Antigua-Brasil: processos culturais e arquitetura
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 171

Correspondência Euro-Brasileira©

 
St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

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St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

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St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 171/10 (2018:1)



Antigua & Brasil no estudo de processos culturais
arquitetura e urbes na história da colonização
e seus contextos político-culturais globais

- a
Court House e a catedral St. John the Divine em Antigua -

300 anos Peter Harrison (1716-1775). House of Culture und Museum of Antigua and Barbuda

 
St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Como em outras ilhas do Caribe, uma das primeiras questões que se levantou em Antigua nos estudos euro-brasileiros ali desenvolvidos em fins de 2017 disse respeito ao caminho a ser seguido na consideração de processos culturais de significado para o Brasil.
St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Ilhas como Antigua, marcadas sobretudo pela colonização inglesa, são compreensivelmente pouco consideradas em estudos relacionados com o Brasil. Qual seria o interesse e o sentido de considerar-se Antigua e Barbados em estudos de relações Europa-Brasil?

Entretanto, também em Antigua uma análise mais diferenciada revela significados que contribuem a esses estudos à medida que favorecem o reconhecimento da inserção de desenvolvimentos brasileiros em contextos mais amplos.

St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Realizados no período do Advento, os estudos em Antigua - como em outras regiões - foi marcado por uma atenção particular a elos de processos históricos colonias com um sistema de concepções e imagens de antiga proveniência transmitidos pela tradição cristã do ciclo do calendário que abrange o Advento, a festa da Imaculada Conceição, o Natal e Reis, prolongando-se até o Carnaval.

Entre os aspectos considerados, destacou-se aqule referente à organização de espaços e seus sentidos, a interferências e paradoxias entre a uma impressão „presepial“ que desperta uma cidade como St. John e o presépios que ali se levantam. Dessas reflexões passou-se a considerar o papel da arquitetura e do urbanismo na história colonial.

Antigua - de Sevilla ao Caribe. Maria e a (re-)cristianização de cidades e terras

O próprio nome de Antigua mantém até hoje viva a lembrança do Catolicismo dos seus primeiros descobridores ibéricos e, assim, um passado remoto em país cuja história foi marcada sobretudo pela colonização inglesa a partir do século XVII.

A ilha foi descoberta por Colombo em novembro de 1493  e denominada segundo Santa Maria de la Antigua em Sevilha. A sua denominação explica-se pela particular devoção de Colombo pela imagem da Virgen de la Antigua da capela de mesmo nome da catedral de Sevilha, famosa pela pintura a fresco La Virgen. (Veja)

Nossa Sra. Antigua. Santo Domingo. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Essa imagem é estreitamente ligada com a memória da Reconquista e, consequentemente, com a história cristã da Península Ibérica. Segundo a tradição, ela apareceu a Fernando II o Santo (1199/1201-1252) quando da conquista de Sevilha dos mouros em 1248. O rei, conduzido por um anjo, teria visto, no interior da grande mesquita, por detrás de uma parede, a imagem da Virgen de la Antigua. Logo após, os muçulmanos se renderam e o rei libertou Sevilha. A transformação da mesquita em catedral, após a conquista, teria sido assim a de uma re-cristianização do edifício e um marco da recristianização do país.

Santa Maria de la Antigua é venerada também na capela do palácio gótico do Real Alcázar e do hospital del Pozo Santo de Sevilha, em outras igrejas e outras cidades da Espanha, o que documenta a intensidade e a extensão do seu culto e o seu significado para a história e auto-consciência da Espanha. É padroeira de várias instituições e cidades, salientando-se Guadalajara, onde se encontra o Santuario de la Antigua. A designação de uma ilha segundo essa veneração é conhecida da cidade de Antigua, em Fuerteventura e a imagem é venerada em outras igrejas das Canárias.

Sendo Sevilla o „Porto das Índias“ à época das Descobertas, a devoção à Virgen de la Antigua marcou a religiosidade de outros navegantes e conquistadores da era dos Descobrimentos. Entre êles cumpre salientar a viagem de circum-navegação do mundo de Fernando de Magalhães (1480-1521) em 1519. Tendo sido completada sob Juan Sebastián Elcano (1486-1526), foi a imagem de Sevilha procurada em ação de graças por este e seus marinheiros ao término da viagem. Nas Américas, a sua devoção foi e é intensa, salientando-se ser ela a padroeira do Panamá.

A tradição de Santa Maria de la Antigua em Sevilha revela não só relações com a história do combate ao Islão e da reconquista cristã, mas sim estreitos elos com a (re-)cristianização do edifício da mesquita e, assim, com concepções de arquitetura e de resignificação de espaços.

Entre os vários estudos dedicados à história dessa devoção, deve-se considerar sobretudo aqueles que indicam elos com Roma e com a cristianização de edifícios romanos. Santa Maria Antiqua é a designação de igreja de meados do século VI resultante da reforma e resignificacão de edifícios imperiais no Forum Romanum e que adquire excepcional significado histórico-artísticos devido às suas pinturas. Entre os edífícios cristianizados que deram a Roma a sua fisionomia cristã destaca-se Santa Maria Maggiore, edificada em 432, também chamada e.o. de Santa Maria do presépio.

História colonial no contexto de atividades inglesas na esfera insular das Antilhas

Se o nome de Antigua remonta à sua Descoberta, a sua história colonial inicia-se apenas no século XVII. Esta é relacionada com os acontecimentos na ilha de S. Cristóvão (St. Kitts), sendo por assim dizer uma das filhas dessa ilha considerada como „Mãe das Antilhas“. Nela se assentaram, em 1629, alguns colonos fugidos de St. Kitts. Em 1632, foi o próprio colonizador de St. Kitts, Sir Thomas Warner (1580-1640), que promoveu a organização da primeira colonia inglesa em Antigua. Ambas as ilhas devem ser assim consideradas nas suas interações e quanto a elos e paralelos, dando-se atenção, porém, às diferenças resultantes das circunstâncias e dos desenvolvimentos agrícolas e econômicos nos contextos insulares. (Veja)

Assim como em St. Kitts em época que culminou tragicamente com o extermínio de indígenas, também em Antigua a fixação e o desenvolvimento da colonia foi marcado por crescentes tensões com os indígenas. Em 1640, 50 colonos foram ali mortos por índios caraíbas.

Os desenvolvimentos na segunda metade do século XVII não podem ser analisados sem a consideração mais atenta das extensões nas Antilhas de processos político-religiosos conturbados da Inglaterra e da Escócia, assim como de suas tensões com outros países europeus. Em1663, Antigua foi entregue pelo rei inglês Carlos II (1630-1685) ao barão Francis Willoughby of Parham, membro da casa dos Lords, colonizador do Suriname (1605-1666).

Assim como em St. Kitts e em outras ilhas, também Antigua teve a sua história particulrmente marcada pela inimizade entre a Inglaterra e a França. Em 1666, franceses conquistaram a ilha e roubaram os plantadores. Algumas famílias francesas ali se assentaram. O trato de Breda, em 1688, devolveu a ilha à soberania inglesa.

Plantação de cana, grandes capitais, desenvolvimentismo e ideais civilizacionais

O desenvolvimento econômico regional a partir da segunda metade do século XVII foi - como em outras ilhas - resultado da extensão e intensificação da plantação de cana e da produção açucareira, em particular em Barbados, assim como da sua exportação favorecida pelo livro comércio.

Esse desenvolvimento ficou marcado pelas atividades de Christopher Codrington (ca. 1640-1698) em Barbados e, posteriormente, de seus filhos. A consideração da família Codrington adquire particular significado, uma vez que revela não só as consequências positivas e negativas das grandes plantações, da cumulação de capital, do surgimento de grandes riquezas como também do seu uso no sentido de mecenato a serviço de ideais civilizacionais em dimensões supra-regionais.

Assim como em St. Kitts, a substituição do tabaco e do indigo pela cana trouxe profundas transformações no meio ambiente através da destruição de florestas das ilhas - o que tem consequências até o presente -, na sociedade e na constituição populacional, que passou a ter um círculo de proprietários de grandes posses e grande número de escravos. Na alta sociedade, os modos de vida foram marcados por procura de nobilidade e aperfeiçoamento intelectual e cultural. Ainda no século XIX viajantes constatavam uma tendência à distinção na sociedade de Antigua e que também se fazia sentir nos africanos e seus descendentes, como registrado por O. Delitsch. (Otto Delitsch, Westindien und die Südpolar-Länder, in Handbuch der Geographie und Statistik: Brasilien, Westindien und die Südpolar-Länder,  J. G. Wappäus e D. Delitsch, Leipzig: J. Hinrichs‘schen Buchhandlung, 7. ed. 1871,2025 ss.). (Veja)

Com os ideais desenvolvimentas e civilizacionais relacionou-se estreitamente a catequese dos escravos. Esta foi fomentada pelos anglicanos através da Society for the Propagation of the Gospel in Foreign Parts.

De início atuando nas colonias norteamericanas, já em 1710 a sociedade de propagação da Church of England extendeu as suas atividades às Índias Ocidentais. Contando com a herança das plantações de Christopher Codrington para a obtenção de meios, a sociedade tornou-se proprietária de grande número e escravos das plantações de Barbados, podendo assim financiar instituições em outras regiões, entre outras a Harvard University.

Esse envolvimento da sociedade de propagação da Church of England com a escravidão foi causa de controvérsias, mas só em 1833 solucionada com a vigência da Slavery Abolition Act. Os escravos foram libertos em 1834 após um período intermediário de aprendizado.

As diferenças religiosas na Grã-Bretanha e no Protestantismo em geral tiveram extensões em Antigua, em particular através do congregacionalismo. Os Herrnhuter e os Metodistas exerceraram desde cedo importante papel no ensino com a manutenção de escolas para africanos e seus descendentes.

A disposição urbana de St. John, com as suas ruas retas da malha urbana em xadrez dá testemunho do planejamento urbano colonial inglês. Como em outras colonias brit^nicas, os principais edifícios eram as residências do governador e edifícios da justiça e administração, além da igreja e, na zona rural, das grandes casas de plantadores e a modêlos de casas coloniais. O significado de Antigua na administração insular torna-se compreensível considerando que o seu governador era também o funcionário máximo das Ilhas de Sotavento, ou seja, Barbuda, Montserrat, St. Christoph, Nevis, Anguilla, Virgens e Dominica.

Desenvolvimento de estudos de arquitetura em processos culturais

Estudos de arquitetura em contextos internacionais veem sendo desenvolvidos sob diferentes aspectos nos estudos de processos culturais relacionados com o Brasil. Remontam, na sua orientação teórica, a preocupações de fins da década de 1960 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e do movimento de renovação dos estudos culturais através do direcionamento da atenção a processos que levou à fundação da Sociedade Nova Difusão, em 1968. (Veja)

A interdisciplinaridade foi uma das principais características dessas reflexões e estudos. Em particular as relações entre Arquitetura e Música constituiram um foco de atenções que marcaram projetos de pesquisas e diversas áreas disciplinares na época, entre elas a de Estética em cursos superiores de música e Educação Artística.

Esses estudos tiveram prosseguimento na Europa, marcando diálogos e cooperações com historiadores da arte, arquitetos e musicológos, em particular da Universidade de Colonia. No âmbito os trabalhos euro-brasileiros, desenvolveu-se um programa de arquiteturologia de orientação cultural no qual foram promovidos estudos comparativos em diferentes regiões do globo.

Vários relatos dos trabalhos realizados foram amplamente divulgados por esta revista.   Esses estudos em diferentes contextos procuram considerar obras e desenvolvimentos arquitetônicos em diferentes países e continentes como documentos e expressões de processos abrangentes, coloniais e outros, contribuindo assim a visões globais que se tornam imprescindíveis no presente marcado pela mundialização.

A obra de muitos arquitetos que realizaram projetos em diferentes regiões do mundo - assim como de artistas e músicos - apenas pode ser estudada a partir desse panorama abrangente e da consideração das múltiplas interações em relações globais.

Vários arquitetos, em particular no século XIX, atuaram em diferentes países e deixaram obras que marcam a fisionomia de cidades das mais diversas regiões do mundo, constituindo até hoje edifícios que possibilitam semelhanças em diferentes atitudes e documentam a recepção de correntes do pensamento e da criação da Europa em continentes extra-europeus.

Também a arquitetura no Brasil não pode deixar de considerar essas suas inscrições em processos que ultrapassam fronteiras e continentes. Muitos dos edifícios históricos que marcam cidades brasileiras apenas podem ser valorizados adequadamente se considerados no contexto da obra de arquitetos que também estão representados em outras partes do mundo.

A análise desses edifícios - também nos seus aspectos diferenciadores resultantes do contexto particular em que foram construídos - oferece importantes subsídios para a compreensão de desenvolvimentos do pensamento, da recepção de correntes estéticas e de suas respectivas inscrições em processos político-culturais.

A arquitetura nas Américas no seu significado para o Brasil

A arquitetura nos diversos países das Américas surge como de particular relevância nos estudos voltados ao Brasil.

O patrimônio arquitetônico global do continente e do Caribe documenta processos históricos nas suas relações com a Europa, sejam coloniais ou de interações culturais após independências.

Sob determinados aspectos, esse estudo em dimensões continentais e em perspectivas interamericanas já conta com muitas contribuições, como é o caso da arquitetura da época colonial, em particular do Barroco na América Latina.

Sobretudo porém a arquitetura do século XIX, em especial aquela designada indiferenciadamente como ecleticista ou historicista clama por estudos mais abrangentes e revalorizações adequadas. Justamente edifícios que marcam a fisionomia de muitas cidades do Novo Mundo, alguns deles até mesmo emblemáticos, sofrem ainda com desvalorizações estéticas de cunho estético-ideológico ou político, exigindo aproximações mais objetivas e sem prejudicações.

Tem-se, também na arquitetura um problema paralelo àquele da música e das artes em geral, ou seja o da desvalorização do patrimônio cultural do século XIX - justamente aquele século da independência política de muitas nações - a partir de projeções retroativas de posições estéticas do século XX.

Na tentativa de suprir em parte essa lacuna, a A.B.E. tem promovido estudos voltados a análises mais diferenciadas da arquitetura do século XIX nas Américas.

Uma particular atenção tem sido dada à transpassagem de esferas latino-americanas decorrentes das ações coloniais ibéricas e daquelas francesas, inglesas ou outras. Foram, assim, consideradas sob a perspectiva brasileira vários exemplos do patrimônio histórico-arquitetônico do Canadá e dos Estados Unidos, estudando-se elos com construções em outras regiões do mundo colonizadas pelas potências européias, por exemplo na Austrália ou em Singapura. (Veja)

Também os estudos relativos ao Caribe teem considerado quase que exclusivamente a arquitetura colonial mais antiga de proveniência ibérica, como aquela de obras monumentais de Havana ou de Santo Domingo.

As ilhas caribenhas possuem porém vários edifícios significativos reveladores de outros elos com países europeus não-ibéricos, que marcam naturalmente sobretudo ilhas colonizadas pela Inglaterra e pela França. Sobretudo construções nas colonias inglesas do Caribe devem ser consideradas em contextos globais de interações transatlânticas que abrangem a Grã-Bretanha, o Canadá e os Estados Unidos.

Principais edifícios de St. John: a Court House - Peter Harrison (1716-1775)

St.John/Antigua. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

O edifício da Court House de Antigua foi projetado por Peter Harrison, um arquiteto nascido em York. Trata-se de uma personalidade pouco conhecida quanto à sua vida e obra, uma vez que todos os seus papeis foram destruídos como representante da epoca colonial conservadora na revolução norte-americana.

O seu significado, porém, vem sendo cada vez mais reconhecido, sobretudo nos Estados Unidos. Viveu em Newport, Rhode Island entre ca. 1745 até a sua morte, com temporária residencia em New Haven, Connecticut. É celebrado como o primeiro arquiteto com formação que viveu e construiu na América, com 450 edificios, tendo-se destacado também na arte da construção de móveis. Entre os edifícios por ele projetados pode-se destacar a King‘s Chapel (1749) em Boston, Massachusetts.

Na juventude, no final do seu aprendizado, em encontro com um aristocrata, recebeu a encomenda de construção de uma casa de campo - a Wentworth-Woodhouse em Yorkshire, que é considerada como a maior casa particular na Europa.

Com o seu irmão Joseph Harrison, estabeleceu-se como comerciante e capitães de navios de sua propriedade.Ele proprio dirigiu um navio em direção à America em 1738 depois de ter visitado Veneza e estudado obras de Andrea Palladio (1508-1580) e Baldassare Longhena (1598-1682). A sua viagem ao Novo Mundo foi marcada por projetos e construções. Em Paramaribo, projetou duas igrejas e uma sinagoga, assim como a residência do governador. Em Barbados projetou a Court House e a sinagoga, Em Jamaica, edificou duas casas grandes para plantadores, em South Carolina, o Drayton Hall Plantation e a ampliação da mansão do governador em Charleston.  Construiu em North Carolina e em Virginia, em Maryland, Philadelphia, atingindo o ultimo porto de sua viagem em Boston.

Retornando à Inglaterra entre 1743 e 1745, recebeu formação em arquitetura por um aristocrata que se dedicava ao ensino através de livros com modelos e com base em viagens à Itália e à Grécia, treinando os seus discípulos a tornarem-se bons construtores.

Essas escolas-estúdios particulares orientavam-se segundo a tradição de Vitruvius e Palladio. Procurava-se transmitir regras e modêlos para uma arquitetura ao mesmo tempo qualitativa, nobre na sua simplicidade, representativa mas adequada às necessidades e possibilidades econômicas das regiões de presença inglesa.

Da Europa, Harrison trouxe livros relativos a formas clássicas orientadas em princípio pelo movimento palladiano nas transformações que ja experimentara, tendo criado uma biblioteca especializada, destacando-se pela sua erudição.

Os elos com as autoridades coloniais explicam o seu prestígio e a extensão de sua obra. Quando William Shirley (1694-1771) foi nomeado governador de Bahamas, Harrison foi contratado para projetar a sua residência em Nassau, uma igreja, o mercado e três versões de uma casa colonial. Sob o filho de Shirley, quando governador da Dominica, projetou a casa do governador e três versões de uma casa colonial.

Também projetou residências para governadores, para Court Houses e casas coloniais para Newfoundland, Nova Scotia, Rhode Island, Connecticut, New York, Pennsylvania, Maryland, Virgina, South Carolina, Georgia, Jamaica, British Virgin Islands, Saind Kitts, Nevis, Antigua, Montserrat, Saint Vincent, Grenada e Tobago. Também recebeu encomendas para Quebec, Montreal, British East Florida, British Guadeloupe, British Martinique e Seneval. Projetou vários colégios, hospitais e prisões. Court Houses suas existem em Massachusetts, Rhode Island, Pennsylvania, Maryland, Virgina, Jamaica. Construiu teatros para New York, Pennsylvania, Maryland, South Carolina, Louisiana, Jamaica e India. Harrison marcou assim a fisionomia da esfera colonial britânica, a sua obra explica em parte a unidade que nela se obseva através de fronteiras.

Os seus vínculos políticos com os Torys na Inglaterra causaram a sua ruína nos anos da Revolução Americana. Após a sua morte, a sua casa em New Haven, Connecticut foi atacada por revolucionários e a sua biblioteca queimada.

O entusiasmo pelo paladianismo nos Estados Unidos relacionou-se com o cunho modelar visto na república romana. Exemplo foram as construções de Thomas Jefferson (1743-1826) em Monticello e a Universidade de Virginia. O Paladianismo  influenciou a arquitetura colonial americana do estilo georgiano, também chamado Greek Revival.

Sir Charles Augustus Fitzroy (!796-1858)

O vulto que deve ser considerado com especial atenção tanto na consideração da Court House como na da catedral de Antigua é o do Governador Sir Charles Augustus Fitzroy (1796-1858), aquele que lançou a pedra fundamental da igreja e que remodelou a Court House.

Esse militar, desde a sua juventude no Regimento da Armada Britânica das Royal Horse Guards. participante da Batalha de Waterloo, foi um dos mais ativos representantes da história de muitas colonias britânicas, sendo lembrado sobretudo na Austrália, no Canadá e na África do Sul. Foi Governador da Prince Edward Island no Canadá e de New South Wales na Austrália. Nesses cargos, destacou-se como administrador de menor rigidez e tendências mais liberais e esclarecidas, sendo significativo o seu papel na fundação da Universidade de Sydney.

O estudo da arquitetura em diferentes contextos da presença inglesa no mundo não pode deixar de considerar a sua atuação administrativa e as correntes políticas em que se inseriu, assim como da sua tradição familiar marcada por políticos influentes na Grã-Bretanha e nas colonias.

À época de seu Govêrno nas ilhas do Sotavento, de 1841 a 1845, já contava com grande experiência em várias partes do mundo. Como Tenente-Governador da Prince Edward Island, a partir de 1837, salientara-se como administrador sensato e moderado. Após o seu período nas Antilhas, seguiu-se a época que mais marcaria a sua vida na Austrália. O seu nome é eternizado na capital de Antigua em placa na Court House. Ali lembra-se que o edifício, construído em 1750 e danificado pelo terremoto de 1845, foi por êle reconstruído.

Sé anglicana da Diocese of North Eastern Caribbean and Aruba

A catedral de St. John the Divine, a sé da diocese da Diocese do Nordeste do Caribe e de Aruba, é a principal igreja que representa o Anglicanismo na esfera da Província eclesiástica das Ilhas Ocidentais.

Ela domina no alto de uma colina a cidade do mesmo nome - St. John - capital de Antigua e Barbuda - sendo o seu mais representativo e importante edifício.

Ela marca com a sua monumentalidade o significado da veneração de S. João Batista na história missionária e cristã da região e teológica do apóstolo João,  do evangelista, autor da Apocalipse. Em ambos os casos essas venerações são compreensíveis na história missionária e colonial, salientando-se o papel do último livro do Novo Testamento como fonte de consolo e de esperança para os habitantes nessa região, assolada por terremotos e tufões.

Com as suas dimensões, sua posição na paisagem urbana e seu significado - é, ao lado da Court House o principal edifício do patrimônio arquitetônico do país - também um símbolo do passado colonial britânico, sendo assim também alvo de críticas que acusam-na de constituir centro do poder branco no Caribe.

A consideração desse monumento tem assim dimensões ideológico-políticas e étnico-culturais que acentuam a necessidade de condução de estudos arquitetônicos nas suas inscrições em processos culturais.

A catedral, na sua magnitude, no seu estilo e na sua engenharia construtiva exige a consideração da história política do passado colonial inglês na região.

Já no início do povoamento europeu da ilha, ali levantaram-se igrejas modestas, a primeira de madeira antes de 1681. A ela, abalada por terremoto em 1683, seguiu-se uma igreja mais sólida, de tijolos importados da Inglaterra ao redor de 1720, com projeto de Robert Cullen, cuja lápide é conservada no cemitério local. Também esta igreja foi vítima de terremoto em 1745.

O passado de tensões entre as potências européias pelo domínio na região é lembrado até o presente. Estátuas de S. João Batista e de S. João Evangelista em pilares de portal de sua grade de ferro teriam sido tomadas de uma nave francesa que se dirigia a Martinique pelo navio Temple, em 1756. 

O desenvolvimento da região e o aumento do significado a igreja, agora catedral com a criação da Diocese de Antigua, em 1842, levou ao intento de construção de um novo edifício. O seu projeto deu-se justamente à época de outro violento terremoto, ocorrido em 1843, o que teve influência no seu planejamento. A sua consagração deu-se em 1848.

A catedral e o movimento anti-escravagista: Daniel Gateward Davis (1788-1857)

Entre os principais vultos do Anglicanismo e do Abolicionismo da época salientava-se Daniel Gateward Davis (1788-1857), justamente aquele que foi o primeiro bispo de Antigua, a partir de 1842, personalidade decisiva na construção da nova catedral.  Desde a sua formação tornou-se consciente da desumanidade do tratamento dado aos escravos.

A sua preocupação principal, porém, era a de que má experiência dos africanos representava um grande empecilho à cristianização. Assim, os escravos não eram receptivos e não acudiam aos cultos e às escolas missionárias. As convicções e os intentos religiosos de Davis esbarraram com a resistência dos plantadores. Somente em complexa interação com tendências abolicionistas na Grã-Bretanha é que a situação gradualmente modificou-se.

Nas ilhas do Sotavento, D. G. Davis distinguiu-se no movimento anti-escravagista de St. Kitts and Nevis, onde atuou na igreja de S. Paulo em Nevis, ilhas que se tornaram importantes no movimento abolicionista inglês no Caribe.

Duas personalidades locais, apesar das pressões sofridas por parte de grandes proprietários, enviaram relatos sobre a desumanidade que ali ocorria a anti-escravagistas na Inglaterra. St. Kitts e Neves desempenharam assim um papel significativo na história do movimento e do papel inglês na abolição da escravidão.

Tanto plantadores, como personalidades influentes passaram a apoiar o movimento, assim como bispos de tendências anti-escravagistas nomeados na década de 20 do século XIX para as sés de Jamaica e Barbados/Sotavento. Esses desenvolvimentos levaram à mudança de mentalidades, trazendo à consciência dos plantadores a necessidade do melhoramento das condições dos trabalhadores e da inevitabilidade do processo emancipador.

Thomas Fuller (1823-1898) e o projeto da catedral de Antigua

O projeto da catedral deveu-se a Thomas Fuller, um arquiteto de Bath que também teve a sua vida e obra marcada por atuações em várias regiões do império colonial inglês.

O seu nome é particularmente lembrado no Canadá pelos grandes edifícios por êle projetados e que marcam a fisionomia de cidades como Toronto e sobretudo de Ottawa, sendo por isso considerado como arquiteto canadense. Foi Chief Dominion Architect para o Govêrno do Canadá de 1881 e 1896.

Entretanto, deve-se considerar a diversidade de estilos e mesmo uma mudança estilística na sua obra nas suas implicações conceituais e que sugere ter vindo de encontro nos projetos a correntes de pensamento e a intentos daqueles que o contrataram. Nesse desenvolvimento que seria de tanta importância para o Canadá, o seu primeiro grande projeto - a catedral de Antigua - merece particular atenção.

Tendo recebido formação em Bath, realizara antes de viajar a Antigua em 1845 vários projetos naquela cidade e em Londres. Em Antigua, passou dois anos trabalhando na construção da catedral antes de mudar-se para o Canadá.

A catedral de Antigua indica que Thomas Fuller procurou vir de encontro a tendências político-culturais e estéticas das personalidades influentes que marcaram a sua construção. Essas eram por um lado conservadoras no sentido aparentemente paradoxal por manterem concepções valorizadoras da tradição humanista, do clássico e da Renascença em época marcada cada vez mais pelo restauracionismo religioso medievalista e neo-gótico.

O conservadorismo era, sob esse aspecto, antes progressista, contrastante com o reacionarismo que se tornava dominante. Posteriormente, o próprio Thomas Fuller passaria a servir à corrente político-cultural e eclesiástica que teve a sua principal manifestação no neo-gótico.

Na catedral de Antigua, são as referências ao clássico que predominam, tornando-a assim quase que como uma referência à épocas passadas. Compreensivelmente, foi criticada pelos restauracionistas como um „templo pagão“ ladeado por duas torres com cúpulas de metal colorido, ridicularizadas como imitadoras de potes de pimenta.

Entretanto, tudo indica que a leitura de sua linguagem visual deveria ser entendida hoje como sinal da vigência tardia da tradição humanista que foi determinante no movimento anti-escravagista. Ao contrário das críticas que nela veem um sinal do domínio dos grandes proprietários, a catedral revelaria antes a sua inscrição nas correntes esclarecedoras que levaram à abolição.

Do ponto de vista técnico, a catedral assume particular interesse pelas medidas nela tomadas para a proteção contra os terremotos. Toda a configuração interior, de madeira, foi projetada como um „edifício dentro de edifício“, possibilitando assim a sua segurança no caso de terremoto ou tufão.

Aproximações quanto a extensões de teorias arquitetônicas e modêlos no Caribe

A linguagem estilística da catedral permite reconhecer concepções cda arquitetura e de sua prática que teriam marcado a formação do arquiteto ou daqueles que o contrataram. Pode-se lembrar das obras teóricas de James Gibbs (1682-1754) (A Book of Architecture, Containing Designs of Buildings and Ornaments, Londres 1728; Rules for Drawing the Several Parts of Architecture, Londres 1732).

Esse autor-arquiteto, fornecendo modêlos de seus próprios projetos, visava sobretudo pessoas de formação e cultivo que, em regiões distantes viviam em ambientes rurais tinham necessidade de orientação para as suas construções. Gibbs inseria-se sobretudo no círculo da aristocracia Tory.

Esses modêlos eram por êle oferecidos segundo o „melhor gosto“ da época segundo a tradição italiana da arquitetura. Nesse sentido, seguia um ideal estético de simplicidade em fachadas pouco ornamentadas, salientando a importância das proporções.

As relações entre os elementos e o todo deviam ser caracterizados por nobre simplicidade, com poucos ornamentos. Esses modêlos de Gibbs revelam a influência de Christopher Wrens (1632-1723) e do Barroco italiano, distanciando-se de uma excessiva rigidez do Palladianismo, situando-se assim entre o palladianismo e o Barroco, o que explica o papel que desempenharam na América de fins do século XVIII e início do XIX.

Outra obra que mereceria ser lembrada é o tratado de arquitetura civil de William Chambers (1723-1796) (A Treatise on Civil Architecture, Londres 1759), uma vez que teve grande difusão com as suas muitas edições.  Chambers, com formação na Itália, foi um dos principais arquitetos da segunda metade do século XVIII na Inglaterra, salientando nas suas concepções o alto significado da linguagem arquitetônica da Antiguidade, o que confere à sua obra um teor iluminista.

De estudos euro-brasileiros no Caribe em 2017
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Antigua & Brasil no estudo de processos culturais: arquitetura e urbes na história da colonização e seus contextos político-culturais globais- a Court House e a catedral St. John the Divine em Antigua.“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 171/10(2018:1).http://revista.brasil-europa.eu/171/Antigua-Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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