Urbanismo e arquitetura: Puerto Limón
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 172

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Puerto Limon. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright


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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 172/16 (2018:2)




Urbanismo e arquitetura em cidades
desenvolvidas no contexto da economia de exportação agrícola
e da construção de ferrovias no século XIX
Reflexões euro-brasileiras em Puerto Limón, Costa Rica

 

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Os estudos de arquitetura de orientação cultural em relações internacionais, como vem sendo desenvolvidos no âmbito dos estudos euro-brasileiros a partir de impulsos originados na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em fins dos anos de 1960, dirigem a sua atenção também a cidades que, em diferentes países, à primeira vista, parecem não possuir maior interesse arquitetônico ou urbanístico.

Esse procedimento procura levar, através da consideração de desenvolvimentos urbanos e edificações diferentes contextos, a um aguçamento da leitura da realidade construída na organização de espaços e da sua vivência, de sentidos e de valores que possam contribuir à análise de situações e desenvolvimentos comparáveis no Brasil.

Reciprocamente, o conhecimento e o estudo de cidades e edificações no Brasil contribuem ao reconhecimento de similaridades em outros contextos e, correspondentemente, ao estudo de processos internacionais nos quais se inserem.

Correspondendo ao interesse não só pelas grandes obras na música e nas artes, mas antes a expressões musicais e artísticas de processos relacionados com a vida de trabalho e de esferas sociais menos privilegiadas nos Cultural Studies, também não só grandes obras merecem ser consideradas em análises do urbanismo e da arquitetura marcadas pela atenção dirigida a processos e processualidades.

Esse procedimento contribui à consideração mais atenta de cidades e edifícios que, à primeira vista, não mereceriam maior atenção. Esse é o caso sobretudo de cidades de fundação mais recente, nascidas no âmbito de desenvolvimentos decorrentes de expansões agrícolas, comerciais, de implantações de ferrovias e estradas a partir do século XIX.

Trata-se assim de uma perspectiva de particular significado para países que na América Latina que alcançaram a sua independência nesse século e que viram-se confrontados com a necessidade de recursos e consequente desenvolvimento de atividades agrícolas e comerciais.

Consideração de contextos de significado arquitetônico de menor evidência

Esse procedimento permite o reconhecimento de paralelos sob o aspecto do urbanismo e da arquitetura entre cidades de diferentes países com aquelas de determinadas regiões brasileiras.

Entre elas salientam-se cidades do litoral que no decorrer do século XIX passaram a ser ligadas por meio de estradas de ferro a regiões de produção agrícola no interior. Também poder-se-ia lembrar de cidades da Amazônia também marcadas no seu desenvolvimento por vias para o escoamento de seus produtos e vinda de trabalhadores de diferentes regiões, como Rio Branco no Acre ou Porto Velho, no antigo território do Guaporé, marcada que foi pela estrada Madeira-Mamoré.

Reciprocamente, o reconhecimento de fisionomias urbanas e edificadas conhecidas dessas regiões do Brasil em cidades de outros países e mesmo continentes contribui para a leitura dos processos em que essas se inserem e para o aguçamento da percepção para os seus valores.

Esse procedimento tem um significado valorizador de bens que contribui à memória, à consciência histórica, à identidade e à imagem dos respectivos habitantes, o que se revela sobretudo sob o aspecto da conservação patrimonial e da política cultural.

Construções que em muitos casos pouco mereceriam atenção e conservação em cidades de mais antigo passado, possuidoras edifícios representativos, de valor construtivo e artístico, surgem nesses contextos urbanos como objetos de valor históirico-cultural de alto significado.

Nesse sentido, a cidade de Puerto Limón na Costa Rica foi alvo de reflexões urbanológicas e de análise arquitetônica no âmbito dos trabalhos euro-brasileiros desenvolvidos no Caribe em 2017.

Reflexões a partir do exemplo de Puerto Limón, Costa Rica

Puerto Limon. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Ainda que a região tenha sido já alcançada em mais remoto passado, a fundação da cidade remonta a meados do século XIX como resultado de um intento determinado de criação de um porto na costa atlântica a serviço do desenvolvimento econômico do país.

A cidade nasceu no contexto dos esforços de facilitar o escoamento da produção cafeeira das regiões centrais do país através de melhoramento de caminhos e da construção de ferrovias em dois sentidos, tanto em direção ao Pacífico com ao Atlântico.

Nesses esforços, que exigiram investimentos de empreendeores estrangeiros, e que foram marcados por dificuldades e projetos não terminados, o da construção da estrada de ferro em direção ao Atlântico, à cidade portuária no Caribe ganhou em significado e pôde ser mais cedo concretizado.

Com isso, também a produção de bananas da região de Limón ganhou em significado com as possibilidades abertas para a sua exportação e que, a seguir, marcaria de forma determinante a economia e a vida da região.

A fundação de Puerto Limón foi um ato refletido, promovido oficialmente e realizado por um europeu de formação acadêmica, o alemão Philipp J.J. Valentini (1828-1899), ao mesmo tempo pesquisador e empreendedor, americanista e autor, conhecedor através de suas viagens de vários países da América Central e envolvido no cultivo do café em Costa Rica. (Veja)

O café, principal produto de exportação do país, tendo como principal consumidor a Inglaterra, foi também principal fator dos estreitos elos do país marcado no seu passado colonial pela cultura ibérica com a esfera britânica. Para a construção da ferrovia empregou-se mão-de-obra estrangeira, sobretudo de trabalhadores da Jamaica que deveriam apenas ali atuar temporarimente mas que, estabelecendo-se na cidade, levaram a que Puerto Limón tomasse características demográficas, étnicas e culturais que a diferenciam de outras do país.

Partindo do desenvolvimento urbano: urbanismo não é só arruamento

Uma primeira reflexão de natureza básica que se coloca a partir de Puerto Limón diz respeito à sua disposição urbana.

Esta é frequentemente considerada positivamente pelo fato de ter sido a primeira cidade da Costa Rica surgida de forma planejada, tendo sido traçada por um engenheiro com ruas amplas e em preciso reticulado.

São lembrados frequentemente dos nomes daqueles que atuaram em trabalhos de zoneamento e urbanização da região ao redor de 1870, entre êles o engenheiro Francisco Kurtze, autor de The Interoceanic Railroad Route Through the Republic of Costa Rica, publicado em Nova Iorque, em 1866.

O principal povoado conheceu um deslocamento de Moin para Limón devido às facilidades do porto. Essas aumentaram com a chegada de migrantes da Jamaica, em 1872, com a construção da ferrovia pela qual a exportação do café foi facilitada. Esse intento foi alcançado com o término da ferrovia e pose da Northern Railway Co., em 1890, e com o incremento da plantação de banana pela United Fruit Co. em 1899, inaugurando anos de desenvolvimento construtivo da cidade.

É porém justamente essa disposição geométrica que traz à consciência a problemática urbanística que nela se manifesta e que diz respeito a muitas cidades implantadas ou inseridas em processos desenvolvimentistas: a da implantação da rêde de ruas sem consideração da realidade topográfica e dos contornos naturais constituídos pela orla marítima, por rios, montes, rochas ou acidentes naturais.

Essa desconsideração do meio, que poderia ser a base de uma diferenciação caracterizadora da urbe, determina uma uniformização descaracterizadora de cidades e regiões em muitos países.

Essa problemática revela-se aqui como uma das mais graves em processos de ocupação de terras, de transformação do meio natural pelo homem e, no sentido mais amplo, de desenvolvimentos desconfigurativos e destruidores do planeta.

Trata-se de uma redução do urbanismo a arruamentos entregues a técnicos e a empresas loteadoras, sem a necessária consciência da fundamental importância da urbanística como ciência e arte, assim como de suas estreitas relações com o paisagismo.

Essa realidade implantada na disposição os espaços é dificilmente transformável e mesmo perene, trazendo consequências para a arquitetura e para a qualidade de vida de seus moradores.

A amplidão das ruas que se cortam em ângulos retos não é fato apenas a ser considerado positivamente, mas, para além do desperdício de terra e recursos, como fator de desvalorização da arquitetura dos seus edifícios e da atmosfera de vazio que marca muitas cidades de regiões pioneiras e traz implicações para a vida psíquica e mental de seus moradores.

Em desconsideração de fundamentos do paisagismo nas suas relações com o meio ambiente dado, reservam-se nessas disposições reticuladas um ou alguns quarteirões para praças. A natureza e a sua vivência pelos moradores é assim confinada na rêde implantada e não, ao contrário, esta desenvolvida em diálogo criativo com o meio. As construções alinhadas, desvalorizam-se mutuamente.

Edificações mais representativas e referenciais, que poderiam marcar a fisionomia urbana, como as igrejas em centros de cidades de mais longa história, passam a ocupar lotes em quarteirões, na melhor das hipóteses em terrenos de esquina.

A arquitetura, assim, é desvalorizada pela problemática mais fundamental da organização do espaço por um plano urbano que se reduz a arruamento em desconsideração do meio e de valores paisagísticos.

Edificações de maior significado, projetadas com intenções valorativas, assumem antes o caráter de obras plásticas, de esculturas dispostas no reticulado, desvalorizando-se assim o sentido da arquitetura na sua função de configuração de espaço como ciência e arte.

Arquitetura de cidades comerciais a partir de exemplos „vitoriano-caribenhos“

Correspondendo à época do seu desenvolvimento na segunda metade do século XIX e os elos com empresários ingleses, a cidade mantém ainda hoje construções históricas que são valorizadas como exemplos da adaptação da arquitetura da época vitoriana às condições climáticas da cidade portuária.

Essas construções distinguem-se, na sua simplicidade construtiva, ausência ou parcimônia de elementos decorativos, pelas suas estruturas e elementos de metal e particular atenção pragmática à solução de problemas de calor, humidade e mesmo de insetos colocados pelo meio ambiente através da grande altura de seus espaços, janelas e portas, de amplos corredores, de passagens cobertas ao rés-do-chão e varandas no andar superior.

Essa arquitetura „vitoriano-caribenha“, pode ser encontrada em outras cidades do Caribe, em particular naturalmente naquelas marcadas por elos coloniais com a Inglaterra. Ela merece ser considerada também nos seus exemplos em contextos determinados predominantemente por outros elos coloniais e com cidades de outros continentes que também experimentaram uma intensificação de desenvolvimentos em época de apogeu da presença britânica nos mares, no comércio, na indústria e na técnica, em particular na ferroviária.

Apesar de diferenças, pode-se assim registrar similaridades entre os exemplos dessa arquitetura no Caribe com aquela de grandes armazéns com moradias em andar superior de cidades portuárias marcadas pelo comércio, podendo-se lembrar Diego Suarez no Madagascar. (Veja)

Arquitetura representativa em época de florescimento econômico em diferentes contextos

Compreende-se, pelas próprias funções, recursos, vida e constituição populacional de cidades predominantemente laboriais e de comércio surgidas ou desenvolvidas em portos ou pontos estratégicos à época da implantação de ferrovias que nelas se registrem poucos exemplos de construções monumentais, representativas, com profusão ornamental e referências históricas na sua linguagem visual que tanto marcam a fisionomia das grandes metrópoles nobilitadas arquitetônicamente no século XIX.

A companhia United Fruit Co., em 1895, doou terras para a construção de um parque e que, inaugurado em 1905, ainda hoje constitui um dos atrativos da cidade. Com o apoio do govêrno, foram trazidas plantas de Cuba, Jamaica e Índia, sendo o parque projetado paisagisticamente por um francês proveniente de Matinica.

Em grande número de cidades de diferentes países - assim como em Limón, as construções que mais significado adquirem como sinais da vida musical e sócio-cultural de sua população são os coretos em jardins públicos, onde corporações musicais locais se apresentavam.

Em muitos casos, também em cidades brasileiras, a influência britânica levou à construção de artísticas estruturas de metal, substituídas por vezes posteriormente por construções de alvenaria cuja função festiva e recreativa era salientada pela ornamentação.

Este foi o caso do coreto no parque Morazan de Puerto Limón, onde a anterior estrutura metálica foi substituída em 1911, com referências na ornamentação ao estilo Art Nouveau de autoria de Cesar Rivaflecha, obra considerada hoje como bem patrimonial.

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Reflexões sobre a recepção do „art déco“ na América Latina e em outros continentes

Tem sido registrado já há muito e oferecido motivos para reflexões e estudos o singular fenômeno a presença de elementos do estilo art déco na arquitetura, ainda que modesta, de cidades dos mais diversos países.

Mesmo limitando-se em geral a fachadas de construções, formas e elementos decorativos marcam de forma surpreendentemente inigmática a fisionomia mesmo de cidades menores seja no Brasil, na África, na Austrália, Nova Zelândia e em muitas outros países e continentes. Bastaria aqui lembrar, no caso do Brasil, de algumas fachadas em Rio Branco, Acre.

Um dos fatores que merecem ser considerados no estudo dessa difusão tão ampla de impulsos estilísticos franceses e norte-americanos dos anos de 1920 e 1930 seria político-cultural e econômico em sequência da nova situação de relações internacionais decorrente do desfecho da Primeira Guerra.

É significativo que principais exemplos dessa recepção encontrem-se em cinemas que se tornaram em muitas cidades as principais casas de espetáculos. Hoje, com o fechamento de grande número desses cinemas, os seus espaços passaram a ser usados para outros fins, grandes lojas ou para igrejas de movimentos religiosos de origem norte-americana.

Uma dessas construções em Limón é a Casa da Cultura em prédio construído em 1938, levantado inicialmente para ser mercado de carne e, em 1939, usado como Departamento Sanitário. Transformado em restaurante na década de 1960, passou nos anos de 1980 a Teatro Popular e Casa da Cultura.

Paradoxos do neo-colonial: recepção do „estilo missionário“ californiano

Limón chama a atenção a um aspecto menos considerado, mas também singular da recepção de tendências estético-culturais na arquitetura de cidades de história mais recente: o do estilo missionário ou neo-colonial que é tão relacionado com a história e com a atividade construtiva da Califórnia.

A reconscientização do passado missionário hispânico nessa parte dos Estados Unidos, no passado pertencente ao México, levou ao desenvolvimento celebrativo de uma arquitetura de referências históricas a esse passado colonial ibérico não só na Califórnia como também em outras partes do mundo, podendo-se aqui lembrar, entre muitos outros exemplos, de Wellington, Nova Zelândia.

A recepção desses impulsos estilísticos resultantes de uma visão do passado hispânico de contextualização norte-americana em países latino-americanos que foram marcados pela ação colonial espanhola instiga reflexões relativas a perspectivas na visão do próprio passado.

Um dos mais significativos exemplos dessa recepção pode ser visto na torre e nas construções que restam da antiga catedral de Limón. Em placa comemorativa, lembra-se que o Engenheiro Rogelio Pardo Jochs realizou os seus trabalhos sem honorários em homenagem de Melquiades Pardo de Bless.

O nome de Rogelio Pardo Jochs traz à memória as atividades construtivas ali desenvolvidas juntamente com o empresário e construtor Cesar Rivaflecha Zavala e o engenheiro Guillermo Gargollo, assim como o arquiteto Jose Maria Barrantes Monge e Rafael Garcia na primeira metade do século XX.

Reflexões sobre edificações monumentais recentes a partir da catedral de Puerto Limón

Há um fenômeno que merece atenção nos estudos urbanos em contextos globais de cidades de fundação relativamente recente no exemplo de Puerto Limón: o da existência de construções representativas de tendências da arquitetura da segunda década do século XX.

O significado dessas edificações pode ser considerado sob a perspectiva de intentos de aumento de prestígio e de testemunho da posição alcançada que as coloca em posição de equiparação com outras cidades maiores e mesmo de relevância em contextos nacionais.

Esse novo significado é requerido através de projetos ambiciosos e audaciosos que, como golpes de força, colocam acentos e estabelecem novos referenciais no tecido urbano, modificando a sua imagem e demonstrando a inclusão da cidade em contexto interncional abrangente das mais atuais tendências e correntes.

Esse fenômeno pode ser estudado exemplarmente na nova catedral de Puerto Limón. A construção dessa igreja foi possibilitada pelo fato da antiga catedral ter sido danificada por terremoto em 1990. Demolida, dela foram conservadas a torre e algumas construções anexas, mantendo-se, também por desejo das autoridades eclesiásticas, a área a ser construída, impedindo que todo o terreno fosse utilizado nos novos planos. Nessa área, levantou-se uma igreja com 1600 metros quadrados de área e que comportam 600 pessoas nos seus bancos.


O projeto foi de principal responsabilidade de Raúl Goddard, arquiteto mexicano radicado na Costa Rica, cujas obras são consideradas como de importância na arquitetura contemporânea em meios universitários do país como aqueles da Universidad Internacional das Américas.

Com esse intuito diferenciador e inovativo, evitou-se uma planta basilical, com naves laterais separadas da principal por colunas com bases retangulares, criando-se um espaço único, uma sala ampla de grandes dimensões. Nela, a área do altar é mais integrada no espaço da comunidade, renunciando-se a uma elevação maior do piso e à sua divisão pela balustrada de antigas mesas de comunhão. Não se preveu também púlpitos elevados. No decorrer dos trabalhos de fundamentos, descobriu-se uma camada de coral que forneceram material para trabalhos de escultura realizados por Emilio Argüello.

A catedral foi consagrada em 2010 após seis anos de construção. Segundo palavras do arquiteto, o projeto procurou criar um templo que se diferenciasse das outras igrejas do país, como aquelas de mais longa história de San José ou Cartago, tornando-a inconfundível e única. Nesse sentido, tornou-se necessariamente alvo de atenção, em particular daqueles relativos à arquitetura e aos novos rumos construtivos do país.

Nas suas dimensões, proporções e massa, mas ao mesmo tempo no ímpeto sugerido pela sua forma, a construção em concreto aparente é reconhecida como obra exemplar do „brutalismo arquitetonico“ em Costa Rica.

A nova catedral coloca com a sua massa um pêso na estrutura urbana que ameaça afundar na insignificância todas as demais construções, que surgem agora como extremamente frágeis.

Concepções que fundamentam projetos como o da catedral de Puerto Limón

Essa leitura da arquitetura da catedral não considera, porém, que o seu projeto, pelo que tudo indica, partiu de concepções que se revelam sobretudo no seu espaço interno. Nele é que se constata que a nova posição que se requere no contexto nacional e mesmo internacional tem dimensões muito mais amplas.

Como o próprio arquiteto manifestou, o intento inovativo de se criar uma igreja que se diferenciasse das demais existentes fundamentou-se no propósito de vir ao encontro das reformas litúrgicas desencadeadas pelo Concílio Vaticano II.

Entre outros aspectos, o arquiteto procurou colocar a área do altar mais ao nível daquele da assembléia, salientando assim um novo papel do sacerdote e da comunidade. O direcionamento do altar ao povo - e não deste ao altar-mór segundo concepções de Oriente de antiga proveniência - impôs novas condições para a organização do espaço em correspondência ao novo papel concedido ao sacerdócio. Essa aproximação do sacerdote ao povo refletiu-se também na ausência de púlpitos elevados, prevendo-se apenas um ambo. Diferentemente das antigas igrejas do país, nela não se encontra série de confessionários e capelas laterais.


Se na sua leitura externa, a catedral se oferece na aparência „brutalista“ do concreto a sugestões sobre a sinceridade da realidade da matéria, aquele que nela penetra vivencia de forma surpreeendente um espaço que denota ter sido ponto de partida do processo construtivo e que foi  originado de concepções teológico-eclesiásticas.


Aquele que é imerso na atmosfera  possibilitada pela luz que atravessa os vitrais, vivencia uma experiência conhecida de de antigas igrejas românicas ou góticas que, por fora maciças construções de pedra, por dentro espaço escuro traspassado de luz, conotado por vezes de forma reconhecível com a sensação do homem no interior de florestas ou no bojo de naves.

Embora diferindo do impulso às alturas da verticalidade gótica com a sua cobertura que lembra tenda, a catedral revela, apesar de toda a sua modernidade, profundos elos com concepções de antiga proveniência, não sendo, assim, livre de orientação à história, embora procurando expressamente diferenciar-se de igrejas do passado criticadas pelo historismo de sua linguagem visual.

Com a percepção assim aguçada através da experiência de seu espaço interno, o externo da catedral revela-se como ligado à tradição e não realmente inovador, mas antes renovador. O observador percebe então a referências a elementos formais da arquitetura religiosa, tais como o grande nicho em arco sobre a abertura envidraçada acima de seu portal.

A catedral de Puerto Limón pode ser considerada como um exemplo de construções representativas de igrejas das últimas décadas em cidades que procuram demonstrar e afirmar uma posição de relêvo alcançada em cenários nacionais.

O pioneirismo que tanto marca a história de cidades que surgiram ou foram determinadas por desenvolvimentos do passado - agrícolas e comerciais de exportação, assim como ferroviários - revela-se como vigente em plano interno às suas aparências externas, no ímpeto de afirmação de fronte em desenvolvimentos que dizem respeito ao interior do homem e da sociedade.

As reflexões encetadas no impacto marcado por ambivalências na catedral de Puerto Limón trazem à tona a necessidade de considerações mais aprofundadas de mecanismos próprios de um condicionamento cultural na análise de desenvolvimentos urbanos do passado e do presente. Essa necessidade não diz apenas respeito ao contexto considerado no exemplo de Costa Rica.

É a análise de um sistema de concepções e imagens de antiga proveniência e de seus mecanismos que possibilitam atualizações em diferentes contextos que promete um distanciamente libertador de condicionamentos culturais que levam a permanências sob diferentes formas de expressão. Estes, apesar de todos os seus intentos de criação inovadora, repetem e atualizam desenvolvimentos do passado.  

 

De ciclos de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Urbanismo e arquitetura em cidades desenvolvidas no contexto da economia de exportação agrícola e da construção de ferrovias no século XIX. Reflexões euro-brasileiras em Puerto Limón, Costa Rica“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 172/16 (2018:2).http://revista.brasil-europa.eu/172/Puerto_Limon_Urbanismo_e_Arquitetura.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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