Ciência, filosofia e estudos catedralícios
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 172

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Catedral de Cartagena de Indias. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Catedral de Cartagena de Indias. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

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Catedral de Cartagena de Indias. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 172/5 (2018:2)




Concepções de ciência e filosofia inerentes à linguagem de imagens
e autoridade de cátedra em processos culturais
Santa Catarina de Alexandria nos estudos catedralícios em dois contextos
Goa e Cartagena de Indias










Catedral de Santa Catarina de Alexandria de Cartagena. Estudos na Universidade de Eichstätt

 

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Nas reflexões referentes à uma Ciência da Cultura tem sido tematizadas em diferentes ocasiões não só de forma abstrata, teórica ou filosófica questões de conceituação de ciência e cultura, assim como de suas relações e mudanças no decorrer do tempo, como também a necessidade de análise de correspondentes concepções, tanto explícitas na história do pensamento, na literatura e na orientação de instituições, como implícitas na linguagem não-verbal de diferentes formas de expressão e representação.

Neste intento, revelou-se como de particular significado considerar com atenção imagens que representam exemplaridades humanas da tradição hagiográfica nas suas relações com concepções de ciência e cultura, uma vez que foram por séculos objeto de culto, orientaram ações e marcaram o ethos de cidades e regiões.

Essa atenção impõe-se sobretudo no estudo de processos desencadeados pela expansão européia à época dos Descobrimentos, estreitamente relacionada com a expansão do Cristianismo ocidental. Do repertório hagiográfico, merece ser considerada nesse contexto sobretudo Sta. Catarina de Alexandria pelo papel desempenhado pelo seu culto em várias regiões extra-européias marcadas pelos europeus nos séculos XVI e XVII.

Catedral de Cartagena de Indias. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright
Na Europa, salientam-se aqui as reflexões encetadas na Universidade de Eichstätt, que a tem como padroeira, no âmbito dos trabalhos da seção de Etnomusicologia do instituto da organização pontifícia de música sacra dirigida pelo editor de 1977 a 2002.

Dos trabalhos levados a efeito em regiões extra-européias, merece ser retomado em outros contextos, as reflexões encetadas em Goa quanto a seu significado na expansão portuguesa. (Veja)

Considerada como uma das três virgens no conjunto dos 14 santos invocados em situações de necessidade, o seu culto foi amplamente difundido na Europa, contando com vários centros de veneração e irradiação. Nessa tríade, o seu culto deve ser considerado nas suas relações com outras virgens - Dorotéia e Margarida -, mas, também, com Sta. Bárbara - as quatro „virgens capitais“.

Essas relações marcaram festas do calendário e respectivas tradições, devendo ser analisadas nos seus elos com o ano (do hemisfério norte) e com suas implicações filosófico-naturais, no caso de Sta. Catarina, comemorada no dia 25 de novembro, em particular com esse mês e suas correspondências, com o fogo que vivifica as trevas dessa parte mais escura e fria do ano.

Abrem-se assim caminhos para o estudo de processos cristianizadores no sentido anti-tipológico de correspondentes vultos femininos do Velho Testamento e de personificações mitológicas da Antiguidade, o que auxilia a elucidação de sentidos do culto de imagens de exemplaridade cristã que, das quais, como no caso de Sta. Catarina, pouca segurança documental há relativamente à sua existência histórica.

O significado da consideração de Sta. Catarina sob a perspectiva dos estudos científico-culturais deriva da narrativa hagiográfica que justifica o fato de ser considerada como protetora de cientistas, filósofos, eruditos em geral, professores, estudantes, advogados e outras profissões relacionadas com o conhecimento e o saber, assim como padroeira de universidades, institutos, bibliotecas, de escolas e, entre outros, de colégios de jesuítas.

Essa função de Sta. Catarina explica-se pela narrativa de sua vida, segundo a qual teria conseguido converter filósofos e eruditos da antiga cultura através de sua douta e compreensiva argumentação. A sua imagem é assim marcada pela confrontação entre a ciência e a filosofia da Antiguidade e aquelas do Cristianismo, entre conhecimentos obtidos a partir do mundo observável pelos sentidos e aqueles guiados pela Sabedoria divina ou pelo Logos. Essa ciência de Catarina provinha da formação em recolhimento que obtivera de um eremita e que levara à sua conversão.

Há, porém, um outro complexo de sentidos que surge como singular numa primeira aproximação que vem merecendo ser considerado com atenção: o fato de Sta. Catarina ser considerada como protetora de moças e esposas, de profissões domésticas e artesanais. Essas relações entre a a vida ativa, em particular feminina do trabalho doméstico, correspondendo àquela atribuída a Marta, estabelecem vínculos entre a atividade desenvolvida no espaço interno de uma casa, a filosofia e a ciência, assim como as suas irradiações.

Esse complexo de sentidos permite aproximações ao conceito de sedis e cátedra, e assim de catedral com sede episcopal, onde a autoridade eclesiástica pronuncia ensinamentos e dá orientações. Essas relações manifestam-se sobretudo nas sés que invocam explicitamente Sta. Catarina como a Sé de Goa. (Veja) e, nas Américas, a catedral de Cartagena de Indias.

Significado das catedrais para os estudos de arquitetura de orientação cultural

As catedrais do Novo Mundo merecem necessariamente particular atenção nos estudos de história da arquitetura e das artes em relações internacionais. Como igrejas-mãe de bispados - sedes da respectiva cátedra episcopal - constituem as principais igrejas de dioceses e assim da ordenação eclesiástica de países e regiões.

O seu significado ultrapassa assim de muito aquele histórico-arquitetônico e artístico no seu sentido mais estrito ou convencional. Deve ser reconhecido a partir de suas inscrições em processos históricos, uma perspectiva que permite a consideração de elos e transformações na organização político-eclesial, de seus pressupostos, contextualização e consequências.

Nem sempre são as catedrais as igrejas mais magnificentes, sendo neste sentido suplantadas em vários casos por aquelas de ordens religiosas para a atração e conquista de mente e ânimos com fins missionários, assim como de irmandades.

O estudo das catedrais exige, ainda mais do que em outros casos, uma primordial orientação segundo processos. Justamente por serem principais igrejas de dioceses, alvo da maior influência e apoio da autoridade eclesiástica e refletindo tendências, preceitos e normas da legislação eclesial no sentido modelar ou de exemplaridade para outras igrejas, passaram em muitos casos por reformas, remodelações, demolições e reconstruções que modificaram e transformaram a sua arquitetura e a sua configuração artística.

Em várias sedes de dioceses - como em São Paulo - antigas igrejas coloniais deram lugar a monumentais catedrais neo-góticas no contexto dos intentos e preceitos reformadores-restauradores do século XIX e início do XX.

Devido a essas inserções em processos globais referenciados segundo Roma, a consideração das catedrais ultrapassa delimitações nacionais e mesmo de contextos determinados pelas antigas potências coloniais. Nesse sentido, é em particular nas catedrais que se revela o significado de uma visão ampla, pan- ou interamericana da história da arquitetura no Novo Mundo.

Catedrais da esfera do Caribe e do continente americano - Cartagena das Índias


Nos estudos euro-brasileiros levados a efeito nas ilhas e nos países continentais da esfera do Caribe em 2017, várias catedrais e co-catedrais foram consideradas. Essas visitas deram prosseguimento a outras precedentes, dando continuidade a reflexões que, entre outros casos, foram encetadas na catedral de Havana em diferentes ocasiões.

Ponto de partida dos estudos catedralícios americanos é a catedral de Santo Domingo, antiga Hispaniola, primaz das Américas e que, pela sua história e características arquitetônicas e artísticas é monumento de extraordinário significado para todo o continente. (Veja) Outras catedrais, como a da Costa Rica e a do Panamá são antes exemplos da vontade remodeladora e reconstrutura de épocas mais recentes.

Ao lado da catedral de Santo Domingo, é a de Cartagena das Índias aquela que merece maior atenção. Em 1995 foi declarada Monumento Nacional da Colombia.

Também aqui o observador confronta-se com a dificuldade de leitura adequada do edifício e percepção do seu significado.

Despojada em grande parte de ornamentações e de remodelações dos séculos XIX e XX, a catedral apresenta-se hoje na sóbria simplicidade que teria marcado o seu projeto original. Este, de um mestre-construtor de nome Simón González, representou a recepção de correntes teológico-arquitetônicas do período da reforma católica, refletindo exemplos do estilo Herreriano conhecidos da Espanha continental e das Canárias da época de Felipe II.

Foi iniciada em 1577, substituindo outras, de construção precária, encontrando muitas dificuldades para ser completada, entre elas com o ataque de corsários em 1586, sendo terminada apenas em 1612.


Centro e referencial do espaço interno é o altar-mór, obra de Luís Ortiz de Vargas (*ca. 1590), um artista plástico e arquiteto de Sevilla, época de grande florescimento da arte da talha. Transferindo-se a Lima, ali viveu de 1619 a 1627.

Problemas de apreciações resultantes de mudanças de concepções

Essa dificuldade é decorrente não só da sua história conturbada, cono também e sobretudo por remodelações posteriores, assim como de posteriores supressões e alterações dessas mesmas remodelações vistas como infelizes à luz de novas tendências teológicas e estéticas.

Há assim traços indicativos de diferentes fases da história e de desenvolvimentos de ideários e expressões que merecem ser vistos antes na potencialidade que oferecem para análises de processos do que na perspectiva negativa de uma falta de unidade no todo.

Um motivo de críticas é a torre que substituiu a anterior da época colonial, projetada pelo arquiteto francês Gastón Lelarge (1861-1934) no início do século XX, responsável também, entre outras obras locais, pela cúpula a igreja de S. Pedro Claver.

Lelarge, nascido em Rouen e falecido em Cartagena surge, com a sua formação em diversas artes e suas múltiplas atividades em vários países- entre êles Pérsia e Algéria - como arquiteto, músico, escritor, publicista, caricaturista, esgrimista, como uma das mais produtivas personalidades da história da arquitetura em contextos globais, tendo marcado com suas construções a fisionomia de Bogotá.

Tendo assistido a Charles Garnier (1985- 1898) na construção da Ópera de Paris, a sua obra deve ser considerada a partir do contexto de sua formação e das tendências estéticas e culturais do século da reconfiguração nobilitadora da capital da França.

Filho de um pintor, uma tendência pictórica poderia ser detectatada em obras como a da torre da catedral de Cartagena. Dependendo da perspectiva com que é percebida e avaliada, surge como um elemento valorizador de uma visão pitoresca, romantico-sentimental da urbe. Neste sentido, é expressão não só de ideários estéticos como também de um modo de ver e sentir a cidade do século marcado pelo interesse pela história.


A catedral como anúncio e afirmação de Sé após décadas de secularização

Essa obra de Lelarge não pode porém ser compreendida sem a consideração cd desenvolvimentos da Igreja na sua época. Foi expressão de intentos de intensificação missionária do século XIX, representado em Cartagena pelo Msgr. Eugenio Biffi (1829-1897), sacerdote de Milão, membro do Seminário para as missões daquela cidade e que, em 1856, segundo desejo de Pio XI, transferiu-se a Cartagena como Missionário Apostólico.

Também aqui tem-se uma personalidade cuja história de vida ultrapassa fronteiras, destacando-sobretudo pelas suas atuações no Oriente. Chamado da sua missão na Birmânia pelo Papa  para dirigir a sede diocesana de Cartagena, em 1882,  ali atuou como bispo, ocupando um papel relevante na história eclesiástica local. Como em outras partes das Américas, também em Cartagena tratava-se, entre outros aspectos, da superação da decadência em que se encontravam as igrejas e que não eram incentivo a novas vocações, necessárias pela falta de sacerdotes. Tratava-se assim de intuitos valorizadores, e neste sentido compreende-se a sua iniciativa de construção de representativo Palácio Episcopal.

O seu sucessor Pedro Adán Brioschi (†1943), bispo a partir de 1898, nascido no país, e cuja imagem histórica é marcada pela ambivalência de apreciações, promoveu a remodelação da catedral, agora nobilitada com a criação a Arquidiocese em 1900. Também aqui manifestou-se o intento de revalorizar a catedral através da afirmação de seus elos com a Santa Sé, o que teria se manifestado sobretudo na sua pintura interior, realizada pelo pintor venezuelano Miguel Ortiz e, criticada, foi posteriormente removida.

Incoerências: a autoridade de cátedra e os cantos comunitários hoje praticados

A crítica das intervenções que teriam desfigurado a arquitetura colonial surge como demasiadamente severa considerando-se outros aspectos configurativos do culto e com o qual a arquitetura estreitamente se relaciona, em particular com a música.

Como em quase todas as catedrais do continente, também em Cartagena registra-se uma prática de cantos comunitários de extrema simplicidade, não no sentido de nobre e singelo despojamento, mas antes de uma ausência de valores qualitativos. A tivialidade e banal sentimentalidade desses cantos tornam injustas e descabidas todas as críticas à falta de critérios estéticos das intervenções arquitetônicas do passado.

De ciclos de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Concepções de ciência e filosofia inerentes à linguagem de imagens e autoridade de cátedra em processos culturais. Santa Catarina de Alexandria nos estudos catedralícios em dois contextos
Goa e Cartagena de Indias“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 172/5 (2018:2).http://revista.brasil-europa.eu/172/Catedral_de_Santa_Catarina_de_Alexandria.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
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