Mémorial ACTe em Guadeloupe e Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 171

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 171/15 (2018:1)



Mémorial ACTe em Guadeloupe e Brasil
Centro Caribenho de Expressões e Memória do Comércio de Escravos e da Escravidão
no seu significado, arquitetura e problemática teórico-cultural



 
Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

O ano de 2017 foi encerrado nos trabalhos euro-brasileiros voltados a estudos de processos culturais em relações internacionais com uma viagem ao Caribe e à América Central. Um dos principais momentos da programação foi a visita do Mémorial ACTe - o Centro Caribenho de Expressões e Memória do Trato de Escravos e da Escravidão com a Morne de la Mémoire em Pointe-à-Pitre, capital de Guadeloupe. 

Essa edifício-monumento, inaugurado em 10 de maio de 2015, é de significado sob diferentes aspectos. É a obra arquitetônica de maior relêvo dessa cidade e região, já agora representando um marco de Guadeloupe. É, pelas suas dimensões, umd dos mais monumentais centros culturais do Caribe.

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE


Assim como edifícios emblemáticos que vem sendo construídos nas últimos tempos em várias cidades do globo - em geral museus e óperas ou auditórios - o memorial determina a fisionomia de Pointe-à-Pitre para aqueles que a ela chegam do mar. O memorial foi  levantado no local da antiga indústria açucareira Darboussier. Trata-se de uma grande área, com diferentes espaços para exposições, workshops, além de um auditório.

Pelo seu escopo, tratando de um problemática que diz respeito a todas as Américas, faz com que Guadeloupe passe a adquirir uma relevância que transcende de muito as suas dimensões territoriais e contextuais.

Com essa obra, Guadeloupe não pode mais deixar de ser considerada nos estudos culturais relativos aos países do continente. Sendo Guadeloupe um Departamento francês, parte integrante da França, e portanto da Europa, o edifício-monumento torna-se obra arquitetônica e centro memorial único nas suas dimensões e temática da própria Europa, ainda que nas dela longínquas Índias Ocidentais.

Significativamente, a sua inauguração, por François Hollande, Presidente da França, contou com a presença de autoridades de todo o mundo. A sua inauguração deu-se no dia nacional francês de memória do tráfico de escravos e sua abolição em Guadeloupe.

O seu objetivo é não apenas o de servir de memorial, mas também dee centro de estudos da história da escravidão e de direitos humanos, uma vez que a problemátida do trabalho escravo continua a ser atual em várias regiões do mundo. Ao mesmo tempo, pretende tornar-se um forum de arte contemporânea do Caribe.

A abertura do programa de atividades e suas primeiras exposicões coincidiram com o primeiro Caribbean Image Festival, um evento que pretende realizar-se anualmente durante vários meses do ano, com exposições, imagens e filmes. Esses passaram a ser orientados pelo museólogo François Confino.

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Arquitetura e concepções culturais: estrutura construtiva e processos históricos

O MémorialACTe é um exemplo da necessidade de condução de estudos de orientação cultural de arquitetura sob diferentes aspectos. É êle próprio uma concretização de concepções e imagens, de interpretações da história e de visões, de convicções e posicionamentos assim como de contextos e processos político-culturais.

O projeto remonta a proposta do Comité International des Peuples Noirs (CIPN), devendo decisivo apoio a Victorin Lurel, destacado representante da esquerda política como membro do Partido Socialista, Presidente do Conselho Regional de Guadeloupe (2004-2012; 2014).

O CIPN, fundado em Guadeloupe por Luc Reinette em 1992, tem como escopo promover o reconhecimentode que o tráfico de escravos, que desumanizou e sacrificou milhares de africanos, representa um crime contra a Humanidade.

O CIPN defendeu a reabilitação do homem negro na sua dignidade quando da luta contra o Apartheid e continua a lutar contra o racismo e todas as formas de discriminação. Um de seus objetivos é o da reparação moral e material dos povos negros da África e da América. Procura apoiar as vítimas de discriminação e genocídio, mais particularmente pessoas de ascendência africana. desenvolver a solidariedade entre povos negros e promover a sua cultura no mundo, desenvolvendo a idéia de criação de espaços. Empenha-se na conservação da memória dos deportados assim como do patrimônio natural, histórico e cultural. Os seus objetivos possuem dimensões globais de reparação.

Em 1998, a entidade lançou a idéia da criação do Mémorial ACTe como centro caribenho de expressões e de memória do tráfico e da escravidão com o sentido de criar um local de lembrança da história e de uma memória aberta ao mundo presente.

A proposta salientu as dimensões supra-regionais da problemática: a história da escravidão pertence a Guadeloupe e aos habitantes do Caribe, mas também diz respeito a toda a Humanidade. O memorial procura aglutinar populações com um passado comum, encorajando a reflexões sobre a noção de liberdade.

O centro vinculou-se com o projeto Slave Route Project da UNESCO, uma iniciativa global já de mais de duas décadas e que promove a reaproximação de povos divididos pelo tráfico.

Em concurso internacional realizado em 2007 para a escolha do projeto e sua construção, o vencedor foi a Guadeloupian agency, Atelier Architecture B-.M.C. (Berthelot/Mocja-Celestine).

O projeto caracteriza-se por complexos construtivos de elementos de metais entrelaçados, uma referência clara aos elos da escravidão com as interrelações raciais e a história dos escravos. A imagem não só das rotas do tráfico, como também as suas relações com as rotas do comércio - constituindo uma triangulação entre América-Europa, Europa-África e África-América - revela-se com base de uma concepção construtiva baseada em estruturas e interações entre traves metálicas.

Uma ponte leva a um auditório aberto, do qual tem-se uma visão global de todo o conjunto construído. Nesse anfiteatro, encontra-se uma mesa explicativa em meio-círculo, na qual, representam-se os vários portos de saída e chegada de escravos. Também o Brasil encontra-se ali representado através de Salvador da Bahia.

Guadeloupe. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
A Morne de la Mémoire - e a „força mecânica do comércio triangular“

A Morne de la Mémoire, levantada sobre o Morne Portal, foi projetada por Jean Moisa e construída por Alain e Jean-Marc Brunel. Ela é constituída por cinco grandes livros de mármore com 1480 nomes daqueles que foram tirados da sua tierra pela „força mecânica do comércio triangular“.

Procurou-se, para além da nobreza do material, erigir-se um monumento que inspira solenidade grave de lápides e de cortes de continuidade genealógica. Procura ser um local que também evoca o repouso de almas, a paz e à reconciliação. Nesse espaço memorial plantou-se um baobab por ocasião da sua inauguração em 2013.

Questionamentos - a problemática do Memorial
Nas reflexões encetadas na visita ao Memorial, embora a sua importância e as suas intenções fossem reconhecidas, salientadas e admiradas, levantaram-se questões de natureza teórico-cultural. A visão da tragédia do tráfico e do comércio de escravos é deficiente sob o ponto de vista histórico-científico.

Os complexos processos históricos na própria África desde os primeiros contatos com europeus na época dos Descobrimentos - assim como situações anteriores  - não são suficientemente considerados.

A dinâmica das guerras internas na sua complexidade através de séculos e o papel por elas desempenhado na obtenção de escravos para o comércio não é tratada com a necessária atenção.

Assim, tanto agressores como agredidos, tanto escravizadores como escravizados são tratados de forma indiferenciada, o que leva a deturpações históricas, para além de injustas conclusões.

Com essa deficiência científica, o projeto surge antes como resultado de interpretações de desenvolvimentos de cunho literário, que deveriam ser analisadas como recepção de correntes do pensamento francês, tão intensa em Guadeloupe.

O escopo de mais amplas dimensões relativas ao trabalho escravo, aos Direitos Humanos e à liberdade em geral deveria partir, na esfera das Américas, em primeiro lugar dos indígenas. Foram êles que de início, na sua própria terra, mesmo após terem bem recebido os europeus, foram obrigados ao trabalho escravo, expoliados, expulsos e em alguns casos massacrados e exterminados. Foi a insuficiência e por fim a ausência da mão de obra indígena causa principal da intensificação de processos da escravidão africana. (Veja)

Um Memorial de tal amplitude como aquele de Guadeloupe devia partir da tragédia dos povos indígenas do continente e, a partir dela, em consequência processual, englobar aquela dos africanos que, como o projeto justamente salienta, representa uma das mais terríveis sombras na história do Homem dos últimos séculos, de consequências até o presente.

De estudos euro-brasileiros no Caribe em 2017
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Mémorial ACTe em Guadeloupe e Brasil. Centro Caribenho de Expressões e Memória do Comércio de Escravos e da Escravidão no seu significado, arquitetura e problemática teórico-cultural“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 171/15(2018:1).http://revista.brasil-europa.eu/171/Memorial_ACTe_em_Guadeloupe_e_Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
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