Pioneiros colonizadoires e liberdade
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 173

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Transvaal. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 173/16 (2018:3)




Movimentos de pioneiros em expansões coloniais na ultrapassagem de fronteiras
em conquista de territórios e paradoxos da idéia condutora liberdade em diferentes contextos
O exemplo dos
Voortrekker no sul da África - Transvaal e Brasil



10 anos do Seminário Migrações e Estética - Universidade de Colonia e Academia Brasil-Europa. Graskop Public Library

 

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Transvaal. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Nos estudos culturais que focalizam relações entre a África do Sul e o Brasil, a atenção não pode limitar-se ao passado mais remoto da época dos Descobrimentos, quando o dobramento do Cabo da Boa Esperança e o descobrimento do caminho marítimo para as Índias precederam o descobrimento do Brasil e navegadores portugueses pisaram tanto em terras brasileiras como sul-africanas. (Veja)

Um importante contexto que vem sendo considerado com atenção nos estudos de processos culturais é aquele voltado a migrações internas, a „segundas migrações“, suas causas e consequências no século XIX em cotejos com processos de ocupação e colonização de terras por imigrantes europeus no Brasil. (Veja)

Estudos comparados de desenvolvimentos paralelos em diferentes contextos coloniais constituiram objeto de discussões em seminário sobre migrações e Estética na Universidade de Colonia em cooperação com a A.B.E. e o I.S.M.P.S. em 2008. Transcorridos dez anos desse evento, tornou-se oportuno retomar e dar prosseguimento a reflexões em principais localidades do movimento migratório interno e colonizador dos „pioneiros“ (Voortrekker) na África do Sul.

Transvaal. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
Esse movimento de moradores bures - „campôneos“ -, de ascendencia neerlandesa da região do Cabo, marcou de forma determinante a conquista do interior sul-africano. Marcou também as relações tanto com os nativos e dos bures com os ingleses, acentuando-se com a anexação britânica da Colonia do Cabo em 1835.
Do Cabo partiu o grande Treck em direção ao interior e ao norte. Tratou-se de um êxodo, de uma migração de grupo populacional que procurou novas terras onde pudessem atuar mais livremente, longe do controle britânico
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considerado como restritor e cerceador.

Foi assim um movimento impulsionado pelo anelo de ultrapassar limites e áreas sob o signo da liberdade de ação, de trabalho e de perspectivas de vida. Essa migração levou à colonização de territórios até então não devassados ou habitados apenas por nativos, sendo assim até hoje lembrada em várias localidades então surgidas.

Os migrantes fundaram localidades e repúblicas em vários pontos da atual África do Sul, entre êles o Transvaal, o estado livre de Oranje, Natal e outros.

A ação pioneira pioneiros é celebrada - também de forma idealizada - em representações e na literatura, ainda que a memória da secular tensão entre bures e inglêses tenha passado a segundo plano no presente dominado por preocupações da época pós-Apartheid.

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Significado dos Voortrekker nos estudos de processos culturais - „luta pela liberdade“

Lyndenburg. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
Cumpre, porém, reconsiderar essa migração do passado com maior atenção nos estudos de processos culturais em geral.

Nas reflexões relativas a ultrapassagens de fronteiras nos seus mais diferentes sentidos, o fenômeno dos Voortrekkers merecem particular atenção, uma vez que revelam mecanismos de processos que surgem como possivelmente válidos em outros contextos.

Esse movimento representou um processo colonizador partido de um outro processo colonizador, movido por impulsos orientados segundo o conceito de liberdade.

É significativo, assim que uma das obras que, na historiografia, primeiramente considerou os conflitos entre bures e ingleses teve como título „ a „luta pela liberdade dos bures“ (J. Scheibert, Der Freiheitzskampf der Buren und die Geschichte ihres Landes, 2 vols, Berlin: A. Schröder 1903).

Torna-se assim necessário considerar o conceito de liberdade como compreendido nesse movimento de ultrapassagem de limites e de áreas.

O conceito aqui empregado, no sentido de liberdade individual e coletiva de ação, de trabalho, de expansão e posse de terras, corresponde a uma concepção de liberdade que pode ser constatado em situações de pioneirismo em outros contextos, vigente também em argumentações do presente e de implicações políticas, merece ser refletido e considerado sob diferentes aspectos, psicológicos, demo-psicológicos e mesmo filosóficos.

A consideração do movimento movido pelo anelo de liberdade dos bures permite sobretudo reconhecer uma fundamentação religiosa e um poder condutor de imagens no ímpeto migratório. Neste contexto, entende-se que a marcha migratória ao interior assume uma transcendência e surge como peregrinação ou procura de uma terra de promissão.

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Paradoxias: libertação de escravos e procura de liberdade dos bures

A consideração das causas que levaram ao êxodo dos bures da Cidade do Cabo em direção a territórios ainda não ocupados do interior traz à luz uma situação de cunho paradoxal. Enquanto esse abandono da cidade e da região onde há séculos viviam para a ousada caminhada em rumo ao desconhecido foi sustentada e impulsionada pelo desejo de liberdade, um dos fatores que a ele levaram foi o da emancipação de escravos.

Justamente a libertação dos escravos teria sido uma das principais causas de uma situação sentida como cerceadora pelos bures e que os levaram a procurar a liberdade de ação em territórios longínquos.

Essa situação pode ser entendida considerando-se que os bures, de origem campôneos, vivendo da agricultura, sentiram-se prejudicados e mesmo lançados à penúria com a perda de braços de trabalho.

A liberdade de uns causou assim uma situação vivenciada como cerceadora da liberdade de outros. Muitos desses colonos, para o cultivo das terras, não podendo usar da mão de obra nativa devido a contrato entre estes e os holandeses do início da colonização, estavam dependentes dos trabalhadores trazidos como escravos de outras regiões e, em geral, em navios ingleses. Para adquiro-los haviam levantado empréstimos e tinham feito dívidas. Se reconheciam a necessidade da emancipação dos escravos, esperavam que esta se procedesse de forma gradual e que fossem indenizados.

A supressão da escravidão pelo govêrno britânico, porém, e os problemas das indenizações para muito inalcançáveis, pois teriam de ir a Londres, levaram muitos a uma situação de perda total de meios e à penúria.

Concomitantemente, deu-se um conflito de cultura e idiomas. A língua dos bures, o holandês e o africâno perderam a sua validade como línguas oficiais, de modo que, não dominando o inglês, passaram a ter dificuldade em defender os seus direitos.

Confrontos de ética de trabalho - nativos e colonos protestantes

Nesses conflitos, salientou-se a revolta Slagtersnek, remontante a um fazendeiro que se revoltou contra o domínio inglês em 1815/1816. O nome derivou do lugar onde os revoltados foram presos e remonta a comerciantes ingleses que ali vinham contratar trabalhadores nos matadouros da região.

Em súmula: um fazendeiro bure suspeitou de roubo um nativo hotentote e segurou o seu pagamento; negando-se a apresentar-se em juízo, o fazendeiro foi condenado à prisão. Demonstrando ter controle nessa região distante, o govêrno inglês enviou uma força de soldados nativos sob o comando de oficial europeu à fazenda. Oferecendo resistência, o fazendeiro foi morto por um soldado nativo. No seu sepultamento, o seu irmão jurou vingança e planejou uma revolta contra o govêrno britânico com o objetivo de expulsar os ingleses e os nativos Khoikhoi do Cabo, esperando o apoio de grupios Xhosa. Presos por um exército inglês, os bures procuraram libertá-lo, sendo o seu lider também morto. 32 revoltosos foram banidos e 6 foram executados.

O fator religioso na migração como êxodo - os peregrinos a Jerusalem

Os fundamentos religiosos desse movimento migratório explicam as suas características de peregrinação e êxodo, abrindo perspectivas para análises mais profundas de seus sentidos e de suas consequências.

O calvinismo de muitos desses bures permite elucidar a convicção desses migrantes de fazerem parte de um povo eleito à procura da terra de promissão. Revela, também a questionabilidade de uma leitura e compreensão literal dos textos bíblicos.

Já o próprio conceito de „Jerusalemganger“ indica a concepção de um caminhar a Jerusalém e, assim, ao paralelo entre esses migrantes e o povo de Israel na sua saída do Egito. Na situação sul-africana, os bures representariam o povo eleito e os egípcios os ingleses.

Essa projeção do êxodo do povo eleito do Egito, que surge como terra onde procuraram e alcançaram o enriquecimento mas também onde se viam escravizados, abre perspectivas para o estudo de mentalidades e de impulsos que moveram a migração.

Justamente a situação sob os ingleses no Cabo surgia nessa projeção de imagens como de coerção da liberdade, de modo que o Grande Treck passou a ser visto como movimento em procura da liberdade. Muitos desses peregrinos, cujo principal líder foi Johan Adam Enslin (1800-1852 ). O seu avô provinha de Bopfingen, Württemberg, vindo jovem como soldado ao Cabo.

No decorrer de uma epidemia de malária, muitos dos adeptos de Enslin sucumbiram às vésperas da planejada viagem a Jerusalem. Sobreviventes passariam posteriormente à igreja reformada. O grupo, supondo ter alcançado o sul do Egito, fundou a cidade de Nylstroom.

A cidade dos sofrimentos: a República Lydensburg - Transvaal e Moçambique


Em 1849, os Voortreker fundaram a cidade de Lydensburg, assim denominada devido aos sofrimentos vivenciados pelos migrantes (lyden, alemão leiden) e que tornou-se capital de uma república de mesmo nome.


Nela fundou-se uma igreja reformada neerlandesa, em 1852, hoje um dos bens do patrimônio histórico sul-africano.

Em 1873, encontrando-se ouro no Pilgrim‘s Greek, a região atraiu garimpeiros, o que marcou a história da localidade. Com o aumento da população, a igreja tornou-se pequena, levantando-se uma nova em 1894, cuja arquitetura lembra a Moederker da cidade de Stellenbosch.

Pelop passo denominado Long Tom, que une Lydenburg a Sabie, a 2150 metros de altitude, abriu-se ao redor de 1870 uma estrada ligando Lydenburg à Baía Delagoa, ou seja, a Moçambique.

Durante as guerras dos bures foi o principal elo de ligação entre o estado do Transvaal e o Exterior. Em 1900, na segunda guerra dos bures, estes, recuando, ali colocaram dois grandes canhões, denominados pelos ingleses de Long Tom, daí derivando o nome do passo.

Uma localidade que guarda a memória dos bures é Ohrigstad a norte de Lydenburg. A localidade foi fundada em 1845 como uma fortificação de defesa de um grupo de Voortrekker com a ajuda do comerciante holandês Gregorius Ohrig, de onde provém o seu nome. (Veja) Outra localidade estreitamente relacionada com a história dos bures é Graskop, fundada na década de 1880 para trabalhadores das minas de ouro do Pilgrim‘s Rest no Transvaal.


A República Sul-Africana e a aceitação das libertação de escravos

O reconhecimento pela Inglaterra da República Sul-Africana, fundada em 1852 como estado independente pelos bures na Sand River Convention, teve como pressuposto a emancipação dos escravos. Esse conflito entre diferentes acepções de liberdade manteve-se como um dos fatores de tensões que se prolongaram através de décadas.

A uma primeira anexação pelos ingleses em 1877, seguiu-se revolta dos bures. Em 1881, o Transvaal passou a ter administração própria e, em 1884, foi reconhecido como Estado independente. Em 1900, na Segunda Guerra dos Bures, o Transvaal foi novamente anexado pela Inglaterra. Em 1910, con a União Sul-Africana, tornou-se uma província.



De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Movimentos de pioneiros em expansões coloniais na ultrapassagem de fronteiras
em conquista de territórios e paradoxos da idéia condutora liberdade em diferentes contextos
O exemplo dos Voortrekker no sul da África - Transvaal e Brasil“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 173/16(2018:3).http://revista.brasil-europa.eu/173/Transvaal_e_Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
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