgeber, N. Urbanek, Viena/Colonia/Weimar: Böhler, 2009,  ).

Tanto a expressão citada, como a carta, merecem ser consideradas com atenção sob a perspectiva dos estudos euro-brasileiros voltados a Braunwieser.

„Uma oportunidade favorável fez com que me tornasse professor de flauta no primeiro Odeon daqui e eu me integrei bastante bem. Há alguns dias, tive a idéia se não seria possível que viesse para Atenas como professor de formação em piano. Falei imediatamente com pessoas-chave, que me asseguraram, para a minha alegria, que se o senhor quiser vir, as coisas podem ser arranjadas a partir daqui. Agora escrevo-lhe e peço-lhe para comunicar-me o seu ponto de vista.“ (Trad. A.A.B.)

Essa carta testemunha que partiu de Braunwieser a iniciativa de propor o nome de Petyrek e convidá-lo para vir a Atenas, a lecionar no Conservatório. Ela documenta também o respeito e a influência ali alcançadas por Braunwieser em tão pouco tempo, uma vez que ali se encontrava desde 1925.

A „oportunidade favorável“ que menciona recebeu durante a sua estadia em Split/Spalato, em 1923, quando ali atuou e compôs a sua grande obra Welttheater. Essa menção era expressão de sua modéstia, uma vez que já chamara atenção pelo seu interesse pela música do sudeste europeu e do oriente. Ele conhecia bem a situação de Petyrek, que se encontrava à procura de uma colocação profissional e que passara três anos para tratamento em Abbazia/Opatia. Ali o visitara com a sua esposa, que com êle teve aulas de piano.

Sentido de „Esta cidade tem a seu favor não possuir nenhuma tradição musical“

Como Nina-Maria Wenk menciona, ao receber esta carta de Braunwieser, Petyrek trocou idéias por correspondência com o poeta Hans Reinhart (1880-1963), também do círculo de intelectuais e artistas antroposóficos a que pertencia Tatjana.

Nessa carta, Petyrek fala da atração que um meio como o de Atenas podia oferecer-lhe como liberdade de ação, uma vez que, com as suas posições e com a sua música causava estranheza em meios conservadores de instituições musicais. É nesse sentido que deve ser entendida também a frase de Braunwieser „Esta cidade não tem, a seu favor, nenhuma tradição musical“.

Com essa menção, quis êle dizer que ali não havia o conservadorismo e convencionalismo de vida de concertos e de ensino como em outros centros europeus e em conservatórios.

Fazendo parte de um grupo de jovens com tendências progressistas e renovadoras, que procuravam superar um „ranço“ que sentiam em conservatórios e na vida operística e de concertos, usando de recursos que procuravam chocar ouvintes através de repertório não convencional, do grotesco e parodístico de suas criações,

Braunwieser procurou, com essa menção, atrair Petyrek. Esperava, com a sua vinda, reforço para os seus intentos de renovação do conservatório.

Apresentação de Petyrek como compositor em Atenas e a progressividade do Clássico

Petyrek chegou a Atenas no início de novembro de 1926. O seu primeiro concerto, após algumas semanas, no dia 22 de dezembro do mesmo ano, foi dedicado a Bach. (Veja)

Já em 5 de fevereiro de 1927, Tatiana e  Braunwieser ofereciam um concerto no conservatório com uma obra de F. Petyrek: „Nächtlicher Zug“.

O programa dá testemunho dos intentos de renovação de repertórios e do ensino no conservatório promovido pelo casal e que agora contava com a presença de Petyrek.

Ao invés de  peças brilhantes de reduções e fantasias de óperas, oferecia-se aos alunos e ao público obras dos grandes mestres alemães na primeira parte: Bach, Beethoven e Mozart. 

A abertura do concerto com o Prelúio e Fuga em sol menor do Cravo Bem Temperado (II) surge como significativa da extensão, à Grécia, dos intentos de valorização de Bach como o maior dos vultos da música alemã do Mozarteum de Salzburg.

Essa escolha é relevante em particular sob o aspecto dos estudos euro-brasileiros, uma vez que o casal Braunwieser desempenharia um papel  decisivo na difusão da obra de Bach no Brasil. Não só incluiram obras de Bach no concerto anterior de apresentação de Petyrek,  como em outras apresentações em Atenas e em concertos que realizaram no Brasil, sobretudo como fundadores, em 1935, da Sociedade Bach de São Paulo.

Seguindo-se ao Prelúdio e Fuga, apresentou-se a Sonata em si b menor para piano de flauta de Beethoven e a Fantasia em do menor de Mozart.

A segunda parte do programa vinha ao encontro sobretudo aos sentimentos dos austríacos presentes e aqueles atuantes no conservatório.

Com a execução da Introdução e Variação sobre um tema dos Müllenlieder op. 25 para piano e flauta op. 160 em mi menor de F. Schubert, o casal apresentava uma obra que falava de perto aos sentimentos pátrios austríacos.

Seguia-se aqui também uma tradição da vida musical em Salzburg, evocando as Schubertiaden nas quais Braunwieser participara.

Essa apresentação é relevante sob a perspectiva brasileira, uma vez que Braunwieser iria ser no Brasil o renovador do Schubertchor em São Paulo no início da década de trinta, um dos melhores senão o melhor coro mixto da cidade e que tinha como um de seus objetivos cultivar o espírito da sociabilidade alemã no espírito de Schubert. (Veja)

Importantes direções do trabalho de Braunwieser em São Paulo - e que seriam de importância também para as atividades criadoras de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) - já se encontram representados no programa de Atenas de 1927. (Veja)

Seguindo-se a Schubert apresentava-se a composição de F. Petyrek como que em contraste representativo da criação musical contemporânea.

Obras de compositores franceses nas atividades dos jovens austríacos na Grécia

O programa foi encerrado com C. Debussy: 3 Préludes (La puerta el vino, Général Lavine -excentrique-, Minstrels).

A inclusão do autor francês como fechamento do programa dá testemunho da atenção que o estudo da música francesa no movimento renovador dos jovens músicos austríacos dos anos posteriores ao término da guerra.

Esse interesse resultava da tentativa de reintegração artística da Áustria no desenvolvimento musical de nações que tinham sido inimigas da Guerra e, assim, de recuperação de uma internacionalidade abalada.

Assim agindo, vinham ao encontro a formação francesa de gregos de camadas mais altas da sociedade, da cultura e das artes, sendo uma de suas expressões o fato do programa ter as obras apresentadas versadas em francês.

É essa francofilia dos Braunwieser e da academia de renovação artístico-cultural criada a seu redor em Salzburg que explica a contínua presença de „Saudades do Brasil“ de Darius Milhaud nos seus programas, dos quais apenas o de fevereiro de 1927 surge como exceção.

Esse interesse por compositores franceses explica-se também sobretudo pela procura do excêntrico, irônico, parodístico sobretudo de compositores do „Grupo dos Seis“ e que vinha ao encontro de um espírito marcado pelo distanciamento quanto a um sentido grotesco do mundo e da existência humana tão profundamente vivenciado nos tempos de guerra e do qual o „Teatro do Mundo“ de Braunwieser, de 1923, exemplifica.

„Epater les bourgeois“ em anos confrontados com o grotesco do cenário mundial

Essa linguagem musical não expressava uma atitude de desesperança, mas antes uma posição de distância de jovens que procuravam reformar instituições e situações em espírito desafiador e de „epater les bourgeois“ em fruição alegre e leve de liberdade. Já Petyrek tinha composto seis peças para piano grotescas com persiflagens de estilo (Sechs grotesken Klavierstücke mit ihren Stilpersiflagen).

Seria um êrro ver na atividade dos Braunwieser na Grécia e no Brasil expressão de uma seriedade marcada pela erudição e orientação ao passado só pelo fato de terem-se empenhado na difusão da obra de clássicos e de compositores mais antigos, em particular de Bach. Esse êrro impede a avaliação justa do papel que desempenharam na difusão da música contemporânea ao chegarem ao Brasil e no espírito com que impregnaram as  suas atividades de ensino.

Felix Petyrek recebera primeira formação musical de seu pai, August Petyrek, organista e regente coral na igreja de Olmütz e, dese 1894, professor em Brünn. Compreende-se, assim, o seu conhecimento da música de diferentes épocas e a sua capacidade de tratar com domínio e liberdade diferentes estilos.

O mais significativo, porém, é o fato de ter estudado musicologia com Guido Adler (1855-1941) e composição com Franz Schreker (1878-1934). (Cf. e.o. Carmen Ottner, „Was damals als unglaubliche Kühnheit erschien : Franz Schrekers Wiener Kompositionsklasse“, Studien zu Wilhelm Grosz, Felix Petyrek und Karol Rathaus, Viena: Lang, 2000).

É essa tradição musicológica e composicional que pode ser constatada também em Braunwieser que foi discutida na primeira Semana de Música Teuto-Brasileira em Leichlingen, em 1981, quando as atenções locais eram marcadas pelo interesse em redescobrimento de Franz Schreker.


Relatos da viagem de estudos da A.B.E. à Grécia em 2017
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Felix Petyrek (1892-1951) e Martin Braunwieser (1901-1991) na Grécia. A ironia e a paródia nos ímpetos de jovens músicos perante o grotesco do „teatro do mundo“ e na ânsia de liberdade inovadora - o concerto no Conservatório de Atenas de fevereiro de 1927 no seu significado para o Brasil“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 170/12 (2017:6).http://revista.brasil-europa.eu/170/Felix_Petyrek.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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