Percepção da natureza e o teatro do mundo
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 174

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Taormina. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Taormina. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

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Taormina. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Taormina. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 174/6 (2018:4)




Estudos de fundamentos de processos culturais no Mediterrâneo:
a dramaticidade do movimento descendente que leva ao mar
na percepção da natureza - o teatro do mundo e o homem:
o Etna descortinado no Teatro de Taormina


Museu do Teatro de Taormina
Estudos mediterrâneos pela celebração de Valletta como „Capital Européia da Cultural 2018“

 
Taormina. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

O antigo teatro de Taormina, o mais valioso bem patrimonial dessa cidade da Sicilia, a antiga Tauromenion, foi revisitado em 2018 no âmbito dos estudos mediterrâneos motivados pela celebração de La Valletta como „Capital Européia da Cultura“. (Veja)

Após 20 anos de trabalhos ali desenvolvidos, pareceu ser oportuno retomar a consideração desse monumento de extraordinária relevância histórico-arquitetônica da Antiguidade de forma atualizada a partir de conhecimentos desde então alcançados e sob uma perspectiva mais decididamente voltada a processos e processualidades.

Dimensões do significado do Teatro Antigo de Taormina - Cultura e Natureza

O antigo teatro de Taormina é mais do que um monumento de importância para a história da arquitetura, do teatro ou mesmo da música.

As dimensões do seu significado não podem ser avaliadas adequadamente a partir de divisões de áreas e concepções que se estabeleceram muito posteriormente. Elas exigem aproximações e esforços transdisciplinares, voltados a um sistema cultural de remotas origens e que, na sua integralidade, interrelacionava visão do mundo e do homem, a de fenõmenos e processos percebidos pelos sentidos do mundo exterior, ao físico ao qual o homem também pertence, e aqueles do seu interior, psíquico e mentais.

Essa relação entre o mundo exterior visível ou percebido pelos sentidos e o interior do espectador da ação dramática que nele se processava manifesta-se na situação privilegiada em que o teatro foi instalado.

A magnificência e as dimensões de sentidos da paisagem que dele se avista foi decantada por viajantes, lembrando-se nele sempre as impressões de W. Goethe (1749-1837) de 1787. Aquele que se coloca no ponto mais alto ocupado pelos antigos espectadores reconhece que nunca um publico de teatro poderia descortinado paisagem de similar magnitude; à frente abre-se o grande maciço do Etna e, à esquerda, o mar que leva a Catania e a Siracusa e o quadro culmina com o colossal vulcão do Etna.

Taormina. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Diferentemente de várias outros teatros e anfiteatros do gênero, tudo indica não ter sido a configuração favorável do terreno o fator determinante de sua instalação, mas sim o panorama que dessa encosta se abre sobre o mar Jonio e o Etna é que teria levado à escolha do local para a sua construção.

A paisagem - água ao fundo, montanhas que dela se elevam e o vulcão fumegante e jorrando fogo à distância - representam o teatro natural no jogo dos elementos e das forças elementais às quais também o homem está sujeito.

Justamente essa sua localização no mundo envolvente concede ao teatro de Taormina uma importância única para estudos voltados a relações entre a arquitetura e o meio ambiente, ao paisagismo nas suas dimensões antropológico-culturais e, no sentido mais abrangente, àqueles do binômio Cultura/Natureza.

Não importa, assim, que o teatro de Taormina seja o segundo em dimensões da Sicília, suplantado que é por aquele de Siracusa. Pela sua localização, pelo panorama que oferece da natureza e da ação de forças naturais, supera o teatro de Taormina em significado muitos outros teatros do antigo mundo. Pode neste sentido até mesmo servir de chave a análises de sentidos da antiga arquitetura teatral nas suas inscrições no edifício cultural de concepções e imagens do mundo e do homem de remotas origens.

Antigas concepções filosófico-naturais e processos coloniais no Mediterrâneo insular

Taormina. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
A escolha do local não pode ter sido arbitrária ou determinada por circunstâncias, mas refletida  a partir do panorama que dele se descortina. Assim sendo, a própria edificação poderia ser interpretada como uma manifestação cultural, como uma demonstração e contínua afirmação de uma visão do mundo fundamentada em conhecimentos e concepções filosófico-naturais.

Essa afirmação surge como compreensível lembrando-se quer o teatro remonta a uma sociedade de imigração, ao passado colonial no antigo Mediterrâneo, remontante à primeira colonia grega estabelecida na Sicília.

Como conhecido em diferentes situações do homem no estrangeiro, o anelo de manutenção da identidade leva à revalorização conservadora de expressões culturais consuetudinárias e a intentos de compreensão de seus fundamentos a serviço da própria auto-consciência e dignidade.

Assim interpretando, o teatro de Taormina surge como um feito cultural denotador de processos coloniais que, já em época posterior, recupera ou reconstrói um complexo cultural herdado.

Embora expressão der um conservadorismo a serviço de uma afirmação cultural de sociedade colonial, contribui paradoxalmente à revitalização e à elucidação de um sistema cultural de mais remotas origens.

Etna. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

A sua construção ter-se-ia dado no século III A.C. sob a regência de Gerão (Ierone) II de Siracusa (308 a.:C.-215 a.C.), personalidade política com elos tanto com Roma como com o mundo helenístico. No projeto teria desempenhado um papel importante a sua mulher, Filistide, cujo nome surge em algumas inscrições.

Mudanças na percepção do mundo natural à época romana e suas consequências

Essa interpretação do teatro de Taormina a partir de suas inserções em contexto político-cultural da época helenística não pode valer para períodos posteriores.

A sua reconstrução, em era romana, no século II D.C., já obedeceu a outros critérios, sugerindo perda de profundidade e mesmo deturpação de concepções relativas à luta de forças naturais manifestadas no panorama que dele se abre.

Assim, a orquestra do antigo teatro passou a ser usada para confrontos de gladiadores e animais selvagens, transformando-se o teatro em anfiteatro. As escadas inferiores foram substituidas por um corredor que ligava a um ipogeo central, onde se situavam as máquinas cênicas para os efeitos especiais. As construções cênicas passaram a impedir a visão do Etna.

É porém a configuração dada ao teatro pelos romanos que marca hoje a sua aparência. A ampliação da construção deu-se na era republicana ou do primeiro Império, passando a ter uma capacidade de abrigar ca. 10000 espectadores. Da estrutura originária restaram alguns blocos quadriculares na cena, os assentos e inscrições gregas da cavea, salientando-se sobretudo um pequeno templo no belvedere sobre a mesma.

O teatro foi abandonado provavelmente durante a incursão dos vândalos e decadência do império. Na Idade Média, dele foram retirados materiais para construções particulares.

Significado do vulcão no edifício cultural e na paisagem vivenciada pelos espectadores


O vulcão fumejante que se descortina ao fundo da paisagem a partir do teatro de Taormina pode ser visto como principal elemento portador de significados na análise das relações Cultura/Natureza que seriam determinativas na concepção da arquitetura, das representações e na vivência dos espectadores.

O vulcão surge comio sinal visível de processos dramáticos tratados na linguagem mitológica e que dizem respeito a ocorrências no mundo natural explicada por tensões e oposições entre os elementos.

O processo de separação de uma unidade com a manifestação das oposições corresponde ao movimento descendente no ano natural e que pode ser visualizado na paisagem e que leva das alturas da montanha ao mar.

Esse desenvolvimento era explicado mitologicamente como aquele das ocorrências dramáticas vivenciadas por Gaia nas suas uniões com Uranos e Kronos e decorrentes lutas de titães e gigantes com a geração dos deuses olímpicos. Já na fase atual da ordem cósmica, correspondia àquela do afastamento de Hera de Zeus e, neste contexto, do seu filho Hephaistos/Vulcano, derrubado do Olimpo às profundezas, onde com os seus auxiliares, trabalha na sua forja.

Nas reflexões encetadas no Museu do Teatro de Taormina, considerou-se a permanência dessas antigas concepções e imagens através de sua cristianização. Recapitulou-se alguns dos principais aspectos de debates relativos às bases filosófico-naturais do sistema cultural que tem sido alvo de estudos, colóquios e conferências nas últimas décadas.

Sobretudo recordou-se o fato de que o estudo desse sistema cultural de antigas origens é de fundamental significado para a compreensão da linguagem de imagens de tradições brasileiras.

A presença no Teatro de Taormina favoreceu o direcionamento da atenção a um aspecto ainda pouco considerado nos debates até hoje desenvolvidos: o das relações do teatro, da sua história e da vivência teatral com um processo fundamentalmente dramático da percepção da natureza, da parte descendente do ciclo do ano, das concepções filosófico-naturais correspondentes, da mitologia e mesmo de suas relações com a Gênese.


De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Estudos de fundamentos de processos culturais no Mediterrâneo. A dramaticidade do movimento descendente que leva ao mar na percepção da natureza - o teatro do mundo e o homem:
o Etna descortinado no Teatro de Taormina“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 174/6(2018:4).http://revista.brasil-europa.eu/174/Teatro_de_Taormina.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne






 

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