Caracol e Blyde River Canyon
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 173

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Título e coluna lateral: Blyde River Canyon, 2018. No texto: Canela, 2002 e Blyde River Canyon. Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 173/20 (2018:3)




Lembrando o Parque Estadual do Caracol na reserva natural do Blyde River Canyon
processos de expansão colonial em „segundas migrações“ a novas fronteiras
e a revelação de monumentos naturais no interior de terras: Brasil e África do Sul

 

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Caracol. Foto H. Huelskath 2002. Copyright

Caracol. Foto H. Huelskath 2002. Copyright
Nos estudos euro-brasileiros realizados na África do Sul em 2018, uma atenção especial foi dedicada às relações entre processos de expansão colonial e o meio natural em diferentes contextos.

Com isso, deu-se prosseguimento ao programa de estudos marcados pelo binômio Cultura/Natureza da A.B.E. e que tem levado a visitas a parques nacionais e reservas em vários países. (Veja)

A procura de ultrapassagem de limites, de alcance de novas fronteiras e de estabelecimento de novas áreas de cultivo por parte de imigrantes e colonos de „segundas migrações“ levou à abertura e exploração contínua do interior nos diferentes continentes, revelando regiões até então desconhecidas ou pouco conhecidas.

A história do descobrimento de regiões que, pelas suas características de paisagem são hoje consideradas como extraordinários bens naturais do globo é em vários casos estreitamente relacionada com a história da expansão colonizadora.

Caracol. Foto H. Huelskath 2002. Copyright
Essas relações manifestam-se mais evidentemente em denominações de montanhas, rios, vales, lagos, formações geológicas e acidentes geográficos dos mais diferentes tipos e que eternizam nomes e decorrências que levaram a seu descobrimento.

Reciprocamente, essas configurações paisagísticas determinam a história e a imagem de localidades e regiões. Há assim uma interação mútua entre processos culturais e naturais, sendo os primeiros em geral decorrentes de movimentos colonizadores.

O Parque Estadual do Caracol nos estudos euro-brasileiros e o Blyde River Canyon

Dois monumentos naturais respectivamente do Brasil e da África do Sul podem servir de exemplos dessas relações entre processos expansivos e de procura de novas fronteiras de colonos e a natureza na sua história cultural.

Trata-se de um lado do Parque Estadual do Caracol como área protegida da Serra Gaúcha no Rio Grande do Sul, nas proximidades de Canela, e o da reserva natural do Blyde River Canyon no antigo Transvaal,região da África do Sul.

Nos dois casos tem-se formações paisagísticas de extraordinário significado para os respectivos países e continentes. No caso sul-africano, trata-se não só do maior canyon do país, como o terceiro maior do mundo.

No seu significado turístico - um dos maiores atrativos da África do Sul - a reserva natural do Blyde River pode ser comparado àquele do Caracol, também um dos mais visitados do Brasil.

Em ambos os casos, o interesse pelo meio ambiente leva a que adquiram especial significado para exploradores de belezas naturais, para o turismo e o esporte ecológico.

Caracol. Encontro ABE 2002
Em encontro realizado no âmbito do congresso de encerramento dos eventos pelos 500 anos do Descobrimento do Brasil, em 2002, professores, pesquisadores e universitários de diferentes países visitaram Canela e o Parque Estadual do Caracol com a sua internacionalmente conhecida Cascata do Caracol. (Veja)
Canela. Encontro ABE 2002
Correspondendo ao tema da seção levada a efeito no Rio Grande do Sul, voltada à discussão de aspectos do Colonialismo, Pós-Colonialismo e das Imigração, considerou-se a história da colonização européia no Sul do Brasil e de suas expansão, no âmbito da qual alcançou-se a região do Caracol e fundou-se Canela.

Essas reflexões puderam ter continuidade em 2018 no Blyde River Canyon da Blyde River Nature Reserve, uma região que, sob alguns aspectos, em particular quanto à amplidão de vistas panorâmicas oferecidas, traz à lembrança o Parque Estadual do Caracol no Brasil.

Processos pioneiros de migrações coloniais em dois exemplos - „segundas migrações“

Historicamente, ambas as regiões foram alcançadas por colonos em meados do século XIX. No caso brasileiro, os primeiros imigrantes europeus alcançaram a região já em 1824, salientando-se  colono teria ali chegado em 1863. A esse pioneiro, com o passar dos anos, juntaram-se outros, colonos e exploradores das florestas de araucária da região.

Blyde River Canyon. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
Pela passagem do século XIX ao XX, já as qualidades paisagísticas e climáticas levaram a que fosse procurada por veranistas, um desenvolvimento que também determinou as origens de Canela.

Como a plataforma que oferece uma visão da cascata do Caracol no Rio Grande do Sul,  também no caso africano tem-se plataformas panorâmicas como a God‘s Window e o Lowveld Viewpoint, na qual se descortina o Blyde River e o Lowveld, região do Parque Nacional Krüger (Veja) e, mais a longe, Moçambique.

Significado de denominações na consideração de relações Cultura/Natureza

O próprio nome de Blyde River remonta à migração dos bures à procura de novas terras e de liberdade de ação em regiões distantes do contrôle da administração britânica - os voortrekkers.

O termo Blyde, significa „contente“ em holandês e refere-se a um episódio de significado histórico-político da colonização. O rio foi assim denominado em 1844 pela alegria do retorno de um grupo de pioneiros sob a liderança de Andries Hendrik Potgieter (1792-1852).

O termo foi escolhido em contraste com aquela do rio da tristeza (Treurrivier), assim denominado devido à suposição de que os membros da expedição já estariam mortos e não mais voltariam.

Ambos os rios são assim associados com duas emoções - o da tristeza e o da alegria - ganhando conotações de mais amplas implicações e atualizando um episódio da história colonial.

O principal foco da atenção nessa visão panorâmica constituem as formações rochosas das „três irmãs“, chamadas de Three Rondavels, uma denominação que é sugerida pela sua semelhança com cabanas tradicionais africanas.

Permanência de personalidades e decorrências da história colonial

O Blyde River Canyon  oferece assim um exemplo significativo da permanência de nomes e decorrências da história colonial nas suas fases pioneiras através das denominações e das imagens de configurações e acidentes naturais.

Ambos os rios - o da alegria e da tristeza - são estreitamente relacionados com Andries Hendrik Potgieter.

Como representante de tradicional família de ascendência holandesa e lider dos Voortrekker, Potgieter marcou a história política sul-africana. Basta lembrar que foi chefe de estado das configurações políticas de Potchefstroom, entre 1840 e 1845, e de Zoutpansberg, de 1845 a 1852.

A sua imagem é marcada por ambivalências, dependendo da visão político-cultural do observador.

A história da fronte pioneira de colonização sob Potgieter foi determinada pelo encontro com os nativos das terras. Se no caso brasileiro, a região do Caracol era habitada por grupos do povo Kaingang, no caso sul-africano o foi por grupos Barolong e Moroka.

Assim como no passado colonial do Cabo, a estrategia dos colonos consistiu em tratados com os líderes nativos. Não se tratou aqui apenas de trato comercial com fins de aquisição, mas sim de intervenção em contendas inter-tribais, o que lembra antes procedimentos de portugueses na África Ocidental e mesmo no Brasil do século XVI. Os colonos prometiam apoio aos Baralong contra as ameaças dos Matabele e, em troca, recebiam terras entre os rios Vet e Vaal. Esse conluío agravou as contendas triobais, uma vez que a entrada de europeus foi considerada pelos Matabele como ultrapassagem de limites da sua esfera de influência.


Essa passagem de divisas, compreendida como invasora, levou a um ataque ao acampamento sob Potgieter em 1836 em Vegkop, com perda de bois de tração das carroças dos colonos. Em socorro dos atacados, acudiram outros grupos de migrantes e nativos do grupo Moroka. Os grupos de colonos, unindo-se, instituiram uma espécie de govêrno e decidiram-se transferir-se a Natal, no que não foram apoiados por Potgieter.

Em 1838, assassinatos e ataques aos colonos determinaram as decorrências posteriores. Potgieter, juntamente com outro líder - Pieter Lafras Uys -, formaram um grupo armado. Com isso, criou-se uma situação de tensão entre os próprios colonos, entre aqueles em Natal e aqueles que permaneceram no „Estado Livre“. Tensões e conflitos surgiram mesmo entre os grupos sob Potgieter e Uys, sendo este último morto em emboscada pelos Zulus, com debandada do grupo de Potgieter. Este, devido à sua fuga, passou a ser chamado pejorativamente de „Die Vlugkommando“. Neste contexto, por alguns acusado de ter causado a morte de Uys, Potgieter transferiu-se para o Transvaal.


Fundações no Transvaal - repúblicas de colonos e conflitos internos

No Transvaal, Potgieter fundou a localidade que recebeu o seu nome .- Potchefstroom - no rio Mooi, e que se tornou capital de uma República, um estado que existiu entre 1840 e 1845.

Em 1845, fundou-se uma estação comercial que recebeu o seu nome e o do colono comerciante George Ohrig:  Andries-Ohrigstad. Essa localidade é hoje conhecida apenas como Ohrigstad.

Abandonada temporariamente devido a surto de malária, os moradores transferiram-se para Soutpansberg, onde Potgieter fundou Zoutpansbergdorp (Schoemansdal).

Sendo Natal anexado pelos ingleses em 1842, vários colonos de ascendência holandeses transferiram-se para o Estado Livre e para o Transvaal, liderados por Andries Pretorius (1798-1853). Antigas tensões existentes entre os dois grupos de colonos foram revitalizadas, uma vez que Pretorius não reconheceu a liderança de Potgieter. Em 1848, assinou-se um tratado de paz entre os dois grupos em Rustenburg.

Memória da garimpagem - o exemplo do Bourke‘s Luck Potholes

Na confluência de ambos os rios - o Blyde e o Treur, tem início o canyon. Ali encontram-se os grandes furos originados durante milhares de ano pela água e que são denominados de Bourke‘s Luck Potholes.

Também essa denominação refere-se a um episódio histórico que marca a percepção da paisagem. Segundo a tradição, ali Tom Bourke teria ali descoberto ouro na década de 1870, o que atraiu grande quantidade de garimpeiros.

Problemas culturais na substituição de nomes com intentos de deseuropeização

Esses elos com o passado colonial e assim europeu são tão fortes que hoje, no contexto dos intentos de „africanização“ da época pós-Apartheid procura-se redenominar os rios, tendo sido o Blyde River rebatizado de Motlatse River em 2005 pelo govêrno da província de Mpumalanga.

O conceito da alegria, porém, não diz respeito apenas ao rio, mas ao canyon, ao Blydepport Dam, tendo já determinado a imagem da região. Esse último é um dique que represa o Blyde River em Ohrigstadt, o que marca o fim do canyon.

A pretendida deseuropeização através da substituição de nomes é superficial e não substitui as múltiplas conotações e implicações que marcam a imagem da região. Apesar de suas compreensíveis intenções no sentido do pós-colonialismo e do pós-Apartheid, esse processo redenominador surge como questionável, uma vez que obscurece pelo silenciamento desenvolvimentos históricos, dificultando esclarecimentos.



De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Lembrando o Parque Estadual do Caracol na reserva natural do Blyde River Canyon
processos de expansão colonial em „segundas migrações“ a novas fronteiras e a revelação de monumentos naturais no interior de terras: Brasil e África do Sul“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 173/20(2018:2).http://revista.brasil-europa.eu/173/Blyde_River_Canyon_e_Caracol.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne