Guadeloupe & Brasil: carnaval, transe e dança
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 171

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 171/13 (2018:1)



Guadeloupe & Brasil:
Da recuperação do sentido social-crítico do carnaval nos seus fundamentos culturais
em substituição ao carnaval de „cetim“
- tambores e as relações entre transe e dança -

 








 

Guadeloupe, grupo de ilhas nas Pequenas Antilhas, foi uma das regiões consideradas no âmbito de ciclos de estudos de 2017 voltados a processos culturais no Caribe nas suas relações com a Europa e o Brasil.

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Guadeloupe, parte das Antilhas Francesas ao lado de Martinique, Saint-Barthélemy e Saint-Martin já foi visitada anteriormente, quando também considerou-se Saint-Barthélemy e Saint-Martin ao lado de paises insulares independentes marcados pelos elos com a França na sua história colonial.

Essas observações, pesquisas e contatos foram preparadas e tiveram prosseguimento com estudos de fontes e da literatura especializada, sendo discutidas no seminário „Música em Processos interculturais no Caribe“ promovido pela A.B.E. e I.S.M.P.S. em cooperação com o Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia.

A atual estadia em Guadaloupe teve como objetivo atualizar conhecimentos, observar novos desenvolvimentos e dar continuidade aos estudos à luz dos resultados das reflexões das últimas décadas.

Guadeloupe em estudos de processos culturais: „Europa“ fora da Europa

Guadeloupe pode ser considerada em elos e paralelos com o Brasil sob diferentes aspectos. Um deles diz respeito ao binômio Cultura/Natureza.

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Guadeloupe distingue-se pela atenção dada à conservação de seu patrimônio florestal restante em parques e reservas, assim como à botânica nas suas relações com o paisagismo, salientando-se aqui o Jardin Botanique de Deshais, o mais significativo dos jardins botânicos das Antilhas.

Assim como em outras ilhas, grandes regiões são marcadas pelo uso agrícola de séculos, e que, em particular devido às grandes plantações de cana de açúcar, levaram a sensíveis mudanças da sua cobertura vegetal.

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Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
ambém em Guadeloupe evidencia-se as estreitas relações entre processos históricos, políticos, culturais e populacionais com processos de transformação do meio natural. Esses processos, nas suas interações, são considerados em geral sob a perspectiva da crítica ao passado colonial e do colonialismo em países independentes do Caribe.

Guadeloupe, assim como outras ilhas das Antilhas Francesas, diferencia-se aqui pelo fato de não ter sido de forma determinante marcada pela cisão da emancipação política e, mais ainda do que territórios ainda administrados por outras potências européias, pelo fato de ser considerada parte da França como Departamento francês do Ultramar, pertencendo assim à União Européia: é „Europa“ fora da Europa.

Ela não tem estatuto de colonia já há muito, sendo os seus habitantes franceses. Diferentemente de Portugal com a elevação de antigas colonias a províncias ultramarinas - uma configuração política desaparecida com o movimento revolucionário português e com as independências dos antigos territórios extra-europeus -, a França conseguiu manter, sob novo signo, uma unidade nacional acima de limites geográficos.

Essa situação marcada pela integração política e administrativa na França traz sensíveis consequências culturais e de consciência de identidade. Ainda que haja iniciativas independentistas, o estatuto político, estabelecendo uma situação de igualdade de seus habitantes com os franceses do continente, apesar de todas as diferenças e esforços de valorização da língua e de expressões culturais creolas, leva a uma situação psicológica e intelectual distinta daquela de países que conheceram o marco político divisório da emancipação.

Essa situação condiciona também diferenças quanto a visões e valorações da história. Ela favorece também antes uma tendência político-cultural de integração e assimilação, no qual as próprias diferenças não passam a surgir como fatores de cisão, mas de uma diversidade na unidade francesa.

Neste sentido, também os desenvolvimentos questionáveis ou negativos do passado passam antes a ser uma problemática nacional francesa. Tem-se, assim, uma situação político-cultural nesse departamento do ultramar francês que difere daquela de países independentes da região e mesmo do Brasil.

Justamente essa diferença surge como favorável para os estudos relacionados com o Brasil por aguçar a percepção para posições, visões e interpretações de desenvolvimentos históricos e de expressões culturais francesas que também foram recebidas no país.

O monumento a Vélo (1931-1984) e o movimento Akiyo e o carnaval

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
No centro de Pointe à Pitre, em encruzillhada da importante via San John Perse, encontra-se uma estátua do percussionista  Marcel Lollia, vulgo Vélo, que não só representa a tradição dos tocadores de tambor ka ou gwoka de Guadeloupe - entre êles o seu mestre Carnot, François Mauleón.
Esse monumento - único no mundo nos seus significados - representa um preito de homenagem de seus discípulos e do movimento cultural Akiyo. Esse movimento cultural nasceu de um grupo de fins da década de 1970, em anos marcados por anseios de independência, unidos pelo entusiasmo da prática instrumental do gwo-ka e que procuraram deseuropeizar o carnaval.
A sua crítica dirigia-se ao carnaval de lantejoulas e cetim de Guadeloupe e de instrumentos de caixa de plástico que então se usava, procurando substituí-los por máscaras e instrumentos de madeira e couro tradicionais - o boula e o maké. A idéia era a de reintroduzir rítmos do gwo-ka que teriam sido originais na África.

Tratou-se, assim, de um movimento que se entendia ao mesmo tempo como renovador e restaurador a partir de interpretações reconstrutivas de cunho ideológico. A idéia é a de que os escravos viam no carnaval como ocasião de manifestação de crítica desrespeituosa para com os seus amos, esquecendo-se que esse sentido do carnaval, de antiga tradição, tinha sido êle mesmo assimilado pelos africanos e seus descendentes.

Combatendo uma estética carnavalesca de „cetim“, os seus membros procuravam chocar com máscaras. Com isso, porém, retornavam por outro lado a uma linguagem visual de antiga proveniência, conhecida de expressões européias.

A partir de um grupo de percussionistas  que saíram no carnaval de 1978, surgiu o impulso de criação de uma organização e de construção de tambores de madeira e couro. Estes foram aperfeiçoados na sua construção na década de 1980, determinando a configuração instrumental e a qualidade rítmica que se tornou característica.

Em 1984, constituiu-se um associação reconhecida oficialmente com a designação de movimento cultural. As suas tendências e expressões de crítica social e política, do colonialismo e da opressão, percebidas como revolucionárias pelas autoridades e contradizentes com a política de assimilação da França, levou à prisão de alguns de seus elementos. Em 1985, o prefeito local procurou interditar essa prática por nela ver um perigo para a integridade do Estado francês. Na realidade, porém, o movimento se compreende como ultrapassador na sua mensagem dos limites de Guadeloupe.

Trata-se, assim, da recuperação do antigo sentido do carnaval como ocasião de festejo da inversão de situações de poder, de crítica de portentosos, de uma nova edição de antigos conteúdos de folguedos. Apesar das suposições de recuperação de origens africanas, trata-se de uma restauração de sentidos seculares do ciclo do ano que culmina no carnaval e que possue como idéia condutora a deposição de portentosos do trono. (Veja)


Atualidade Guadeloupe/Brasil: exposição Transe e Dança

Em 2017, o Brasil esteve representado no Museu Saint-John Perse através de uma exposição fotográfica de Daniel Dabriou e do brasileiro Guy Veloso. O evento, levado a efeito de 11 a 28 de fevereiro, foi realizado pela cidade de Pointe-à-Pitre e pela associação Kaera.

Esta última entidade tem entre os seus objetivos oferecer ocasiões para a participação de jovens criadores nos seus eventos, uma vez que serão êles os artistas e pensadores do futuro. Dentro desse escopo, o fotógrafo Daniel Dabriou, de Guadeloupe, acolheu na exposição o brasileiro Guy Veloso, uma vez que com êle compartilha o interesse pela temática do transe nas suas relações com a dança.

Enquanto Dabriou apresentou fotografias do carnaval de Guadeloupe, Veloso ofereceu fotos do candomblé da Bahia. Essa colaboração evidencia o significado de imagens na consideração de práticas tradicionais, tanto lúdicas como de cultos, aproximando-as através de uma perspectiva marcada pelo conceito de transe.

Este interesse dos fotógrafos manifesta a vigência de correntes estéticas, literárias e etnológicas e do pensamento francês no seu fascínio de mais de século pela arte e expressões culturais africanas e pelo seu interesse pela mística nas suas aproximações e interpretações, assim como a ampla recepção no Brasil e na qual antropólogos franceses e seus estudos desempenharam importante papel.

Não só as dimensões positivas dessa influência francesa na valorização do patrimônio cultural, mas também as negativas devido aos problemas que causaram para o desenvolvimento científico foram constatados há muito e veem constituindo há décadas objeto de críticas e correções.

Esses problemas derivam não só de deficiências de conhecimento da linguagem visual de expressões do ciclo do ano europeu transplantadas para o hemisfério sul como também de deficiências científico-religiosas e a história cultural das religiões quanto a conhecimentos da mística, da teologia, da hermenêutica do passado, de processos cristianizadores e de métodos missionários.

Essas deficiências levaram e levam a interpretações inadequadas e mesmo errôneas sob diferentes aspectos, tendo sido objeto de análises e revisões por parte de especialistas em ciências da religião, de teologia e de missiologia cultural sobretudo no âmbito dos trabalhos etnomusicológicos dirigidos pelo editor no Institut für hymnologische und musikethnologische Studien de 1977 a 2002.

A principal razão desses problemas científicos reside no fato de que, embora sendo considerados como científicos, remontam antes a aproximações literárias e estéticas, a percepções e reflexões artísticas, a visões poéticas da vida que marcaram a vida cultural e intelectual de certos círculos de prestígio e influência da sociedade francesa da passagem do século XIX ao XX e, em particular, do período de entre-guerras.

O estudo desses contextos e das tendências do pensamento e da criação nas suas inscrições em processos sociais na França nos anos que antecederam e sucederam a Primeira Guerra tornam-se assim necessários, também para a análise de suas extensões e continuidades.

É neste sentido que se revela sobretudo a relevância para os estudos relacionados com o Brasil de Saint-John Perse, um intelectual e poeta nascido em Guadeloupe que conviveu com intelectuais, artistas e compositores que marcaram a história cultural da França e, entrando cedo na carreira diplomática, com personalidades e meios sociais privilegiados e de influência quanto a tendências de pensamento e da criação artística.


De estudos euro-brasileiros no Caribe em 2017
Antonio Alexandre Bispo

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Guadeloupe & Brasil. Da recuperação do sentido social-crítico do carnaval nos seus fundamentos culturais em substituição ao carnaval de „cetim“: tambores e as relações entre transe e dança“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 171/13(2018:1).http://revista.brasil-europa.eu/171/Guadeloupe-Brasil_Carnaval.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne




 

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