O „folclore do dia-a-dia“ e o artesanato
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 175

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Santo Amaro, Pico. Foto A.A.Bispo 2018

Santo Amaro, Pico. Foto A.A.Bispo 2018




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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 175/14 (2018:5)


O „folclore do dia-a-dia“ em conceituação brasileira,
o estudo de processos culturais no quotidiano
e o fomento do artesanato no Brasil e nos Açores


In memoriam Profa. Dr. Dr. Julieta de Andrade (†2018)
Escola Regional de Artesanato de Santo Amaro, ilha do Pico

 

Nos estudos levados a efeito em 2018 nos Açores lembrou-se de um debate que há 50 anos marcou as preocupações quanto à necessidade sentida de renovação da conceituação, de procedimentos, ensino e práticas na área dos estudos de Folclore no Brasil: aquele do „folclore do dia-a-dia“.

Essa lembrança foi motivada pelo falecimento de uma das pesquisadoras e intelectuais que mais se distinguiram nessa discussão e no prosseguimento das reflexões nas décadas que se seguiram: Julieta de Andrade.

O conceito por ela defendido na „Escola de Folclore“ da Associação Brasileira de Folclore, em São Paulo, foi acompanhado por reflexões sobre a necesssidade de reconsiderações da conceituação da área de estudos. (R. Tavares de Lima e J. de Andrade, Escola de Folclore. Pesquisa de cultura espontânea, São Paulo: Escola de Folclore 1983)

Não tendo como objeto uma cultura do quotidiano, mas um folclore do quotidiano, o conceito favorecia um distanciamento relativamente a critérios convencionalizados como definidores do que deveria ser considerado como fato folclórico.

Compreensões e modos de proceder marcados consciente ou inconscientemente por fatores como tradicionalidade e ruralidade passaram a ser modificados através do reconhecimento de uma dinâmica modificadora do objeto de estudos e o da questionabilidade de distinções entre o rural e o urbano.
Uma das soluções propostas para a redefinição do termo folclore foi a de considerá-lo como „cultura espontânea“, o que, porém, apenas levou a um deslocamento dos problemas teóricos, agora
marcados pela discussão sobre o conceito de espontaneidade, do dirigido ou não.
Essa discussão levou a um atenção privilegiada ao quotidiano da disciplina Folclore em conservatório orientado pela Sociedade Nova Difusão Musical (1968). O direcionamento da atenção a processos na pesquisa e na prática promovido por esta sociedade trouxe à consciência as complexas implicações das intenções e do conceito que ainda mantinha aproximações determinadas por
Escola Regional Artesanato, Pico. Foto A.A.Bispo 2018
categorizações do objeto.

No âmbito dos estudos superiores, o empenho pelo estudo de processos culturais do quotidiano e sua aplicação educativa manifestou-se na área da Etnomusicologia instituída na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, quando, entre 1972 e 1974, realizaram-se trabalhos de graduação sobre o quotidiano por professores do ensino secundário nos seus respectivos meios de vida e atuação.

Essas reflexões iniciadas no Brasil tiveram a sua continuidade em cooperações internacionais, sendo desenvolvidas em colóquios, seminários e simpósios em diferentes instituições e contextos.

Entre esses eventos, destacaram-se aqueles realizados em museus ou áreas museológicas ao ar livre em diferentes países. Essas instituições oferecem-se de modo particularmente expressivo para a consideração da problemática referente a estudos do quotidiano nos seus diferentes aspectos, históricos, empíricos, patrimoniais, museológicos, ambientais ou educativos.

Em muitos deles oferecem-se cursos voltados à memória e à perpetuação de conhecimentos e práticas, de técnicas artesanais ou de manufaturas. Designados como de cultura local ou regional, de „terra natal“ como os Heimatmuseen na Alemanha, e em países que receberam imigrantes como coloniais ou de imigração, essas instituições tematizam questões de memória e identidade cultural.

O interesse por questões de identidade passou a ser preponderante nos estudos culturais nas últimas décadas, constata-se porém uma transformação quanto à sua contextualização político-cultural. Se em princípio foi característica do pensamento e de aproximações marcados por intentos de renovação teórica e assim progressistas, na atualidade o conceito e as preocupações com êle relacionadas são sobretudo registrados em pensadores, grupos e movimentos ultra-conservadores de cunho identitário, povista e nacionalista em crítica ao multiculturalismo a favor de um etnopluralismo.

Sob o pano de fundo desssa discussão político-cultural da atualidade desenvolveram-se as observações nos Açores quanto à identidade cultural - uma açorianidade - nas suas relações com   o estudo e iniciativas de conservação e difusão. (Veja)


Uma particular consideração mereceu a existência do Prêmio CoMTradição atribuído pela Vice-Presidência do Govêrno através do Centro Regional de Apoio ao Artesanato com o fim de distinguir ações e trabalhos expressivos na área, com manifesta ênfase na preservação e ampliação da identidade cultural dos Açores.

Em 2014, esse Prêmio foi atribuído a Alzira e Conceição Neves, idealistas e especialistas que, em 1986, fundaram, no Pico, a Escola Regional de Artesanato de Santo Amaro, ilha do Pico.

Essa escola compreende-se como oficina e museu da vida rural, sendo a primeira do gênero dos Açores.

Através da escola, as iniciadoras contribuem para a vida e o desenvolvimento do artesanato através da difusão de informações e técnicas de trabalho.

Estas abragem, entre outros, trabalhos em palha de trigo, em escama de peixe, miolo de figueira, papiro e hortência, rendas e bordados.

Instalado em antiga casa, a Escola possui uma loja de objetos assim elaborados e publicações culturais e, nos fundos, um pequeno museu com uma grande diversidade de artigos expostos e que se compreende como uma „mostra de memórias“.

Nos vários espaços da casa, os objetos são dispostos no sentido de reconstrução de modos de vida e de trabalho em passado não remoto e em parte ainda do presente.

Esse procedimento corresponde àquele de muitas outras áreas museológicas do gênero em outros países. Nelas e em outros espaços apresentam-se trabalhos realizados na escola.

Com essa instituição, constata-se no Pico um fenômeno registrado em outras partes do mundo, por último na Grécia, e que demonstra o papel - sobretudo feminino - de cunho idealista na preservação de técnicas e modos de vida considerados como relevantes para a memória e identidade cultural local e regional. (Veja


Esse trabalho tornou-se conhecido no Brasil através da participação de Maria da Conceição Melo Neves Pereira na  Primeira Mostra Cultural e Turística dos Açores, levada a efeito em Porto Alegre, em setembro de 1991.

Nessa ocasião, os tradicionalistas e pesquisadores gaúchos puderam constatar as similaridades entre práticas artesanais no Rio Grande do Sul e nos Açores, explicável pelo papel desempenhado por imigrantes açorianos no povoamento e no desenvolvimento da região.



De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ O „folclore do dia-a-dia“ em conceituação brasileira, o estudo de processos culturais no quotidiano e o fomento do artesanato no Brasil e nos Açores“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 175/14 (2018:5).http://revista.brasil-europa.eu/175/Artesanato_Brasil_e_Acores.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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