Mediterrâneo na expansão cristã medieval
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 174

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Catedral de Palma. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 174/9 (2018:4)




A Reconquista, a arquitetura catedralícia e o
papel do Mediterrâneo na expansão cristã medieval
Raimundus Lullus OFM (ca. 1232- ca.1316)
- aproximações ao neoplatonismo em processos missionários -

Reflexões na Catedral de Palma, Mallorca
Estudos mediterrâneos pela celebração de Valletta como „Capital Européia da Cultural 2018“

 
Catedral de Palma. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Nos estudos desenvolvidos no Mediterrâneo em 2018, motivados pela celebração de La Valletta como „Capital Européia da Cultura“, um dos focos das atenções foi o das relações Cristianismo/Islão que mercaram séculos da história dessa região do globo. (Veja)

Sem a consideração desse passado marcado por tensões e conflitos, não se pode compreender o movimento de expansão européia da era das Descobertas. Esses estudos dizem respeito, neste sentido, a pressupostos de desenvolvimentos nos quais o Brasil também foi descoberto pelos europeus.

Considerar esse confronto do Ocidente com o mundo islâmico adquire premente atualidade perante os problemas que muitos países da Europa hoje enfrentam com a vinda de grande número de migrantes da esfera muçulmana e da correspondente expansão do Islão no Ocidente.

O estudo desse passado revela a necessidade de perspectivas dirigidas a processualidades, uma vez que se tratou de processos de islamização nas suas relações com ocupações e tomadas de poder político e militar, assim como de processos de re-cristianização ou de reconquista de regiões conquistadas.

A Reconquista marcou fundamentalmente a história da Península Ibérica e aquela de sua extensão ao Novo Mundo, determinando mentalidades, visões, procedimentos, literatura e arte, permanecendo viva na linguagem visual de expressões culturais tradicionais até o presente em vários países, entre êles no Brasil.

Os estudos da Reconquista tornam-se necessários para a compreensão e a análise de tradições, fato salientado em pesquisas, conferências e encontros internacionais em várias ocasiões.

Esses estudos tem-se concentrado nas decorrências hispânico continentais, sendo porém que cada vez mais passou-se a reconhecer a necessidade de visões mais amplas, considerando os desenvolvimentos no extremo Ocidente no contexto abrangente da área mediterrânea em geral. (Veja)

Nesse sentido, constatou-se já na década de 1980 o significado da esfera balear na história do processo recristianizador e, sobretudo, da expansão missionária cristã na Idade Média.

De Mallorca partiu impulsos teológicosm e atividades missionárias que foram de fundamental importância para a cristianização das Canárias, com irradiação posterior a outras regiões.

Considerar com atenção esses desenvolvimentos que antecederam os grandes descobrimentos do mundo extra-europeu surge como uma exigência para os estudos da história missionária no seu papel de transformação cultural e nas suas relações com a história política e colonial. (A.A.Bispo, ‚Zur anthropologischen Reflexion: zu sprach- und völkerkundlichen sowie rechtlichen Voraussetzungen der Mission: Lullistischer Exkurs‘, Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäische Welt der Neuzeit I, Musices Aptatio 1987/88, Roma/Colonia: Consociatio Internationalis Musicae Sacrae, Luthe, 335ss)

A Catedral de Santa Maria no local de uma mesquita em Palma de Mallorca

Se a expansão islâmica e o processo de islamização foi marcado em várias regiões da Europa pela transformação de igrejas em mesquitas, o da re-cristianização no decorrer da reconquista o foi pela transformação de mesquitas em igrejas ou o da construção de igrejas em locais anteriormente ocupados por mesquitas.

Esse procedimento, generalizado, não apenas puntual ou excepcional, merece ser analisado e refletido sob diversos aspectos e nos diferentes contextos. Essas transformações representaram marcos de mudanças religiosas e político-culturais, de auto-consciência e identidade de comunidades, irradiando-se a regiões por elas influenciadas, alcançadas em viagens de descobrimentos e colonizadas.

Essa irradiação evidencia-se sobretudo em formas de veneração mariana, uma vez que em geral foi a Maria que foram dediocadas igrejas que substituiram mesquitas. Intercessões vistas como miraculosas no decorrer da recristianização marcaram imagens em determinados contextos que foram transmitidas posteriormente ao Novo Mundo. (Veja)

Catedral de Palma. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Como tratado na catedral Santa Maria Nuova em Monreale, Palermo, em continuidade a reflexões encetadas em Cartagena de Indias em 2017 (Veja), a consideração dessas transformações mesquita/igreja não pode deixar de dar atenção particular a seu significado sob a perspectiva dos estudos catedralícios e de concepções de sé ou cátedra. É justamente sob este aspecto que se revela o principal interesse dessas transformações para a história científico-cultural, do pensamento e do ensino, uma vez que dizem respeito a mudanças quanto a orientações doutrinárias e de autoridade de magistério.

Também como considerado em Monreale, as catedrais, como extraordinários monumentos arquitetônicos e artísticos, relacionaram-se estreitamente com anelos políticos, de afirmação de poder real e de representação, fato que se evidencia pelo fato de servirem também como mausoléus de reis.

Também em Palma de Mallorca levantou-se uma catedral dedicada a Santa Maria, a Sé - La Seu - no local de uma antiga mesquita após a libertação do domínio islâmico. Os fundamentos da construção foram lançados em 1230 à época do rei Jaume (Jacobus) I (1208-1276), principal vulto dessa reconquista. Sob Jaume (Jacobus) II (1243-1311), deu-se prosseguimento ao levantamento da obra. Também aqui a catedral devia servir como local de sepultamento de reis.

A catedral de Palma é um dos muitos casos de monumentos arquitetônicos cuja edificação levou séculos, o que, naturalmente se manifesta na sua configuração plástica. A nave central foi apenas concluída em 1587 e o portal apenas em 1601. Só no século XIX deu-se andamento aos trabalhos na sua fachada.

Leitura da arquietura da catedral de Palma - linguagem visual e processos

Compreende-se, assim, a necessidade de uma leitura cuidadosa e diferenciada da catedral na sua linguagem visual. Se as partes mais antigas correspondem ao gótico comparável a edificações em outras regiões da Europa ocidental, no Sul da França e no norte da Espanha, outras, em particular dos portais laterais, já manifestam tendências a uma maior ornamentação do assim-chamado gótico tardio.

Profundas marcas no edifício deixaram intervenções no século XVI e que revelam a transformação da linguagem visual ocorrida entre o Renascimento e o Barroco, fazendo com que a catedral possua significativos exemplos do assim-chamado estilo plateresco.

Catedral de Palma. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Essas intervenções que denotam um desenvolvimento barroquizante, refletem transformações de concepções e formas de expressão decorrentes do movimento de reforma interna e contra-reformatória dos respectivos séculos, uma reafirmação de catolicidade que estabelece uma ponte, apesar das diferenças epocais, com o impulso recristianizador de séculos anteriores.


Essa diversidade que pode ser percebida na leitura da catedral de Palma, é ainda mais acentuada com   intervenções de séculos posteriores, tais como a de elementos classicistas do batistério ou de trabalhos de restauração e reconfigurações do século XX, tanto do seu início, como aqueles de Antoni Gaudí, como aqueles mais recentes do artista mallorquino Miquel Barceló. (Veja)

Mallorca nos estudos de processos culturais: Raimundus Lullus

Mallorca adquire especial significado e atualidade para os estudos de processos culturais através do vulto de Ramon Llull/Raimundus Lullus, um erudito de amplos e múltiplos interesses que marca não só a história franciscana, a das concepções e iniciativas missionárias da esfera mediterrânea e suas irradiações norte-africanas e atlânticas, como a das ciências em geral.

Devido ao significado desse teólogo, filósofo e visionário maiorquino para o estudo de confrontos e interações de conhecimentos no campo de tensões entre o Cristianismo, o Judaísmo e o Islão como pressuposto de desenvolvimentos de significado também para estudos da extensão cristianizadora a regiões extra-européias, foi Lullus considerado em colóquios referenciados segundo o Brasil na década de 1980. (A.A.Bispo, op.cit., 344 ss.)

Esses estudos marcaram também os primeiros trabalhos euro-brasileiros realizados na Mallorca, onde Lullus marcou a história do convento Miramar em Valdemossa como centro de formação missionária.

Nesses colóquios, salientou-se que o estudo de Lullus apenas pode ser compreendido a partir do contexto de sua época, fundamentalmente marcado pela Reconquista no processo de recristianização de regiões marcadas pelo Islão, assim como da sua inserção na história franciscana.

Se a consideração do papel das ordens na história das ciências e da universidade tem dado especial atenção aos Dominicanos, o pensador maiorquino dirige a atenção aos Franciscanos e, com êles, o de um maior peso da contemplação mística na procura do conhecimento. Entre outros aspectos discutidos, salientou-se aqueles voltados a diferenças entre a tradições marcadas pelo aristotelismo e pelo neo-platonismo no pensamento medieval.

Sínteses no pensamento de Lullus e na história missionária?

Na atualidade das interpretações, marcada por intuitos de revelação em contextos mediterrâneos de sínteses, simbioses e harmonizações do pensamento cristão e islâmico (Veja), acentua-se em Lullus e na sua obra o aspecto por assim dizer sincrético de múltiplas influências.

Essa aproximação, embora compreensível por anelos explicáveis pelo presente marcado novamente pelo confronto mais intenso da Europa com o Islão, foi alvo de reflexões questionadoras em sequência àquelas encetadas em Monreale.

A erudição de Lullus, o seu conhecimento de línguas e da literatura hebraica e árabe, assim como o seu empenho pelos seus respectivos estudos em universidades européias, o que o fêz patrono da Orientalística, não pode obscurecer o seu posicionamento cristão.

Neste sentido, os seus estudos e a sua erudição serviam primordialmente ao conhecimento de edifícios do pensamento que deviam ser interrogados em disputas e refutados. Esse seu empenho deve ser visto à luz de sua inserção no processo de Reconquista, uma vez que foi filho de um cavaleiro catalão que lutou pela reconquista das ilhas baleares sob Jaume I (Jacobus) I, atuando êle próprio sob Jaume II em intentos de cristianização de muçulmanos em Tunis, o que levou à sua morte como consequência do seu apedrejamento na Algéria.

No desenvolvimento dos estudos relativos a Llull, deu-se principal atenção ao papel desempenhado pelas suas visões e, assim, à mística na história missionária franciscana, em particular na esfera atlântica e suas extensões no Novo Mundo.

A ação dos Franciscanos em processos culturais no Brasil desde o seu Descobrimento, insuficientemente considerada nos estudos culturais, passa a ser considerada de forma mais profunda e diferenciada. Análises mais pormenorizadas quanto a suas consequências merecem concepções que veem o conhecimento e a defesa da Verdade como objeto de uma Lógica compreendida como Ciência e Arte.

A atenção de Lullus à Lógica levou a sistematizações de extraordinária relevância em particular quando consideradas retrospectivamente a partir de desenvolvimentos posteriores e do presente.

Um aspecto dos estudos da obra de Lullus que adquire significado na atualidade é aquele relacionado com concepções de amor nas suas dimensões espirituais e que trazem à consciência a inconsistência de determinados posicionamentos - também de teólogos - do presente.

O seu Libre d‘amic e amat surge como obra de importância para estudos de concepções de amizade e amor, de amigo e amado, e cujo mais alto modêlo é aquele do amor do homem interior com o Logos.

De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „A Reconquista, a arquitetura catedralícia e o papel do Mediterrâneo na expansão cristã medieval. Raimundus Lullus OFM (ca. 1232- ca.1316) - aproximações ao neoplatonismo em processos missionários“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 174/9(2018:4).http://revista.brasil-europa.eu/174/Mediterraneo_e_historia_missionaria.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne








 

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