Casa Grande e Senzala - Brasil e Jamaica
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 170

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.
 


N° 171/17 (2018:1)




„Casa Grande e Senzala“ em paralelos Brasil-Jamaica
linguagem visual de natureza simbólico-antropológica da „cidade“ terrena do ciclo de Natal
e a narrativa histórica na tradição da balada
Rose Hall Great House em Montego Bay - a casa da „bruxa branca“

Pelos 30 anos da morte de Gilberto Freyre (1900-1987)

 
Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
No âmbito dos estudos euro-brasileiros realizados no Caribe, em fins de 2017, visitou-se a Rose Hall Great House em Montego Bay, Jamaica, um dos principais monumentos do patrimônio arquitetônico e histórico-cultural do país e mesmo da esfera caribenha em geral.

Por motivo da passagem dos 30 anos de morte de Gilberto Freyre em 2017, pareceu oportuno retomar reflexões relativas à arquitetura de orientação cultural que veem sendo encetadas através de décadas.

No período do Advento, Natal e Reis marcado que é por folguedos tradicionais na Europa e na América por uma linguagem visual na qual se representa o grotesco de homens terrenos e do estado do mal gerado pelo amor a si própio em contraposição à cidade do amor ao próximo e a Deus, com imagens monstruosas e bruxas, a consideração do Natal na Rose Hall, a casa da „bruxa“ branca prometeu abrir novas perspectivas para análises da atualização desse edifício de concepções em diferentes contextos.

Casas Grandes de plantadores de cana no Caribe: a Rose Hall Great House em Jamaica 

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Na consciência de que a história da arquitetura dessas casas grandes de plantadores deve ser conduzida em contextos internacionais, pois se inserem em desenvolvimentos agrícolas, econômicos e da história da colonização e do trabalho que ultrapassam fronteiras, realizaram-se em diversas ocasiões estudos em diferentes países e regiões, relacionando-os com o Brasil.

Um deles foi o de casas grandes em ilhas marcadas por plantações de cana do Pacífico. (Veja)

Nas Américas, não se pode deixar de considerar a esfera insular do Caribe, uma vez que a sua história foi profundamente marcada pelas plantações de cana e de produção de açúcar e derivados, determinando em muitos casos a imagem e a identidade cultural até o presente. A mais conhecida das casas grandes da época do apogeu da economia canavieira do Caribe é a Rose Hall Great House em Jamaica.

A Rose Hall Great House foi construída em 1770, centro de uma propriedade de mais de 650 hectares utilizados para plantação de cana e como pastos.

Levantando-se no alto de uma colina, oferece ampla vista do mar. É construída sobre uma grande plataforma de pedras, o que dá origem a amplos espaços na sua parte inferior. Sendo a entrada na casa pela parte traseira, aquele que nela entrava defrontava-se com alta escada de maneira nobre que leva aos andares superiores.

É desse espaço que se atingia o grande salão que se abria ao vasto terraço do qual se avista o mar e do qual pode-se descer aos jardins através de duas grandes escadarias.

O atual visitante adquire outra percepção dos espaços, uma vez que a entrada hoje se dá por essas escadas e pelo salão principal, fazendo da parte da residência voltada ao mar a sua fachada.

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
Sob o ponto de vista estilístico, adquire significado como extensão da arquitetura georgiana no Caribe. A casa grande demonstra os grandes capitais nela investidos pelo seu proprietário, o plantador inglês John Palmer. Mais tarde, a propriedade foi adquirida pelo seu bisneto John Rose Palmer, sendo designada como Palmyra.

Conta-se que ns 2640 hectares ds plantações de cana de Palmyra chegaram a trabalhar mais de 2000 escravos.

Em exposição de objetos vários no piso inferior ou calabouço da casa, a atenção é dirigida sobretudo à escravidão e à vida dos escravos que ali trabalhavam. Não apenas esses objetos de diferentes origens, mas também sob o aspecto imaterial é a história da vida dos escravos que domina a residência e a tornou centro de interesse turístico-cultural visitado por classes escolares e turistas.

Pressupostos: desenvolvimento dos estudos respectivos relacionados com o Brasil

Na História da Arquitetura no Brasil, as casas grandes senhoriais - as de engenho assim como também as posteriores casas grandes de fazendas de café - sempre despertaram particular atenção, tendo sido objetos de estudos e iniciativas de conservação, revalorização e restauração, uma vez que constituem importantes elementos do patrimônio histórico e arquitetônico do país.

Em fins da década de 1960, foram visitadas e estudadas várias dessas grandes casas em diferentes regiões por iniciativa de arquitetos e estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em cooperação com o movimento de renovação dos estudos culturais  que passavam a ser voltados a processos.

Constatava-se que em cursos de História da Arquitetura Religiosa no Brasil, não só perspectivas interdisciplinares tornavam-se necessárias devido aos elos entre arquitetura, artes em geral e música, como também dos sentidos inerentes da linguagem estética, seus fundamentos teológicos, suas relações com a história, tradições e procedimentos das diferentes ordens, assim como com desenvolvimentos da prática missionária e pastoral.

Também na arquitetura „profana“ tornava-se necessário considerar com atenção e em aproximações interdisciplinares dimensões culturais da linguagem visual. Ainda mais: o intento de renovação de perspectivas através de um direcionamento da atenção a processos tornava transpassáveis limites entre esferas do sacro e do profano, assim como de correspondentes áreas de estudos.

A consideração de construções de grandes propriedades rurais favorecia aproximações próprias de áreas de estudos voltadas à vida do quotidiano, tais como aquelas de estudos culturais empíricos como do Folclore, que, embora primordialmente voltado ao presente, passava a ter seus conceitos e procedimentos projetados na análise do passado.

Os intentos de estudos arquitetônicos de orientação segundo processos culturais relacionou-se assim estreitamente com  questões que então se levantavam na redefinição renovadora dessa área. Essas preocupações e iniciativas correspondiam - apesar das diferenças - àquelas de sociólogos e antropólogos culturais. Entre as obras fundamentais e condutoras de discussões e reflexões encontravam-se aquelas de Gilberto Freyre (1900-1987), em particular „Casa Grande e Senzala“.

A Rose Hall Great House sob o aspecto dos Cultural Studies

Rose Hall/Jamaica. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright ABE
A Rose Hall Great House é não apenas o mais conhecido monumento do patrimônio arquitetônico da Jamaica como também conhecida no país e fora dele através da literatura, de filmes e de produções mediais várias.

Com ela relacionando-se estórias transmitidas em tradições orais e derivadas da fantasia de escritores e outros produtores culturais, adquire relevante interesse para os Estudos Culturais do presente.

A análise de imagens criadas e interpretações, que revelam complexas relações entre fatos e produtos da imaginação, trazem à tona problemas e mecanismos de construção histórica a serviço de processos identitários que aguçam a sensibilidade para a percepção de possíveis fenômenos similares em outros contextos.

Criou-se e transmite-se todo um conjunto de estórias impressionantes que utilizam-se de fatos históricos para a construção de um conjunto de narrativas e encenações.

Núcleo dessas narrativas histórico-literárias é a a figura de Annie Palmer. Essa narrativa baseia-se em parte em tradição oral e musical, em parte em elaborações literárias, sendo que a sua existência não pode ser comprovada historicamente. Benjamin Radford demonstrou, em livro de 2007, a pouca veracidade histórica das narrativas. Essas, pelo que tudo indica, remontam a um romance do jamaicano Herbert George de Lisser (1878-1944), de título The White Witch of Rosehall, de 1929.

Segundo a estória sempre contada e que se transforma em motivo condutor da encenação histórica da casa reconstruída, Annie Palmer nasceu na Inglaterra, sendo o seu pai irlandês e a mãe inglesa.

Trazida para o Haiti, ali passou grande parte de sua vida. Morrendo os seus pais com febre-amarela, Annie Palmer foi criada por uma aia de origem africana, uma „mãe preta“. Através dessa formação, Annie Palmer teria sido marcada por práticas de Voodoo.

Nela ter-se-iam assim interagido tradições mágico-religiosas de diferentes proveniências, o que a transformou numa espécie de bruxa do Novo Mundo. Transferindo-se para a Jamaica, conheceu John Palmer, o proprietário das plantações do Rose Hall. Para tomar conta de suas propriedades, assassinou-o. A seguir, casou-se com dois outros homens de posses, também assassinando-os. Também teria matado dois escravos que lhe serviam como amantes e assassinado um escravo de nome Takoo.

Uma narrativa de cunho musical na tradição das baladas inglesas

Esses assassínios são lembrados pelos guias que mostram aos visitantes os diferentes aposentos da casa, mobiliados de forma fantasiosa com o emprêgo de móveis e objetos de diferentes proveniências. Assim, o quarto de Annie Palmer foi decorado utilizando-se sobretudo da cor vermelha para salientar o sangue que ali teria corrido (!).

A casa surge como mal assombrada, dizendo-se que nela vive o espírito de Annie Palmer. Como registrado no museu, também visitantes contam visões misteriosas como aquela de 1989 que fala de uma efígie de mulher em espelho.

O seu suposto túmulo situa-se nas proximidades da residência, e ali se entoa a balada que fala da estória de Annie Palmer.

Ao ouví-lo o visitante toma consciência de que toda a construção narrativa que dá sentido e atração à casa grande tem o cunho de uma balada, ou seja, insere-se na tradição desse gênero, de tão grande significado na tradição músico-cultural britânica.

Nessa invenção poética de romance cantado, comete-se provavelmente uma injustiça para com a pessoa histórica que teria sido possivelmente ponto de partida da figura de Annie Palmer. Houve, de fato, uma proprietária da casa de nome Rosa Palmer, uma mulher que, apesar de ter tido vários maridos, teria sido pessoa de virtudes.

Produto de reconstrução americana: história e narrativas - John Rollins (1916-2000)

Um importante aspecto a ser considerado é que a atual casa grande é produto de uma reconstrução. Um museu instalado nos seus espaços inferiores oferece documentos que mostrm o estado arruinado em que se encontrava e os trabalhos de sua reedificação e decoração interna.
A propriedade deixou de servir como moradia a partir de 1845 e caiu em abandono. Em 1977, o imóvel foi adquirido por Michele Rollins - ex-Miss USA - e seu esposo, o empreendedor John W. Rollins.

A vida de John Rollins é marcada pelo seu extraordinário sucesso em negócios diversificados, aluguel de caminhões, controle de epidemias e outros empreendimentos. e que dele fêz pessoa de grande fortuna e influência política. Na sua infância, com o adoecimento do seu pai, assumiu tarefas na fazenda da família.

Uma particular atenção merece o fato de ter, com o seu irmão, criado uma Broadcasting. Com a sua venda, em 1961, alcançaram granes capitais, permitindo a fundação da Orkin Exterminating Company, em 1964, uma empresa para o combate a insetos. A sociedade cresceu de tal forma que dela nasceram duas novas firmas, em 1984. Paralelamente, Rollins desempenhou papel político em Delaware e no Partido Republicano, chegando a ser eleito Vice-Governador.

Em fins da décaa de 1960, Rollins foi tomado por um fascínio pela Jamaica e adquiriu a plantação Rose Hall, dando início à restauração da sua casa grande.

A sua intenção era a de transformar a região no sentido de tornar-se um idílio paradisíaco para a sua família e para estrangeiros que procuravam uma residência da mais alta qualidade no mar do Caribe.

Essa visão teve continuidade por Michele Rollins e seus filhos. Ali foram construídos campos de golfe, resorts de alto gabarito, centros de convenção e grande shopping center. As casas grandes - Rose Hall e Cinnamon Hill Great Houses passaram a ser administradas, juntamente com o Cinnamon Hill e White Witch Golf Courses pela Rose Hall Developments Ltd..

Nos materiais expostos no museu, constata-se que Michele Rollins, personalidade de influência no Partido Republicano, é até mesmo designada como uma“rainha não-oficial da Jamaica“.


De estudos euro-brasileiros no Caribe em 2017
Antonio Alexandre Bispo

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „‘Casa Grande e Senzala‘ em paralelos Brasil-Jamaica. Linguagem visual de natureza simbólico-antropológica da „cidade“ terrena do ciclo de Natal e a narrativa histórica na tradição da balada.
Rose Hall Great House em Montego Bay - a casa da ‚bruxa branca‘“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 171/17(2018:1).http://revista.brasil-europa.eu/171/Rose_Hall_Great_House.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne




 

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