Alemanha-Açores-Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 175

Correspondência Euro-Brasileira©

 
DTG, Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Horta. Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 175/10 (2018:5)




Alemanha-Açores-Brasil
As ilhas do Atlântico na literatura geográfica e etnográfica em alemão do século XIX e início do XX
Entre continentes: localizações e referenciações
os Açores como extremo Ocidente da África e/ou da Europa
e Fernando de Noronha no Brasil

Reflexões no „Centro Alemão“ - antiga sede da Deutsche Telegraphengesellschaft, Horta, Faial

 
Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

A cidade de Horta, na ilha do Pico, possui, entre os seus bens histórico-arquitetônicos, um conjunto de construções edificadas pela passsagem do século XIX ao XX por companhias estrangeiras de cabos marítimos. Para além do seu significado para a história da técnica e das comunicações, esse conjunto de edifícios adquire interessse para estudos de processos culturais em relações internacionais.

Já na sua linguagem construtiva e elementos estilísticos, os edifícios dão testemunho da presença das nações envolvidas, salientando-se entre elas os EUA e a Alemanha. Abrigando hoje diferentes instituições e órgãos, esses edifícios constituem também atrativos turísticos, sendo visitados sobretudo por visitantes das respectivas nações que neles procuram traços da própria história no distante arquipélago do Atlântico.


Velas, Sao Jorge. Foto A.A.Bispo 2018.
Comunicação interoceânica e processos culturais - Deutsche Telegraphengesellschaft

Entre essas construções destaca-se pelas suas dimensões e qualidade arquitetônica - relacionando estilisticamente arquitetura portuguesa à alemã - o amplo complexo da companhia alemã de cabos telegráficos submarinos, a Deutsche Telegraphengesellschaft (DAT).

Essa companhia, fundada em 1899, teve como objetivo possibilitar a comunicação telegráfica entre o Império Alemão e os Estados Unidos através de um cabo transatlântico entre a cidade de Emden na Frísia do Leste, Baixa Saxônia, e New York, passando pelos Açores. A instalação ficou a cargo de uma companhia filiada à firma Clouth Gummiwerke AG de Colonia.

O empreendimento passsou a funcionar em setembro de 1900, inaugurando asssim o novo século. Já esse fato traz à consciência o significado da telecomunicação asssim facilitada e dos Açores para os estudos culturais transatlânticos do início do século XX.

Seguiram-se anos nos quais a presença alemã nos Açores, em particular em Horta, tornou-se particularmente intensa, uma época da vida social e cultural que merece maior atenção tanto no arquipélago como nos dois continentes.

O desenvolvimento assim iniciado de intensificação de relações intercontinentais e da presença centro-européia nos Açores nos foi marcado por interrupções devido às guerras mundiais. Na Primeira Guerra, o cabo que ligava a Alemanha aos Estados Unidos foi interrompido pelos inglêses, sendo apenas recuperado no período posterior à Guerra, em 1925. Embora tenha sido até mesmo melhorada a comunicação através da instalação de outros cabos em 1926, a ligação foi novamente interrompida na Segunda Guerra, voltando a funcionar em 1954.

O „Centro alemão“ em Horta - significado histórico-cultural e seus vitrais

Diferentemente das construções americanas, funcionais e pragmáticas, aquelas do conjunto alemão revelam intenções representativas. Os edifícios, que abrigam hoje entre outros a secretaria regional de agricultura e florestas, possuem assim particular interessse histórico-cultural, sendo conhecido como „centro alemão“.

Um particular destaque merece uma das varandas fechadas com grandes vitrais que, para além de molduras ornamentadas, apresenta armas dos diferentes reinos que então faziam parte do Império Alemão. Nesse espaço, mantém-se hoje uma pequena exposição aberta ao público que documenta momentos da vida de funcionários e visitantes da época anterior à Primeira Guerra.

Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Esses vitrais, de 1912, foram confeccionados pela manufatura Schmolz & Schneiders, de Colonia e adquirem especial significado histórico-artístico sob o aspecto da pintura em vidros. Com esses vitrais, Horta possui obra de  uma das mais renomadas firmas do gênero do Império Alemão, em particular da Renânia, dirigida por Paul Schmolz e Christian Schneider, e que, entre muitos outros trabalhos, destacara-se na época pelos seus trabalhos de reconstrução e recuperação de vitrais da catedral de Colonia, iniciados em 1891 e terminados em 1908.

Para além de numorosos vitrais com motivos religiosos para igrejas, a firma realizava vitrais ornamentais para estações e mansões, sendo assim aquele de Horta um de seus trabalhos de natureza secular. Com esses vitrais, a atmosfera de espaços interiores renana da época é transportada para os Açores, filtrando a luz local através dos emblemas representados. As ornamentações de natureza vegetal correspondem estilisticamente àquelas da arte vitral de muitas igrejas e edifícios públicos e particulares renanos. (Kunst-Glasmalerei Schneiders & Schmolz G.m.b.H. Koeln-Lindenthal: Verzeichnis einer Anzahl bereits ausgeführter Glasmalereien nebst einigen Abbildungen, Köln 1902).

DTG, Horta, Faial. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Já pela formação de Christian Schneiders com o pintor de história Johannes Niesssen (1821-1910) do Wallraf-Richartz-Museum de Colonia, esses trabalhos de pintura em vidro se inscrevem na tradição historista romântica do século XIX com o seu fascínio pela Idade Média e pictoricamente, através da formação de Schneider, na „escola de Düsseldorf“.

Essas relações explicam o cunho heráldico das representações de armas nos vitrais de Horta e com elas o intento de estabelecer uma continuidade do Império com um antigo passado de dimensões européias e mesmo universais. Elas revelam também o significado nacional do empreendimento para o Império Alemão. É significativo, neste contexto, a presença da folha e do fruto do carvalho, emblemas alemães, na ornamentação vegetal dos vitrais de Horta. A linguagem visual - e os dizeres „com  Deus para o Imperador e o Império“ (Mit Gott für Kaiser und Reich) - empresta um cunho sacral à representação nacional.


Pressupostos: conhecimentos relativos aos Açores no Império Alemão

Na visita realizada a esse edifício em Horta, em 2018, levantou-se a questão dos conhecimentos que os alemães possuiam sobre os Açores à época da criação da DAT e  do projeto de construção dos representativos edifícios e da confecção dos vitrais de tão alto valor artístico.

Nesse intento, considerou-se que esses conhecimentos muito deviam na esfera da língua alemã a publicações de autores austríacos, fato compreensível por ser o Império Austro-Húngaro potência marítima de décadas (Veja), salientando-se neste sentido a obra de divulgação Die Erde und ihre Völker. Ein geographisches Hausbuch do austríaco Friedrich von Hellwald (1842-1892). (5a. ed. revista por Ernst Waechter, I,  Stuttgart, Berlin, Leioopzig: Union Deutsche Verlagsgesellschaft, 1906).

Esse livro, com as suas muitas edições, contribuiu á popularização de conhecimentos geográficos e etnográficos do globo e de povos não só no Império Áustro-Húngaro, mas também no da Alemanha.

As ilhas do Atlântico nos conhecimentos geográficos e histórico-cultural evolucionistas

Com formação militar e filho de um historiador militar, Friedrich von Hellwald abandonou a carreira das armas para dedicar-se a estudos. A sua proximidade à história militar revela-se no fato de ter sido redator da revista austríaca militar em Viena no período que se seguiu à guerra de 1866.

Sendo chamado em 1872 a Stuttgart para ser redator de semanário dedicado ao Exterior - das Ausland - Hellwald desempenhou significativo papel na difusão de conhecimentos de regiões e povos no recém-fundado Império Alemão.

Devido a suas posições evolucionistas, e que o levou a colocações extremas de ideologia racial, essa sua atuação não deixou de ser acompanhada por polêmicas, levando a que abandonasse o cargo em 1882.

Apesar de seus aspectos questionáveis, a obra de Hellwald, em particular da sua muito  difundida Die Erde und ihre Völker tem sido considerada quanto a dados que oferece sobre o Brasil em diferentes contextos e ocasiões.

Sob a perspectiva dos estudos relacionados com o Brasil, o tratamento das „ilhas do Oceano Atlântico“ adquire significado por trazer à consciência uma perspectiva da esfera atlântica hoje pouco considerada em visões marcadas por posicionamentos nacionais, a de um contexto insular amplo marcado por maior ou menor proximidade à Europa, à África e ao continente americano.

O autor justifica o tratamento em tópico especial das ilhas do oceano Atlântico na parte do seu livro dedicada à África, seguindo o capítulo da África do Sul justamente pelo fato de algumas delas pertencerem à África.

Nas proximidades da costa africana, considera as ilhas do golfo da Guinea, o arquipélago do Cabo Verde e as ilhas Canárias, Madeira e os Açores. Do lado americano, trata  de Bermuda, Fernando de Noronha e Sao Paulo, Trinidad e, no alto mar, Tristão da Cunha. Ao tópico dedicado às ilhas do  Atlântico segue-se aquele das ilhas africanas no oceano Índico.

Os Açores como ponto mais extremo a Ocidente da África e o nível de sua população

Os Açores são considerados como sendo o mais extremo ponto da África no Ocidente. Para os portugueses, porém, seriam o mais ocidental extremo da Europa. Essa menção de Hellwalld documenta a diferença na visão geográfica do arquipélago de acordo com o posicionamento do observador.

Visto como parte da África na literatura em alemão, era parte da Europa sob a perspectiva portuguesa. Essa distinção assume interesse para os estudos de processos culturais uma vez que contribui também ao aguçamento da percepção para elos histórico-geográficos com o continente africano, em particular com o norte da África, podendo-se lembrar o papel desempenhado pelos mouriscos no povoamento dos Açores.

Entretanto, também esses elos de remoto passado inscrevem-se em processos culturais relacionados com a ação e a presença portuguesa no norte da África, não podendo relativar a compreensão portuguesa do arquipélago como ponto extremo da Europa. 

Para Hellwald, devido à sua localização a norte - próximo da latitude de New York e de Lisboa - o clima e os produtos do arquipélago seriam muito semelhantes àqueles do sul da Europa. O clima, suave e estável, ainda que húmido, era saudável.

Acima de um quarto de milhão de habitantes de proveniência portuguesa ou espanhola, ali vivia, um povo segundo Hellwald diligente e moderado, subsistindo da lavoura. Ainda que em algumas ilhas havia cultura vinícula e se cultivassem frutas para exportação, o povo vivia em estágio cultural bastante inferior. Em geral predominava a penúria, o que explicava a significativa emigração de açorianos, em especial ao Brasil. Essa observação de Hellwald reflete a orientação evolucionista ou social-darwinista do seu pensamento.

Fernando de Noronha na esfera do continente americano - o Pico em dois contextos

Considerando Fernando de Noronha, o autor registra tratar-se de um grupo de ilhas a 320 quilômetros a nordeste do Cabo de São Roque, no Brasil, e o fato de ser uma colonia penal brasileira.

O texto de Hellwald permite que se tenha uma noção dos conhecimentos geográficos existentes no Império Alemão sobre Fernando de Noronha na sua inserção no universo insular atlântico. Em alguns detalhes, o leitor podia estabelecer elos com os Açores, entre êles com as observações relativas à natureza vulcânica do solo.

Hellwald menciona que, para além da ilha principal, com 11 quilômetros de comprimento e 2 1/2 quilômetros de largura, várias ilhas menores marcavam o fim mais a leste do continente. Ailha principal, constituída em grande parte de rocha vulcânica, montanhosa, eleva-se em vários pontos até 180 metros do mar. Salienta que, na costa norte eleva-se um pico até mesmo a 330 metros, conhecido simplesmente por Pico, ou seja, pela mesma denominação daquela conhecida da ilha do arquipélago marcada pelo Pico nos Açores. O autor o descreve como uma massa singularmente configurada de rocha viva, cujo cume não apresenta nenhuma vegetação e não podia ser escalado, tendo ao redor cortes íngremes de basalto.

Do lado leste da ilha, o autor registra alguns rochedos de pedra arenosa, assim como algumas dunas e areia calcárea. Entre outros dados, descreve o monte São Miguel como um cume fonolítico de ca. 100 metros, que apenas podia ser escalado em parte, e as demais ilhas como sendo planas e de pedra arenosa misturadas com produtos de erupções vulcânicas. (op.cit. 602)


De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Alemanha-Açores-Brasil. As ilhas do Atlântico na literatura geográfica e etnográfica em alemão do século XIX e início do XX. Entre continentes: localizações e referenciações -os Açores como extremo Ocidente da África e/ou da Europa e Fernando de Noronha no Brasil“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 175/10 (2018:5).http://revista.brasil-europa.eu/175/Alemanha_Acores_Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne









 

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