A Inquisição em processos culturais
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 174

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Palacio do Inquisidor, Malta. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 174/3 (2018:4)




A Inquisição em processos culturais
- do combate a movimentos vistos como heréticos da Idade Média à recatolização em tempos de expansão islâmica no Mediterrâneo -
Permanência em expressões tradicionais do presente
de ações de cunho reeducador-corretivo do passado inquisitório-missionário

Continuidade de estudos euro-brasileiros levados a efeito em Cartagena de Indias 2017 no
Museu da Inquisição no Palácio do Inquisidor, Vittoriosa, por motivo da celebração de La Valletta como „Capital Européiua da Cultura 2018“


 
Palacio do Inquisidor, Malta. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

A Inquisição, a sua história, objetivos métodos, consequências e sobretudo as suas fundamentações teológicas merece particular atenção nos estudos de processos culturais. A sua consideração não diz respeito apenas à História, em especial à história eclesiástica.

O estudo de obras de autores que serviram de base às acusações e fontes documentais relativas a processos abre caminhos para o conhecimento de práticas populares, de tradições, superstições, usos e costumes, de permanência através dos séculos de concepções e procedimentos de antigas e diversas origens na vida de comunidades, em particular de camadas mais modestas da sociedade.

Essas fontes oferecem valiosos contributos também a áreas voltadas à pesquisa empírica de fatos culturais transmitidos pela tradição, em geral por caminhos não institucionalizados no presente.

A consideração da Inquisição revela-se sobretudo como uma exigência para o estudo cultural das idéias e das ciências, trazendo à consciência o risco de procedimentos baseados em convicções doutrinárias, adquirindo assim atualidade no presente marcado por tendências fundamentalistas e de zêlo religioso em diferentes contextos, hoje em particular por pastores e igrejas que partem de uma interpretação literal das Escrituras.

O significado da Inquisição à era dos Descobrimentos e dos primeiros séculos da expansão européia e cristianizadora em regiões extra-européias faz com que o seu estudo se torne particularmente relevante para países como o Brasil.

O reconhecimento desse significado levou a que o Tribunal do Santo Ofício, nos seus pressupostos, contextualizações e desenvolvimentos fosse alvo de atenção sob a perspectiva de processos culturais em relações globais também em estudos relacionados com o Brasil desde meados da década de 1970.

Esses esstudos foram desenvolvidos em cooperações interdisciplinares com a criação de instituto de pesquisas de organização pontifícia na Alemanha e em Roma em 1977. Embora partindo de questionamentos musicológicos, a seção etnomusicológica desse instituto confrontou-se, sob a orientação do editor, com a necessidade de tratá-los em contextos mais amplos a partir de um direcionamento da atenção a processos.

Para além de trabalhos desenvolvidos em bibliotecas e arquivos romanos, em particular da Congregação para a Doutrina da Fé, visitaram-se instituições de diferentes países. Retomou-se, por último, em 2017,o estudo da ação da Inquisição na América Latina com a revisita do Museu da Inquisição em Cartagena de Indias. (Veja)

Do Museu da Inquisição de Cartagena de Indias ao de Malta

Palacio do Inquisidor, Malta. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
Em ano no qual as atenções se dirigem a Malta pela celebração de La Valletta como „capital européia da cultura“, cumpre considerar o papel da Inquisição nessa ilha e na esfera do Mediterrâneo em geral em séculos que foram decisivos para a expansão européia no mundo.

Malta possui um dos mais importantes, senão o mais importante museu da Inquisição do Velho Mundo. A instituição encontra-se instalada no monumental edifício do palácio do Inquisitor, um dos principais bens arquitetônicos de Vittoriosa. Essa sua importancia deriva não apenas do significado desse edifício, da sua história e dos materiais ali conservados, mas sobretudo também pela sua orientação, que acentua os elos entre o estudo histórico da Inquisição e os estudos culturais em geral.

Significativamente, o edifício abriga, nos seus andares superiores, desde 1981, um Museu de Folclore, constituindo um dos principais bens da Seção de Etnografia do departamento de museus do Patrimônio de Malta.

O Palácio do Inquisidor em Vittoriosa/Burgu

A história do edifício e de seu uso pela Inquisição revela os seus estreitos elos com processos mediterrâneos no  campo de tensões entre o Cristianismo e o Islão.

O prédio foi construído entre 1530 e 1571 como Corte de leis civís da Ordem de São João, ou seja, da antiga ordem hospitalar que se distinguiu através dos séculos no auxílio e na defesa de peregrinos perante o inimigo muçulmano, na libertação de cristãos escravizados e na militância de combate à expansão islâmica. (Veja)

Palacio do Inquisidor, Malta. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
Foi construído em época crítica de sucessos e intentos expansionistas do Islão, na qual a Ordem se encontrava em fuga e acuada. Em 1571, a Ordem transferiu as suas instalações de Vittoriosa para Valleta, passando a ser o edifício, em 1574, residência oficial do Inquisitor, tendo sido o primeiro o dominicano Pietro Dusina (+1581), também delegado apostóilico para as ilhas maltesas.
Tendo atuado anteriormente no Arcebispado de Nápoles, também como comissário da Inquisição romana, a sua estadia em Malta foi breve mas decisiva, tornando-se já em 1575 consultor do Santo Ofício e posteriormente bispo de Assisi. A sua vida e atuação revela o contexto mediterrâneo da história institucional dos intentos inquisitórios romanos no século do Concílio de Trento e da Reforma católica e o papel nele desempenhado pelos Dominicanos.

O papel dos Dominicanos na história da Inquisição e de sua atuação em Malta

Significativamente, à frente do palácio do inquisitor em Vittoriosa levanta-se a igreja dos Dominicanos como um dos mais imponentes edifícios do patrimônio arquitetônico local.

Maior intensidade da ação inquisitorial, de sua influência e de sua representação deu-se no século XVII.

Entre 1634 e 1639, o inquisidor Fabio Chigi (1599-1667) - que
seria posteriormente Papa Alexandre VII - nele estabeleceu um jardim.

Entre 1639 e 1645, o inquisidor Giovanni Battista Gorio Pannellini, entre 1639 e 1646, construiu uma seção de prisões, além de cômodos particulares para o uso dos inquisidores.

Entre 1694 e 1698, o inquisidor Tommaso Ruffo (1663-1753) construiu apartamentos e a capela.

Entre 1698 e 1703, o inquisidor Giacinto Ferrero di Masserano construiu uma outra seção de prisões e reformou o andar nobre do edifício.

O último inquisidor,  Giulio Carpegna que ali atuoud de 1793 a 1798, deixou a ilha pouco antes da chegada das forças francesas, encerrando essa longa fase da história inquisitória em Malta.

Durante a ocupação francesa, o palácio foi usado como residência do comandante distrital até 1800. Os ingleses o usaram como hospital e casa de encontro para oficiais militares até 1926.

Neste ano, o prédio passou para o departamento de museus de Malta como parte da seção de Belas Artes, havendo, na década de 1930, esforços de recuperá-lo.

Entre 1942 e 1954, a sua história passou novamente a ser vinculada com aquela dos Dominicanos, abrigando-os pelo fato de terem sido o seu convento e sua igreja destruídos por bombardeamentos durante a Guerra.

Voltando ao departamento de museus em 1966, foi reformado e aberto ao público.

Um foco das atenções: a Inquisição e a Reforma católica - o Concílio de Trento

Embora consideradas no museu da Inquisição de Cartagena de Indias, em 2017, as relações entre a Inquisição e a reforma católica no século XVI recebem particular atenção no palácio do inquisidor de Vittoriosa.

Se até hoje os processos culturais desencadeados pelas Reforma católica nas suas extensões no mundo extra-europeu foram considerados sobretudo sob o aspecto da reação da Igreja perante movimentos reformatórios protestantes, ou seja, como Contra-Reforma, no museu de Malta surge em relêvo sobretudo o papel da ação inquisitória na missão interna corretiva no campo de tensões entre o Cristianismo e o Islão.

Com esse foco de atenções, o estudo da Inquisição insere-se mais claramente em contextos globais, em particular em desenvolvimentos históricos da Reconquista.

Como salientado no museu maltês, a Inquisição tomou a si a tarefa de propagar a Verdade, combatendo heresias no sentido de conversão do povo à doutrina pronunciada no Concílio de Trento.

Houve assim um sentido por assim dizer político-cultural em empenho de combater o que era visto como ignorância, sendo assim a ação inquisitória auto-compreendida como educativa e missionária.

Papel missionário da Inquisição lembrado no Palácio do Inquisidor de Malta

Induzindo o povo a viver segundo bons católicos no sentido das doutrina, os inquisidores atuaram como missionários. Justamente essa dimensão missionária e re-evangelizadora da Inquisição não tem sido em geral considerada no seu significado.

Essa focalização do museu de Malta traz assim à consciência uma relação entre intuitos missionários e inquisitórios, o que surge como altamente questionável também no presente e revela as dimensões problemáticas de ações missionárias.


O museu salienta que a ação de missionários - fossem êles frades, jesuítas ou inquisidores - procurava seguir outros métodos do que aqueles até então empregados pelo clero paroquial, uma vez que estes pareciam ser pouco efetivos na superação do que se considerava como deficiente, errôneo ou abusivo.

Embora todas as classes sociais tivessem sido alvo desse apostolado dos inquisidores, o seu alvo principal era a camada mais simples da população.

Um dos meios utilizados era o de impressionar uma população que tinha mantido uma rusticidade campônea através de representações espetaculosas. Do ponto de vista educativo, este se limitava em geral ao ensino das quatro preces fundamentais - Padre Nosso, Ave Maria, Credo e Confiteor -, estabelecendo no povo o hábito de orar duas vezes ao dia, de manhã e à noite.

Grande empenho era dado ao encorajamento do exame de consciência à luz da doutrina, dando-se especial atenção à superação de pecados, de atitudes de inveja, de inimizade, de ódio e ao combate de blasfêmias, de intemperância no comer e beber.

O temor a Deus foi promovido como importante fator para levar os fiéis à confissão e serem ensinados. O mêdo assim cultivado teve - segundo o museu - o efeito paralelo de procura de senso de segurança através dos sacramentos.

A ação combinada das diversas ordens, em particular dos Dominicanos, dos Jesuítas e dos inquisidores, assim como das confraternidades como a do Rosário levaram a uma mudança de atitudes e hábitos, enraizando a prática frequente da confissão e da comunhão.

A inserção da ação inquisitória na tradição dominicana do combate ao Catarismo

Embora a Inquisição em Malta mereça ser estudada sobretudo no contexto das tensões entre o Cristianismo e o Islão que marcaram a esfera mediterrânea, os seus pressupostos históricos remontam ao combate aos movimentos vistos como heréticos que abalaram a história religiosa na Europa medieval, em particular ao Catarismo.

Esse passado foi continuamente lembrado na veneração de Petrus de Verona ou de Milão, o Mártir (1205 -1252), considerado como padroeiro da Inquisição.

O museu conserva pinturas desse santo e algumas relíquias. A sua veneração em Malta manifesta-se também no fato de haver uma capela a êle dedicada no sul da ilha.

O zêlo desse dominicano no combate às heresias pode ser estudado a partir de sua própria família, uma vez que os seus pais, em Verona, aderiram ao movimento cátaro.

Tendo completado os seus estudos na universidade de Bolonha e entrado na Ordem dos Pregadores, desenvolveu um extraordinário zêlo na propagação da doutrina da Igreja.

Tornou-se um dos mais ativos dos dominicanos nesse intento, adquirindo o renome de ser o melhor pregador da Ordem, percorrendo a península itálica em defesa enérgica da Igreja.

Ponto alto no seu combate e erradicação ao Catarismo foi a sua nomeação a inquisidor da Lombardia pelo Papa Gregório IX (1145-1241). Essa sua atuação causou o seu assassinato em Como por um milanês: a sua cabeça foi cortada com um facão e o seu coração transpassado. Canonizado em 1253, tornou-se padroeiro dos inquisidores.

Fundamentos do ímpeto inquisitório nas Escrituras e riscos de leituras literais

O museu de Malta traz à consciência também a problemática da fundamentação do espírito inquisitório nas Escrituras, o que merece particular atenção no presente e revela a questionabilidade de uma compreensão literal dos textos bíblicos. Esta levou a práticas denunciatórias, fomentou o controle social, estabelecendo um clima de desconfiança e temor.


A relevância da consideração dos riscos decorrentes de leituras superficiais das Escrituras no seu sentido „ao pé da letra“ merece ser  salientada sobretudo em estudos referentes a países que, como no Brasil, expandem-se igrejas evangelicais de procedência norte-americana.

Vultos do Velho Testamento e da Hagiografia salientados na Inquisição


Em obras de arte ali conservadas, o observador é confrontado tanto com o julgamento de Salomão como com o exemplo de Maria Magdalena como penitente, remoída de remorsos pelos seus pecados.

Vindo ao encontro do culto de São João Baptista da Ordem dos Joanitas (ou de Malta), considerou-se a particular veneração de Maria Magdalena nas suas relações com o culto do Precursor no complexo de concepções fundamentador do zêlo pregador e do ímpeto inquisitório.

Para além da consideração das menções nos Evangelhos à ação de São João como admoestador do povo de Israel e pregador, sentidos mais profundos permitem a compreensão de elos da sua veneração com aquelas de S. Jerônimo. (Veja)



De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „A Inquisição em processos culturais - do combate a movimentos vistos como heréticos da Idade Média à recatolização em tempos de expansão islâmica no Mediterrâneo. Permanência em expressões tradicionais do presente de ações de cunho reeducador-corretivo do passado inquisitório-missionário“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 174/3(2018:4).http://revista.brasil-europa.eu/174/Inquisicao_em_processos_culturais.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne





 

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