As Antífonas do Ó em expressões culturais
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 175

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 175/5 (2018:5)



Esperança como conceito condutor
As Antífonas do Ó  e a expectativa adventícia
De
Rorate a Rogate em expressões tradicionais dos Açores em relações com o Brasil
O Franciscanismo em processos culturais: Teresa da Anunciada (1658-1738)

Pelos 85 anos do Dr. Armindo Borges, vice-presidente do ISMPS
Convento de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada e Museu do Franciscanismo Vivo, Ribeira Grande

 
Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Um dos principais pontos do programa de estudos de processos culturais Açores/Brasil desenvolvidos na ilha de São Miguel, em 2018, foi o da visita do Convento de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada.

Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
Ali encontra-se, em capela instalada no coro baixo da igreja, a imagem mais venerada dos açorianos, a de Santo Cristo dos Milagres, também procurada por ilhéus e seus descendentes das diferentes partes do mundo, o que a torna como Santuário  do Santo Cristo objeto imprescindível de estudos voltados aos Açores à imigração. (Veja) As solenidades principais desse culto teem lugar no período que vai da Páscoa à Ascensão do Senhor, referenciando-se pelo quinto domingo, conhecido como Rogate.

Essa procissão, com grande participação popular, autoridades e irmandades representa um dos mais significativos acontecimentos da cidade e da ilha de São Miguel. A ela concorrem devotos provenientes de várias localidades e regiões rurais dessa e de outras ilhas dos Açores, assim como autoridades e visitantes do continente.

Significativamente, foi a participação nessas solenidades motivo para convite feito pelas autoridades eclesiásticas ao musicólogo e teólogo açoriano Dr.Armindo Borges, membro da diretoria do I.S.M.P.S. e conselheiro da A.B.E. para ida a Ponta Delgada com o objetivo de considerar-se as condições de uma sua atuação mais intensa no arquipélago pela passagem  do milênio.

Transcorrendo os seus  85 anos em 2018, pareceu ser assim oportuno dar maior atenção a essa veneração que, ao lado daquela do culto ao Espírito Santo, marca a cultura religiosa dos Açores e das comunidades de origem açoriana em várias partes do mundo, também no Brasil.

O ciclo de estudos partiu da visita ao convento de Ponta Delgada que abriga o santuário com a imagem, tendo continuidade no Museu Franciscano de Ribeira Grande. Foi encerrado com a participação numa das principais expressões populares desse culto, aquela da Fajã da Caldeira de Santo Cristo na ilha de São Jorge. (Veja)

A orientação dos estudos culturais foi marcada por interdisciplinaridade, dirigindo-se a atenção sobretudo a questões de linguagem visual, uma vez que é também uma imagem que se encontra na origem, na história, nas práticas de culto, devocionais e festivas.

Focalizando-se em particular dimensões e sentidos músico-culturais desse fenômeno religioso, retomaram-se in loco trabalhos desenvolvidos na seção de Etnomusicologia do Institut für hymnologische und musikethnologische Studien da organização pontifícia de música sacra (Consociatio Internationalis Musicae Sacrae, C.I.M..S.), dirigidos pelo editor de 1977 a 2002.

Considerou-se que os estudos referentes a essa imagem e tradição de tão grande significado para Ponta Delgada e para os Açores em geral devem partir de considerações teológicas e histórico-culturais da época do calendário liturgico na qual se realiza a grande procissão em Ponta Delgada, ou seja, em particular em relação aos sentidos do domingo Rogate dlo calendário católico e suas correspondências com o ano natural.

Esse intento, porém, levanta questões que exigem considerações mais diferenciadas do edifício de concepções e práticas religioso-culturais, uma vez que festas respectivas podem também realizar-se em outras épocas, como. no caso daquela presenciada na ilha de São Jorge, no primeiro domingo de setembro.

No sentido dessa análise de sentidos mais aprofundada, o fato de ser o Convento de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada o principal centro dessa veneração desperta a atenção a um contexto de concepções e imagens referenciado a uma outra época do calendário litúrgico e de suas correspondências com o ano natural.

Aproximações históricas: o convento da Esperança e o culto hiperdúlico nos Açores

Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
O edifício do convento é um dos bens patrimoniais do arquipélago de grande relevância para a história cultural da arquitetura no espaço atlântico e da expansão portuguesa em geral.

Deu-se início à construção da igreja e do convento já antes de 1535, data de falecimento do capitão  donatário Rui Gonçalves da Câmara (II) (ca.1490 - 1535), seu fundador, tendo a sua viúva, D. Filipa Coutinho, dado continuidade às obras. Já esse fato pode ser visto como significativo para a compreensão do papel da mulher na vida religiosa do arquipélago e da tradição que marcou posteriormente a veneração da imagem.

A dedicação da igreja documenta o significado do culto de Maria sob o título de Nossa Senhora da Esperança, particularmente acentuado à época dos Descobrimentos.

A edificação  da igreja e do convento dá sobretudo testemunho do significado do Franciscanismo na história insular e, em particular, a da segunda Ordem de S. Francisco, a Ordem das Clarissas (Ordo Sanctae Clarae, OSC), ordem seráfica remontante a S. Francisco e a Sta. Clara de Assis (1193-1253).

As religiosas vieram do Convento de Nossa Senhora da Conceição da Caloura, em Água de Pau, no atual conselho de Lagoa. Situado sobre rochedo à beira-mar, essa posição junto às águas do convento não deve ser vista como arbitrária, mas estreitamente relacionada com o culto da Imaculada Conceição, cuja festa de 8 de dezembro sempre foi das mais celebradas em Portugal, sobretudo em localidades costeiras.

Pode-se supor que tenha sido já a intensidade desse culto no local no local o motivo que levou à sua escolha para a ereção da igreja e convento feminino. A sua localização, porém, fazia com que as religiosas corrressem sempre o perigo de ataques de piratas e corsários que assolavam o Atlântico.

Essa permanente ameaça pode ser cogitada como sendo um dos fatores justificativos do significado da imagem do Jesus flagelado e coroado de espinhos conservado no convento e que teria vindo de Roma. A imagem do Ecce homo teria sido ofertada segundo a tradição pelo papa Paulo III (1534-1549) aos religiosos que tinham ido a Roma para solicitar uma bula que permitisse construir um primeiro convento na ilha de São Miguel, na Caloura ou no Vale de Cabaços. Menciona-se também ser provável que essa oferta tenha já sido feita pelo anterior Papa Clemente VII (1523-1534).

Devido aos riscos da situação do convento, as religiosas teriam sido transferidas para outros conventos que então se construíram, ao de Santo André em Vila Franca do Campo e, principalmente, ao de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada. A imagem vinda de Roma foi trazida para este último por Inês de Santa Iria, uma religiosa de origem galega. A data da transferência, ocorrida em 1541, caiu significativamente em tempo pós-pascoal e na festa de São Jorge (23 de abril), um santo também venerado na vida agrícola.

Deve-se considerar sobretudo que, tanto a dedicação do convento da Caloura a Nossa Senhora da Conceição como aquela de Ponta Delgada a Nossa Senhora da Esperança indicam a intensidade do culto hiperdúlico e, com êle, de concepções, imaagens e práticas marianas no edifício religioso-cultural das religiosas. Ambas as dedicações dizem respeito ao período do Advento.

A principal agente da difusão do culto: Teresa da Anunciada (1658-1738)

Para além da consideração da imagem em si sob o aspecto teológico e histórico-cultural, a atenção dirige-se necessariamente à principal agente da difusão do culto nos Açores: a religiosa Teresa da Anunciada (1658-1738), original de Ribeira Grande. Constituindo não só personalidade histórica de Ponta Delgada como também vulto que suscita veneração, essa religiosa é representada em monumento levantado na parte externa do convento.

Os estreitos elos entre a veneração da imagem no santuário e Teresa da Anunciada revelam-se no fato de ser a igreja ornamentada por painéis de azulejos com cenas de sua vida e atuação de grande valor histórico-artístico do mestre setecentista português António de Oliveira Bernardes (1632-1732).

As cenas representadas nesses quadros registram momentos de sua vida, de sua infância, da sua entrada na vida religiosa, da sua devoção pela imagem do Cristo, de seu empenho construtivo e de sua morte.


Também os estudos de fontes históricas demonstra que a consideração do fenômeno devocional do culto do Santo Cristo dos açorianos não pode ser dissociada daquela desssa religiosa e do contexto em que se inseriu.

Já no século XVIII o seu vulto foi considerado em publicação que conheceu reedições e constitui hoje importante fonte para estudos religioso-culturais, marcando a gravura de 1763 que a mostra orando perante a imagem a memória e representações posteriores: a Vida da Venerável Madre Teresa da Annunciada  do Pe. José Clemente (Lisboa, 1763. Escrito por um religioso de S. Felipe Neri, essa publicação indica relações entre a veneração dessa religiosa e mesmo do culto que fomentou com os ideais e o movimento oratoriano. (Veja)


A intensificação da adoração do Senhor Santo Cristo por ação de Teresa da Anunciada teve a suas primeira expressão maior em procissão realizada em 1698, alcançando porém significado de comoção pública por ocasião de um terremoto em 1713. Durante uma procissão, embora tendo sido um abalo sísmico tão forte a ponto de derrubar a imagem, teria sido êle cessado por intervenção milagrosa da imagem, o que explica também a sua designação de Santo Cristo dos Milagres.

Também sob o aspecto dos estudos relacionados com o Brasil - em particular com os açorianos e seus descendentes no país - uma atenção voltada a Teresa da Anunciada assume relevância por possibilitar o esclarecimento de contextos comuns e interações.

É a sua consideração que revela as dimensões mariológicas do culto que tanto marca a cultura dos açorianos e seus descendentes, assim como, entre outros aspectos, do papel desempenhado pela mulher em processos religioso-culturais. Pode abrir assim novas perspectivas para a análise de expressões e desenvolvimentos que também dizem respeito ao Brasil e que constitui pré-condição para estudos demopsicológicos e críticos a serviço do esclarecimento e mesmo da superação de condicionamentos.

Ribeira Seca em Ribeira Grande - Marianismo e elos missionários com o Brasil

Ribeira Seca é uma pequena localidade costeira, conselho de Ribeira Grande, não muito distante de Ponta Delgada. Sob o patrocínio de São Pedro, a freguesia distingue-se até hoje pelas grandes festividades que ali ocorrem por ocasião da festa de 29 de junho, em particular pelas suas tradicionais cavalhadas.

A intensidade dessa dedicação ao apóstolo explica-se pelo significado do mar de antigo povoado de pescadores e torna compreensível o significado do mar, das águas em geral, à Igreja e a Maria no edifício cultural.

Coerentemente, Ribeira Seca é marcada por um intenso culto mariano, evidenciado em igrejas e capelas, e, de época mais recente, de monumental escadaria que leva a capela no alto de uma montanha e que domina a região. Esse significado do culto mariano não se limita à localidade, mas vale para toda essa região costeira, o que também se exprime em denominações de localidades (por ex.. Conceição) e em grande número de igrejas.

O povoado foi marcado na sua memória pelo fato de ter sido destruído por uma erupção do Pico do Sapateiro em 1563. A reconstrução do povoado decorreu à época de intensos esforços de restauração religiosa no espírito da reforma interna católica cujo marco foi o Concílio de Trento, o que pode explicar as principais características da formação e da ação de Teresa da Anunciada.

Já o fato de ter sido batizada como Teresa de Jesus pode ser visto como indício de correntes teológicas e eclesiásticas que acentuavam a devoção em Jesus, sobretudo também através da ação de ordens religiosas, em particular dos Franciscanos.

Nascida de pai original de Ribeira Seca, que faleceu já em 1666, Teresa foi marcada na sua formação pela sua mãe, Maria do Rego Quintanilha, proveniente da vila do Nordeste. Esta era marcada por uma religiosidade de características místicas, sendo conhecida e procurada como vidente em Ribeira Grande.Também a sua filha teria uma vida espiritual marcada por exaltação mística e visionária, tendo a tradição transmitido a notícia de ver e ouvir em estado de introspecção conselhos e ordenações, orientando-se segundo elas nas suas ações, mesmo quanto a detalhes de configuração e ornamentação.

A vida religiosa da família teve a sua extensão no Brasil através da atuação de um dos filhos de Maria do Rego como missionário no país, cujo nome religioso - Frei Simão do Rosário - também indica o significado da devoção mariana e da prática do rosário na sua época. Retornando, foi o principal mentor de suas irmãs, marcando assim a formação de Teresa da Anunciada.

A intensidade do marianismo nessa formação evidencia-se no fato da ter-se notícia de que Teresa orientou-se segundo modêlos de condução de vida feminina dos Evangelhos. Sendo em tradição teológica os conceitos de vita activa e vita passiva ou contemplativa relacionados com Marta e Maria, ou melhor com Marta e Maria Madalena, cabendo a Maria uma posição central ou integradora, teria Teresa sentido a vocação para seguir não o caminho de Marta e, assim, o da vida doméstica, mas o de Maria, entrando na vida religiosa. Ali, porém, não seguia tanto o exemplo de Maria Madalena, dedicando-se apenas à contemplação, mas ativo-contemplativamente a intensas atuações a serviço religioso.

Considerações a partir do nome religioso „Anunciada“ - o Espírito Santo

Nesse caminho de vida, Teresa de Jesus entrou no Convento de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada, iniciando em 1681 o seu noviciado, tendo feito votos solenes em 1683. Teresa inseriu-se numa comunidade que, pela sua história e cultura espiritual correspondia sob vários aspectos àquelas de sua formação. Tanto a dedicação do convento como o próprio nome de religiosa que escolheu - Anunciada - manifestam o significado de concepções marianas na sua vida e atuação e evidenciam a necessidade de considerá-las com particular atenção nos estudos culturais.

O seu nome religioso teria adotado por orientação do seu confessor, Frei Francisco da Anunciada. Tanto a invocação de Nossa Senhora da Esperança como a do nome Anunciada dizem respeito a Maria que, anunciada pelo anjo e concebendo do Espírito Santo, esperava o seu Filho. É significativo que, por ocasião do seu ingresso na ordem, realizou-se uma solene  procissão que saiu da igreja franciscana de Nossa Senhora das Conceição.

Essa focalização na expectação pressupõe a ação do Espírito Santo, de modo que a vida e a obra de Teresa da Anunciada insere-se no intenso culto do Espírito Santo que sempre marcou da forma mais intensa a cultura dos Açores.

Nossa Senhora da Esperança no seu significado para o Brasil

O fato de ter adotado o nome do seu confessor indica também o papel relevante que este teve na sua formação e que permite supor uma especial atenção a concepções teológicas e práticas meditativas relacionadas com Maria na sua denominação de Nossa Senhora da Esperança.

Sob esta - e outras denominações correspondentes - Maria era invocada e consistia alvo de devoção já secular em Portugal, em particular na tradição franciscana. Com essa devoção, estabelecem-se assim estreitos elos de Portugal e dos Açores com o Brasil, uma vez que marcou a vida religiosa dos principais vultos do seu Descobrimento.

Maria foi venerada na imagem de Nossa Senhora da Esperança na esquadra de Pedro Álvares Cabral (1467/68-ca.1520) quando da Descoberta e recebeu culto por ocasião da celebração da primeira missa pelo Frei Henrique Soares de Coimbra OFM (?-1532).

A consideração atenta das concepções e imagens referentes a Nossa Senhora da Esperança, assim como o desenvolvimento histórico das respectivas formas do culto, sua difusão e as características que assumiu em diferentes contextos adquire assim fundamental significado para estudos de processos culturais relacionados com o Brasil.

O contexto adventício. O Magnificat, as antífonas do Ó e Nossa Senhora do Ó

Neste contexto, o convento dessa denominação em Ponta Delgada e sobretudo a vida e a obra de Teresa da Anunciada merecem ser considerados sob diversos aspectos.

Em primeiro lugar pode-se partir do caráter adventício do culto sob essa invocação, à correspondente época do ciclo do ano religioso e na qual também cai a festa da Imaculada Conceição.

É a partir dessa atenção ao período do Advento que pode-se estabelecer a ponte entre a dedicação do convento e a dedicação mariana que se evidencia no nome de Teresa e a adoração que devotou à imagem do Cristo conservada na comunidade em que entrou.

Nas reflexões encetadas no Convento de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada, foram relembrados alguns aspectos dos estudos voltados ao Magnificat no seu significado para os estudos culturais que foram desenvolvidos desde 1977 e que tiveram a sua expressão contextualizada por último nos trabalhos levados a efeito em 2018 no Caribe. (Veja)

Nos Açores a atenção foi dirigida às assim-chamadas „Antífonas do Ó“, assim conhecidas pelo fato dos seus textos iniciarem.-se com O. De remota proveniência, já em uso pelo menos no século VII, eram cantadas no Magnificat das Vésperas dos últimos sete dias do Advento. O significado dessas antífonas evidencia-se pelo fato de que Nossa Senhora da Esperança também ser conhecida com o nome de Nossa Senhora do Ó.

É a partir do conteúdo dos textos cantados na época adventícia que se pode pode considerar também sentidos da imagem venerada pelos açorianos nas suas complexas referências com as Escrituras.

Nessa consideração, deve-se partir do conceito de Sabedoria, expresso já na abertura da série de antífonas e que pode ser visto como idéia condutora que estabelece a ponte entre o pedido de vinda com a revelação do caminho da sabedoria. (Sap 7,22; Spr 8,22)

As característicaas do culto nos Açores conduz a atenção sobretudo aos textos que indicam conceitos de soberania e realiza, expressos tanto na designação de Senhor como na manta e outros atributos das imagem. Na antífona cantada no dia 22 de dezembro, entoa-se o „O rex gentium“, no qual não só o conceito  de „rei de todos os povos“ é expresso, como também o da esperança como „pedra angular que tudo sustenta“ na expectativa da vinda do Salvador (Jes 33,22; Apg 4,11)

O rex gentium/et desideratus earum/lapisque angularis/ qui facis utraque unum:/veni et salva hominem,/ quem de limo formasti.

A antífona do dia 23 de dezembro, „O Immanuel“, designa Cristo como rei, „exspectatio gentium“ e Salvador.

O Immanuel, / Rex et legifer noster, /exspectatio gentium, et Salvator earum: /veni ad salvandum nos, /Domine, Deus noster.

Trata-se assim de um contexto coerente de elos entre concepções mariológicas e cristológicas, de um posicionamento da religiosa visionária segundo o modêlo de Maria expectante.

De Rorate a Rogate nos estudos da imagem e das expressões tradicionais

Se as antífonas do O contribuem à análise de sentidos da imagem e das expressões tradicionais açorianas, trazendo à luz concomitantemente as dimensões músico-culturais do edifício de concepções e imagens, a ponte entre o período do Advento e aquele da época do calendário a que se referencia culto fomentado por Teresa da Anunciada revela-se sobretudo a partir de considerações do texto Rorate caeli desuper (Jes 45,8).

Esse texto, cantado antes do nascer do sol ou às Vésperas à luz de velas nas „missas Rorate“, marcou certamente a vida religiosa conventual do Advento à época de Teresa Anunciada (Rorate caeli desuper, et nubes pluant iustum: aperiatur terra, et germinet Salvatorem). O Rorate diz mais especificamente respeito ao quarto domingo do Advento, onde se entoa o Introitus Rorate e quando, no Evangelho, a atenção é voltada à Anunciação a Maria pelo anjo Gabriel.

O Museu do Franciscanismo em Ribeira Grande


Estas reflexões encetadas no convento de Ponta Delgada tiveram continuidade no Museu do Franciscanismo Vivo em Ribeira Grande. A visita a essa instituição impõe-se pelo fato de ter como objeto o tratamento museológico da ação dos Franciscanos desde os primeiros tempos do povoamento do arquipélago e, assim, dos pressupostos religioso-culturais do contexto em que se inseriu Teresa da Anunciada e o culto por ela promovido.

Como considerado no museu, a presença franciscana nessa região remonta a fins do século XV, quando ali passaram a atuar religiosas de Santa Clara do Mosteiro de Jesus. Ao longo do século XVI, os Franciscanos edificaram vários conventos, um desenvolvimento que justificou, em 1594, a constituição das primeira Custódia açoriana, subordinada à Província do Algarve.

No fiinal do século XVI, um hortelão e sua mulher fizeram doação de terreno e e meios para a edificação de uma ermida a Nossa Senhora de Guadalupe e, a seguir, com participação da população, de um convento franciscano, obras iniciadas em 1612.

No museu instalado na antiga igreja, secularizada no século XIX, salienta-se que o Franciscanismo continua vivo na atualidade. A forte presença franciscana no espaço insular no passado teve consequências para o presente. Lembra-se na exposição a „pujança da religiosidade mendicante, com um marcado carácter humanista, onde o voto de pobreza, a missionação, a pregação itinerante e a competência educativa“ enraizaram-se na cultura das ilhas.

Na exposição, dá-se particular atenção às expressões quaresmais, à Paixão e a práticas e irmandades locais de penitentes. As reflexões em Ponta Delgada, porém, trazem à consciência que esse acento dado à Paixão não esgota as possibilidades de interpretações do papel franciscano em processos culturais e de sentidos das expressões tradicionais. A saliência do aspecto passional não pode ofuscar aqueles anunciadores imbuídos de esperança, expectativa do Rorate e mesmo de júbilo que se manifesta em expressões tradicionais da época do Rogate.

Em continuidade: relato de observação participante na ilha de São Jorge. (Veja)

De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Esperança como conceito condutor.As Antífonas do Ó  e a expectativa adventícia
De Rorate a Rogate em expressões tradicionais dos Açores em relações com o Brasil.O Franciscanismo em processos culturais: Teresa da Anunciada (1658-1738)“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 175/5 (2018:5).http://revista.brasil-europa.eu/175/Antifonas_do_O_na_cultura.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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