A Igreja Reformada Holandesa: África e Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 173

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Swellendam. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 173/12 (2018:3)




A Igreja Reformada dos Países Baixos em processos coloniais - Brasil e África do Sul
Palavra, arquitetura e música: o estilo cabo-holandês na arquitetura neo-colonial do século XX e o órgão da igreja de Swellendam


Igreja e Museu de Swellendam

 

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Durante a presença holandesa no Nordeste do Brasil no século XVII, a Igreja Reformada Holandesa (Nederlandse Hervormde Kerk) foi uma das mais importantes e influentes instituições. Justamente no protestantismo residiu um dos mais profundos fatores das tensões recíprocas entre os Países Baixos e a Espanha, com a qual Portugal se encontrava em União Pessoal.

As diferenças confessionais foram, no caso do Brasil, também um dos principais fatores das animosidades. A consideração diferenciada dessa épocas sob o aspecto confessional reformado revela tendências quanto à acepção mais ou menos rígidas e fundamentais de concepções religiosas.

„Foi (...) no terreno religioso onde se azedaram terrivelmente as relações entre brasileiros e holandeses. (...) propugnar do púlpito ou lutar de armas nas mãos eram então dois aspectos de um so ato, já que naquela é´poca Estado e religiãõ se confudiam em tantos pontos.“ (J.A. Gonsalves de Mello, Tempo dos Flamengos: Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil, 3a. ed., Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Ed. Massangana, INL 1987, 239). „Muitos documentos mostram-nos que os holandeses consideravam como inimigos nãõ~ã~p~enas os brasileiros ou portugueses em geral - (...) -- mas, particularmente, os cató´lí´cós, mesmo os de suas proprias fileiras“ (ibidem 240)

Ao lado de visões mais esclarecidas como as de Johann Moritz von Nassau (1604-1679), „o Brasileiro“, coexistiram posições severas e estreitas em círculos religiosos reformados no Brasil. Essas diferenças influenciaram posições e atitudes relativamente a católicos e ao clero católico, em particular às ordens religiosas, assim como aos judeus: „Os holandeses concederam aos habitantes do Nordeste liberdade de consciência. Mas essa liberdade pareceu-lhes tãõ~prejudicial à segurança do Estado que nãõ a incluíram nas cláusulas da capitulação do Maranhão. Ou foram restringindo-a, (....) de modo que à liberdade de consciência não correspondia a liberdade de práticas religiosas“. (ibidem 241)

As diferenças dentro da própria igreja reformada correspondiam àquelas nos próprios Países Baixos e as tensões entre essa diversidade e a procura de unidade marcaram os desenvolvimentos. É significativo, nesse contexto da Reforma européía, que em Pernambuco existiu uma influente comunidade de protestantes franceses. (ibidem 115)

A Igreja Reformada Holandesa marcou também a história colonial em outros contextos coloniais decorrentes da presença holandesa em várias regiões do mundo marcadas pelas atividades da Companhia das Índias, Ocidentais e Orientais. Considerar desenvolvimentos nessas vários contextos pode aguçar a percepção de diferenças e suas consequências no período da presença holandesa no Brasil.

O exemplo da África do Sul: relações com separações e uniões nos Países Baixos

Um particular atenção merece o papel desempenhado pela Igreja Reformada Holandesa na história da África do Sul, e na qual a atual Nederduitse Gereformeerde Kerk se insere.

À época da presença holandesa no Brasil, a igreja protestante oficial denominava-se de Igreja Reformada Baixo-Alemã (Nederdutse Gereformeerde Kerke). Em 1816, com a mudança da situação política da Europa, foi redesignada de Nederlands Hervormde Kerk.

No decorrer do século XIX, vários grupos de separaram, constituindo comunidades reservadas próprias que, em 1892, levaram à criação das Igrejas Reformadas nos Países Baixos (Reformierte Kirchen in den Niederlanden). Esforços de união entra essas duas formações marcaram a sua história mais recente.

Em, 2004, elas e a Igreja Evangélica Luterana dos Países Baixos uniram-se na Igreja Protestante dos Países Baixos (Protestantse Kerk in Nederland), um ato que não foi aceito por círculos mais conservadores da Igreja Reformada. Estes fundaram, como reação, a Recuperada Igreja Reformada (Hersteld Hervormde Kerk).


Ponto de partida das reflexões: Swellendam e sua arquitetura

Swellendam. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
A cidade de Swellendam é uma das mais antigas da África do Sul, remontando a distrito fundado em 1743 e elevado a cidade em 1746 pela Companhia das Índias Orientais. 
Swellendam oferece-se sob muitos aspectos como ponto de partida para estudos de processos colonizadores partidos da Cidade do Cabo. O próprio nome Swellendam deriva do sobrenome do Governador Hendrik Swellengrebel (1700-1760) e de
sua mulher Helena Swellengrebel (ten Damme).

Na época colonial, a cidade era administrada por um funcionário nomeado pela administração da cidade do Cabo, o Landdrost. A residência desse funcionário, edificada em 1747, o Drostdy, é um exemplo significativo da arquitetura da época. Após algumas ampliações e reformas, abriga hoje um museu.

Esse museu traz à consciência o significado de
Swellendam - e outras localidades surgidas no âmbito da irradiação da cidade do Cabo - para estudos culturais, entre êles sobretudo o da arquitetura. Construções dessa região de colonização a partir do Cabo surgem como importantes exemplos do „estilo cabo-holandês“.
A antiga fundação e a prosperidade da cidade explicam a auto-consciência de seus habitantes que, em 1795, após terem deposto o funcionário nomeado pela Cidade do Cabo, proclamaram a sua independência como República de Swellendam, um estado que existiu apenas por alguns meses, quando
então foi ocupada pelos ingleses.

Colonias originadas de uma colonia irradiadora - „segunda colonização“

Pelas suas muitas construções antigas, Swellendam surge como cidade significativa para estudos do passado colonial sul-africano.

Também sob o aspecto dos estudos da arquitetura em processos coloniais, uma aproximação „das margens ao centro“, ou seja, das localidades nascidas do processo colonizador ao centro irradiador, das
colonias da colonia, - „colonização secunmente promissora ao alcance de conhecimentos. Essas constatações na África do Sul podem abrir caminhos também para estudos de processos coloniais no Brasil.

Elas parecem indiicar a existência de um mecanismo que leva a uma acentuada auto-consciência cultural identificatória com contextos de origem, mais conservadora, de tendências por vezes fundamentalistas na compreensão literal dos textos biblicos. 

Se entre imigrantes em diferentes contextos observa-se ainda hoje tendências mais ufanistas de cultivo de expressões culturais a serviço da manutenção de identidades do que nos seus países de origem, mais ainda seria esse fenômeno vigente em colonias partidas de colonias.

A igreja de Swellendam: o estilo cabo-holandês e historismo neo-colonial


O principal bem arquitetônico e cultural de Swellendam é a igreja da Igreja Reformada Holandesa da África do Sul, um edifício de significado nacional e mesmo internacional para estudos da arquitetura.

Essa igreja reflete tendências de estabelecimento de elos com o estilo cabo-holandês da história colonial holandesa em época na qual a situação política da África do Sul, já há muito sob o domínio britânico, era marcada por tensões, sobretudo pelas guerras entre bures e ingleses

A arquitetura da igreja, na sua representativa e expressiva linguagem visual pode ser vista assim como uma espécie de statement, de uma afirmação de identidade cultural, tornando-se um exemplo significativo das conotações político-culturais de estilos neo-coloniais que, nas primeiras décadas do século XX, se fizeram sentir em diferentes contextos, tais como o missionário-californiano ou o neo-barroco.

O estilo cabo-holandês das construções dos colonos holandeses desenvolvido na colonia do Cabo em meados do século XVII caracteriza-se pelos seus elos com a tradição e desenvolvimentos construtivos nos Países Baixos, da Alemanha e pelas influências recebidas através de colonos franceses.

Os vínculos coloniais com o Oriente da Companhia das Índias Orientais explicam traços de desenvolvimentos coloniais na Batávia (Indonésia)
registrados nessa arquitetura. Com a superação do poder holandês pelo britânico, essa tradição construtiva foi substituída pela inglesa, o que se manifesta sobretudo em construções vitorianas que marcam a fisionomia da cidade do Cabo e de várias outras cidades sul-africanas.

A referência ao passado colonial holandês da igreja de Swellendam é relacionada com uma linguagem reveladora de recepções de correntes européias da Europa de fins do século XIX e XX. Assim como em outrtos casos neo-coloniais, essa referenciação ao passado, resultado de anelos saudosistas e nostálgicos, romântico-sentimentais, leva a uma linguagem visual de cunho ilustrativo-pitoresco, que, por uma doçura que irradia, cativa e atrai afetivamente.

Para uma igreja, esse papel aliciante da linguagem visual que fala aos sentimentos de origem e de terra natal adquire uma dimensão quase que missionária de chamamento à religião. É um exemplo, assim, no contexto da igreja reformada, dos estreitos elos entre o historismo na arquitetura, nas artes, na música, tendências restauradoras religiosas e conservadorismo de cunho retroativo político-cultural
que tanto marcou o século XIX.

A igreja evoca construções dos Países Baixos, sem que se possa afirmar ser uma cópia de determinado modêlo. Apresenta-se exteriomente como um edifício que também poderia ser o de um colégio ou de uma instância oficial, trazendo assim à consciência os estreitos elos entre a igreja da Reforma, o poder de Estado e a sociedade burguesa voltada ao comércio, auto-consciente e próspera.

Talvez o maior significado evocativo desse conjunto reside na torre com grandes relógios, que, com os seus vários patamares com arcos abertos e sacadas, estabelece um marco quase que emblemático de Swellendam. Esse significado da torre da igreja para a cidade tornou-se evidente em anos recentes quendo, em 2008, no decorrer de trabalhos de reforma, a torre, levantada por um helicóptero, caiu sobre o teto do edifício, causando grandes danos.

Essa igreja chamou a atenção nos anos recentes pelo fato de, em 2008, quando, em trabalhos de reforma, procurou-se substituir a sua torre, esta, levantada por um helicóptero, caiu, destruindo parte da cobertura do edifício.

História e a manutenção de continuidade: configuração interior da igreja

Quando se criou o distrito de Swellendam, os colonos iam aos serviços religiosos em Stellenbosch. Nessa época, o processso de ocupação de terras já levava a estabelecimentos de fazenda mais a longe de Swellendam, atingindo a região de Mossel Bay.


A congregação de Swellendam foi estabelecida já em 1798, tendo como primeiro pastor JH von Manger, nomeado pelo governador inglês. Sem igreja própria, os serviços eram realizados no edifício administrativo do Drostdy.

Em 1802, construiu-.se a primeira igreja. Embora de construção simples, a igreja distinguia-se já pelo seu interior, sobretudo pelo seu púlpito de madeiras nobres das florestas sul-africanas.

A área foi cercada por um muro que protege um cemitério, restando partes do original, entre elas o portão de entrada. No cemitério encontram-se centenas de túmulos, cujas inscrições oferecem valiosos subsídios para estudos genealógicos.

O museu da comunidade guarda objetos do século XIX e que demonstram a atenção dada à dignidade do culto, em particular à época do Rev. Dr. W. Robertson como ministro (1833-1871). Salienta-se um prato de prata comprado na Inglaterra em 1851 e um serviço para a Comunhão de prata do Cabo.



A igreja foi demolida em 1910, dando lugar à atual. O arquiteto desta foi FW & F. Hesse do Cabo e a construtora a firma Moon & Ledbury. O interor destaca-se pelas dimensões do espaço comunitário e das galerias, assim como pelo uso de madeiras nobres. Também a torre foi construída com madeira da antiga igreja.


Swellendam no contexto dos estudos do órgão em relações internacionais

A igreja de Swellendam merece ser considerada também sob a perspectiva dos estudos de órgão   como resultados e documentos de relações internacionais. Esse significado foi salientado, no caso do Brasil, na sessão dedicada ao instrumento no Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ levado a efeito em São Paulo em 1981 e que contou com a participação de Werner Walcker-Meyer (1923-2000), responsável pela firma de construção de órgãos e pela fundação de estudos científicos relacionados com o órgão que forneceu vários instrumentos ao Brasil. (Veja)

Nas cooperações com Walcker-Meyer, tratou-se frequentemente do papel desempenhado pela firma de sua família no desenvolvimento do órgão no século XIX. Com os novos padrões técnicos que implantou - e que foram de significado para o desenvolvimento da composição para órgão - concorreu e suplantou outras até então condutoras na produção do instrumento.

Entre estes fabricantes destacava-se Friedrich Ladegast (1818-1905), sediado em Weißenfels, do círculo do organista e pedagogo Ernst Julius Hentschel (1804-1875), importante vulto da história cultural evangélica. Órgãos Ladegast encontram-se em muitas igrejas da Alemanha Central, sobretudo de regiões protestantes, salientando-se o órgão da catedral de Schwerin. Os seus órgãos foram também exportados para outros países, entre êles para os Estados Unidos e para a Rússia.

É assim significativo que a comunidade de Swellendom, que já possuia um órgão em 1845, tenha encomendado um órgão Ladegast da Alemanha, em 1900. A aquisição desse órgão documenta os elos com uma tradição organística mais marcada pelos elos com o meio evangélico - diferenciando-se dos elos antes católicos da firma Walcker - e, ao mesmo tempo, uma fixação conservadora sob o aspecto musical, uma vez que os órgãos Ladegast correspondiam antes a concepções estéticas que já passavam a pertencer ao passado, como aquela do uso do crescendo pneumático.

Poucos anos após a Guerra, com a mudança da situação internacional, de concepções estético-musicais e com o crescimento da comunidade, a igreja encomendou um órgão maior, com três manus e 1920 tubos, dos quais 582 foram aproveitados do órgão Ladegast. No períódo posterior à Segunda Guerra, sentiu-se nova necessidade de mudança de instrumento, o que levou ao órgão atual, construído por A. Wattel, firma de Hurwenen, Gelderland, responsável por vários órgãos em igrejas reformadas dos Países Baixos e inaugurado em 1962



De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ A Igreja Reformada dos Países Baixos em processos coloniais - Brasil e África do Sul
Palavra, arquitetura e música: o estilo cabo-holandês na arquitetura neo-colonial do século XX e o órgão da igreja de Swellendam“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 173/12(2018:3).http://revista.brasil-europa.eu/173/Igreja-Reformada_Holandesa.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne