Cultura no Turismo - identidade/sustentabilidade
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 175

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Foto A.A.Bispo 2018




Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Museu Carlos Machado, Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018

Foto A.A.Bispo 2018

Foto  A.A.Bispo 2018


Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 175/15 (2018:5)




O debate cultural nos Açores na sua atualidade e no seu significado
a temática identidade/sustentabilidade discutida
no Ano Internacional do Turismo Sustentável/UNESCO (2017)

Turismo e Estudos Culturais: a excursão de Dante de Laytano (1908-2000)
nos estudos açorianos no Brasil - 60 anos


Museu Carlos Machado, Museu Militar dos Açores, Museu do Pico, Exposição Interpretativa da Paisagem da Cultura da Vinha


 
Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Nos ciclos de estudos de processsos culturais levados a efeito nos Açores em agosto/setembro de 2018, procurou-se constatar o estado atual das pesquisas, as tendências de pensamento e as iniciativas regionais com o objetivo de atualização de conhecimentos, enfoques e procedimentos nas reflexões em contextos globais.

Com essa intenção, a realização de balanços do desenvolvimento dos estudos euro-brasileiros relacionados com os Açores das últimas décadas surgiu também como presssuposto necessário.

Os Açores nos estudos em contextos globais, diálogos e interações

Vários foram as datas e ocorrências que levaram à escolha do arquipélago e que marcaram a programação.

Decidiu-se realizar um ciclo de estudos nos Açores por motivo da passagem dos 85 anos do Dr. Armindo Borges, membro fundador e vice-presidente do Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e conselheiro da Academia Brasil-Europa. Este musicólogo e teólogo açoriano foi responsável pela presença dos Açores nos trabalhos e nos eventos das instituições na Europa e no Brasil das últimas décadas. Vivendo na Europa continental e estreitamente vinculado com círculos da imigrantes de língua portuguesa na Alemanha e no Canadá, fomentou o interesse de estudiosos pelos Açores, contribuindo ao reconhecimento da sua importância e da necessidade de consideração mais atenta do desenvolvimento do pensamento e dos procedimentos relacionados com questões culturais no próprio arquipélago.

Em colóquios e simpósios, os Açores foram frequentemente considerados nos estudos euro-brasileiros, bastando lembrar que o arquipélago esteve representado em congressos internacionais promovidos pela A.B.E. e pelo I.S.M.P.S. em cooperação com órgãos governamentais e universidades, como  aqueles realizados no Rio de Janeiro em 1992, em Colonia, em 1999, e em Porto Alegre, em 2002.

Também realizaram-se visitas a comunidades açorianas em outros países, como aquelas dos EUA e do Canadá, salientando-se aquelas no Havaí (Veja) e em Mississauga/Toronto. (Veja) O principal escopo foi neste sentido o de tomar conhecimento e considerar no debate científico-cultural global o pensar e o agir de integrantes de diferentes contextos, de instituições e agentes de desenvolvimentos na procura de interações de processos intelectuais em ultrapassagem de fronteiras.

O direcionamento da atenção a processualidades e o conceito de identidade cultural

Reconscientizar-se do anelo de direcionamento da atenção a processos e processualidades - também e sobretudo quanto ao pensar e ao proceder - torna-se oportuno pela passagem dos 50 anos da organização criada com esta finalidade, a sociedade Nova Difusão, fundada em São Paulo, em 1968, marco de um desenvolvimento de reflexões que marcaram os estudos das décadas que se seguiram.

Essa orientação nasceu da reconhecida necessidade de superação de modos de pensar, de concepção de áreas disciplinares marcados por categorizações do objeto, o que vale também para a própria conceituação de cultura. Os Açores oferecem de modo particularmente favorável pela sua geografia e história para o estudo de processsos e processualidades. A intenção foi a de procurar considerar tendências do pensamento e de iniciativas regionais à luz dessa orientação.

Julieta de Andrade 2004. Arquivo A.B.E.
Esse intento foi marcado também pela recapitulação de diálogos e debates sobre conceitos e procedimentos nos quais se destacou a  Profa. Dra.Dr. Julieta de Andrade, cuja personalidade e obras merecem ser recordadas no presente ano do seu falecimento. Desempenhando um papel relevante na pesquisa e no ensino na no âmbito da Associação Brasileira de Folclore, do respectivo Museu e Escola em São Paulo, distinguiu-se pelo seu empenho em conceber esssa área de estudos como Ciência, um intento que levou-a a ampliar inovativamente conceituações e o espectro de interesses, ultrapassando limites disciplinares e mesmo delimitações geo-culturais e nacionais. (R. .Tavares de Lima, A Ciência do Folclore, segundo diretrizes da Escola de Folclore, São Paulo: Ricordi 1978)

Esse desenvolvimento do seu pensamento e dos seus estudos foram acompanhados pela sua preocupação por questões de identidade cultural. (J. de Andrade et alii, Identidade cultural no Brasil, Vargem Grande Paulista: A9Editora 1999)

Os problemas de coerência e consistência teórica nas reflexões sobre esse conceito determinaram os diálogos das últimas décadas. O risco de uma concepção estática de identidade, baseada na categorização do objeto através de sua qualificação regional ou nacional foi reconhecida como estando em contradição com um direcionamento da atenção à processos, sendo que esta implica no reconhecimento de transformabilidades de identificações, pressuposto para o exercício pleno liberdade do homem em analisar e superar condicionamentos a partir de valores, entre eles aqueles éticos e ecológicos.

Nos anos mais recentes, essas preocupações foram acentuadas devido ao emprêgo político-cultural do conceito de identidade por grupos e movimentos políticos de orientação nacionalista, povista e mesmo explicitamente identitária. À luz desse debate, procurou-se dar particular atenção a reflexões relacionadas com o conceito de identidade nos Açores.

Estudos Culturais e Turismo - problemática de relações e interações

Uma das preocupações de pesquisadores de meio século disse respeito às relações entre estudos culturais e turismo. De início, foram elas marcadas pelo esforço em distinguir claramente pesquisas científicas que exigiam viagens para visitas de instituições e sobretudo para observações e participações observantes in loco daquelas viagens para fins turísticos. Tomava-se o cuidado que os projetos de natureza científico-cultural não fossem consideradas como sendo de turismo cultural o que poderia colocar em questão os seus objetivos, cientificidade e mesmo a sua justificação para a obtenção de apoios de órgãos de promoção científica.

Essa preocupação era resultado do intento de defender e procurar desenvolver os estudos culturais como atividade científica, superando, sobretudo no caso do Folclore, modos de proceder que surgiam como diletantes e por demais marcados pelo envolvimento emocional e falta de distância do observador. Designar estudos que procuravam ser de natureza científica como resultados de turismo cultural surgia como ato depreciatório.

Essas preocupações revelavam-se porém sob diferentes aspectos como em contradição com a prática.  Não só muitos pesquisadores dedicavam-se a estudos de campo em época de tempo livre e lazer de outras atividades profissionais, como também eram movidos pelo desejo de conhecimento de outros lugares, pelo fascínio exercido por determinados grupos étnicos e culturais, por expressões, contextos e situações, sendo obrigados a reconhecer que a fruição da experiência participativa representava importante fator na interpretação e no tratamento do observado.

As interações entre o turismo cultural e os próprios estudos culturais tornavam-se evidentes no fato de que o despertar de interesses por temas e áreas de estudos, determinando com focalizações e pesos o desenvolvimento da pesquisa, era em muitos casos devido a conhecimentos obtidos por pesquisadores em excursões e viagens a países, regiões e cidades não ou pouco conhecidas.

Essas interações valiam não apenas para a história mais remota da história das ciências, em particular da Geografia e da Etnografia através das viagens de europeus a regiões extra-européias, mas também para a historia mais recente, sobretudo através das viagens de pesquisadores que, partindo de países de formação colonial, eram movidos pelo desejo de conhecimento do contexto geográfico e histórico-cultural de origens.

O desenvolvimento dos estudos açorianos no Brasil pode ser considerado como um exemplo das consequências trazidas por uma excursão cultural assim motivada, aquela realizada em 1958 por Dante de Laytano, historiador e intelectual de múltiplos interesses do Rio Grande do Sul que foi durante anos considerado como o maior representante e promotor dos estudos açorianos no Brasil.

Turismo cultural e estudos açorianos no Brasil: a excursão de Dante de Laytano (1958)

A competência e o empenho entusiástico de Dante de Laytano foram resultado sobretudo do fato de ter realizado a primeira excursão cultural até então feita por um brasileiro pelas nove ilhas do arquipélago.  Lembrar essa sua viagem de 1958 justifica-se não só pelo fato de ter sido a primeira apoiada e subvencionada oficialmente de estudioso brasileiro com o objetivo da realização de viagem aos Açores, como também pelas publicações que dela resultaram e que em grande parte co-determinaram o desenvolvimento dos estudos.

A reflexão sobre o conceito de identidade cultural não pode deixar de considerar a própria identificação cultural do observador, e que, no caso de Dante de Laytano, era determinada primeiramente pelo fato de ser vinculado na sua formação, na sua atividade de historiador e emocionalmente com o Rio Grande do Sul. Com referência aos estudos açorianos desenvolvidos em outras regiões do Brasil, outros autores e perspectivas necessitariam ser lembrados, entre outros, para Santa Catarina, Osvaldo R. Cabral (1903-1978).

O interesse de Dante de Laytano pelos Açores foi não apenas despertado pelo reconhecimento do papel da imigração e colonização açoriana no Rio Grande do Sul através de seus estudos, mas sim por motivos afetivos de natureza familiar. Embora sendo de ascendência migratória italiana, foi impregnado por uma „alma lusitana“ através da sua primeira e da sua segunda esposa, provenientes respectivamente dos Açores e de Portugal continental.

Laytano salienta o pioneirismo de João Borges Forte (1872-1942) no despertar de interesses pelo arquipélago pelo fato de ter sido o único autor de um livro especialmente dedicado aos açorianos. Aquele historiador, conhecido por contribuições para a biografia de muitos vultos e muitos outros aspectos culturais do Rio Grande do Sul, publicara um livro significativamente denominado de Casais (Rio de Janeiro, 1932) e que, alcançando considerável divulgação, contribuíra ao despertar de interesses pelos Açores no contexto dos estudos histórico-regionais e regionalistas.

Dante de Laytano dedicou porém a viagem que empreendeu aos Açores à memória do historiador Aurélio Porto (1879-1945), por ter este sempre acalentado o ideal de conhecer o arquipélago, o que não pôde realizar. Fora êle que, como estudioso da história do Rio Grande do Sul, com trabalhos significativos entre outros sobre a Revolução Farroupilha e os sete povos das Missões, tivera o desejo de viajar às ilhas por ter reconhecidoa ascendência açoriana de grande parte dos gaúchos.

Laytano lembra também de Olyntho Sanmartin (*1896), bibliotecário do Instituto Histórico e Geográfico - um autor particularmente conhecido através de seus estudos sobre o teatro em Porto Alegre - por ter-se dedicado à história dos Açores, o que o possibilitou a apresentar uma síntese histórica do Arquipélago ao I Congresso Catarinense de História, levado a efeito em Florianópolis, em 1950.

O interesse pelas relações entre o Brasil e o Açores marcou a trajetória de Dante de Laytano como historiador. Em 1940, participou do Congressso do Mundo Português com a tese „O Português dos Açores na consolidação do domínio lusitano no extremo sul do Brasil“. Em 1946, apresentou ao Congresso de História e Geografia motivado pelo I centenário da elevação de São Leopoldo a vila, o trabalho „Açorianos e alemães no desenvolvimento da colonização e agricultura no Rio Grande do Sul“. Nesse estudo, tratou sob a história econômica comparada com a história social de região tradicional luso-brasileira que recebeu o influxo da imigração alemã. Em 1948, tomou parte dos festejos do bi-centenário da colonização açoriana em Santa Catarina.

Laytano voltou a tratar dos Açores em outros trabalhos, entre outros, „Cidade açoriana da América Portuguesa - Taquari“ e „História documental de sua fundação. A primeira cidade açoriana do Rio Grande do Sul“.

Participou, com „Os açorianos no Brasil“ do II Colóquio Luso -Brasileiro, realizado em São Paulo, 1954. Foi autor do verbate „Os açorianos, sua história e geografia no Rio Grande do Sul“ na Enciclopédia Rio-grandense, em 1955, e participou no I Congresso Brasileiro de Dialetologia, em Porto Alegre, em 1958, com o trabalho „Influência açoriana na linguagem do gaúcho“.

Estudos de fontes na justificativa de excursão turístico-cultural e jornalismo

A viagem aos Açores já acalentada por Aurélio Porto pôde ser realizada através do apoio do educador Anísio Teixeira procurado por Dante de Laytano no âmbito da Comissão de Aperrfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES).

Tomando conhecimento do projeto e dos argumentos com os quais Laytano salientava o significado dos açorianos para o Rio Grande do Sul, Anísio Teixeira (1900-1971) possibilitou-lhe em 1958 a viagem, devendo esta porém incluir visitas ao Arquivo Ultramarino e à Torre do Tombo em Lisboa. Com essas visitas, o projeto deixava de ter um cunho turístico mais evidente, justificando o apoio governamental. Significativamente, Dante de Laytano foi levado a realizar um levantamento bibliográfico para constituir um relatório a ser apresentado a Anísio Teixeira, publicado posteriormente na Revista do Instituto Histório e Geográfico Brasileiro (1962).

A excursão ao arquipélago teve em grande parte porém claramente um cunho turístico-cultural e jornalístico, oferecendo ao autor variadas impressões e possibilitando-lhe diferentes atividades intelectuais e contatos. De significado foi uma série de artigos dominicais que Dante de Laytano teve a oportunidade de publicar no Correio do Povo entre novembro de 1958 e março de 1959 e que foi posteriormente republicada na primeira parte do seu Arquipélago dos Açores. (Porto Alegre: Est-Editora-ND-1987)

A excursão de 1958 aos Açores como marco e motivação de estudos e iniciativas

Já tendo-se distinguido por suas publicaçõess sobre Taquari, cidade fundada por açorianos, Dante de Laytano participou, em 1960, das comemorações do seu bi-centenário. Em 1967, apresentou, em São Paulo, uma tentativa de „sintetizar o arcabouço genético da presença do ilhéu“ no folclore, no vocabulário gauchesco, na construção, nas devoções e hábitos. O aspecto sociológico parecia-lhe de central importância por representar „a força controladora do caudilhismo brasileiro“, que seria diferente do caudilhismo platino, argentino ou uruguaio. Esta seria, para Dante de Laytano, a grande marca antropológica açoriana no Brasil.

Importante contribuição para o despertar de atenções de historiadores em dimensões nacionais para o significado dos açorianos no Brasil foi o seu estudo „A imigração e colonização luso-açoriana na América Portuguesa e em particular no Rio Grande do Sul“ apresentado ao Simpósio da Associação de Professores Superiores de História, em São Paulo, em 1967.

O próprio Dante de Laytano salientou porém a necessidade de um contínuo prosseguimento dos estudos a partir de outros ângulos na II Semana de Estudos Açorianos, evento realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1984.

O „Arquipélago dos Açores“ relido à luz da problemática Turismo/Cultura

Museu do Pico. Foto A.A.Bispo 2018.
O que faz com que uma obra como o Arquipélago dos Açores cause hoje estranheza nos meios acadêmicos. fazando com que surja como não-atual, é antes uma questão formal e estilística, de organização interna e sistematização, de uma linguagem que inclui observações, reportagens, relatos pessoais, afirmações e arroubos emocionais.

Esquece-se que essa publicação resultou de uma composição de textos de diferentes épocas, com tentativas de pontes e atualizações, o que explica repetições e uma impressão geral de falta de coordenação interna.

Nas suas três partes, o autor trata respectivamente da viagem, de leituras e de suas influências. Em apêndice, o autor considera desenvolvimentos mais recentes, novas estruturas político-sociais e novos estudos, mencionando tendências político-culturais no campo de tensões entre independência e solidariedade em autonomia, assim como assuntos referentes à economia, ao turismo e à ecologia.

A sua visão marcada por afeto regional e entusiasmo pelos Açores manifesta-se na afirmação de que „o Rio Grande do Sul tudo deve ao ilhéu“. O seu propósito foi o de demonstrar que o Rio Grande do Sul, „inteiramente açoriano“ no século XVIII, ainda revelaria uma „nítida, perfeita e íntegra“ presença do açoriano.

Mencionando o seu mentor Gilberto Freire (1900-1987), afirma: „o mundo que o português criou encontrou o açoriano no Rio Grande do Sul, onde ele montou e vive uma cultura típica e regional das mais belas“. (op.cit. 31)

A „Cultura no Turismo“ como tema da Revista de Cultura CulturAçores

A consideração nos estudos culturais de situações e desenvolvimentos atuais na vida intelectual, cultural e artística nos Açores não deve resumir-se à constatação do dinamismo que se evidencia em várias iniciativas e instituições, em concertos, exposições, conferências e museus.

O pensamento referente à cultura nos seus múltiplos aspectos e as reflexões que fundamentam e orientam a política e a prática cultural merecem ser considerados com especial atenção. Os questionamentos, as preocupações e o nível das reflexões que se registram em publicações como a Revista de Cultura CulturAçores são de significado que ultrapassam de muito os limites regionais, representando contribuições relevantes para uma Ciência da Cultura em geral nesa suas relações com os estudos da própría ciência.

Entre os muitos complexos temáticos tratados nessa publicação semestral da Secretaria Regional da Educação e Cultura/Direção Regional da Cultura sob a direção de Nuno Ribeiro Lopes, editada em Angra do Heroísmo,Terceira, pode-se destacar aquele que trata do tema „A Cultura no Turismo“ nos seus múltiplos aspectos. (Nr. 6 janeiro-junho 2017). Essa temática foi motivada pela celebração do „ano internacional do turismo sustentável“ proposto pela UNESCO em 2017.

No seu editorial, de título „Ser motor de diferenciação“, Nuno Ribeiro Lopes considera fatores que justificam determinadas visões e orientações de procedimentos político-culturais no arquipélago e o significado dos Açores no debate científico-cultural global.

As dimensões do arquipélago e a sua insularidade permitem elos estreitos entre aqueles que tomam decisões e a população, o que favorece a criação de uma espécie de laboratório de políticas e estratégias com o envolvimento de comunidades.

A distância, o isolamento e um „hiato temporal“ contribuiram para que não só se configurasse uma identidade própria como também evitasse uma descaracterização territorial e cultural em certa imunição a modas passageiras e descontextualizadas.

Essas condições favorecem segundo o autor uma observação de decorrências à distância e maior capacidade crítica de escolha de caminhos. Em era da globalização, os Açores enfrentam a necessidade de conciliação do contemporâneo com a tradição e a sustentabilidade. Um processso de gradual transformação pôde ter-se desenvolvido por longo tempo de forma conciliadora das várias realidades, o aumento do turismo, porém, intensifica-o e levanta problemas. Manifesta-se agora como primordial a questão da sustentabilidade.

Singular é o emprêgo do conceito „resistência“ na argumentação do autor. Se até hoje teria havido uma „resistência passiva“, passa-se hoje a uma „resistência ativa“, no sentido de definição de metas a partir de novos conceitos. Muitos projetos já são marcados por essa orientação à diferenciação de uma matriz global, questionando processos gerados e apropriados a outros contextos.  Entre êles salienta-se o Ecomuseu do Corvo, o da Rede de Museus e Coleções Visitáveis dos Açores.

Autenticidade e sustentabilidade como princípios condutores

A autenticidade e sustentabilidade na relação entre museus e turismo é tratada por Luis Raposo, Presidente da Aliança Regional Européia do Conselho Internacional dos Museus (ICOM Europa). Considerando cartas e declarações internacionais sobre patrimônio cultural, museus e turismo cultural do Conselho Internacional dos Museus (ICOM) e do Conselho Internacional dos Monumentos e Sitios (ICOMOS), dez anos após uma declaração conjunta em defesa de um turismo cultural sustentável, o autor extrai dois princípios que deveriam regular as relações: autenticidade e sustentabilidade.

A interação entre turismo e museus pode afetar a preservação do patrimônio natural e cultural. Dos princípios recordados pelo autor, extrai este duas dimensões que considera essenciais na relação entre patrimônio, museus e turismo cultural: a defesa da autenticidade dos bens e a sustentabilidade, esta encorajando a interação entre visitantes e habitantes.

A autenticidade surge como essencial para que o turismo não adultere sentidos, seja sob o aspecto da cultural material, seja em relação ao patrimônio imaterial. Considerar o complexo conceito de autenticidade, tematiza a questão da reconstrução histórica ou do cultivo do „ruinismo“. O turismo cultural não deve constituir-se em fator de transformação, não cabendo ao turismo estabelecer o que é ou não autêntico.

Quanto à sustentabilidade, a atividade turística deve contribuir segundo Luís Raposo à manutenção a longo prazo não só de locais como de promoção das comunidades que os suportam. A relação entre Patrimonio Cultural e Turismo deve ser entendida como estrutural e estratégia.

Uma visão que reflete também preocupações pela manutenção de contextualizações, de sentidos e de elos comunitários encontra-se no texto de Luís Menezes, diretor do Museu da Horta, no qual salienta-se que o patrimonio deve ser visto como uma herança cultural que integra as comunidades locais, não devendo ser descontextualizado ou estereotipado como uma mercadoria comercial (pág. 17 ss).

Essas reflexões que implicam no complexo conceito do autêntico e da preservação de sentidos trazem à memória o debate levado a efeito em 2004 pela A.B.E. em São Paulo por ocasião do Colóquio Internacional de Estudos Culturais com a cooperação da Universidade de Bonn e do Centro Cultural São Paulo. Naquele encontro, salientou-se justamente a necessidade que se impõe de transformação esclarecedora de sentidos de expressões culturais tradicionais, sobretudo daquelas de fundamentação religiosa. A argumentação então discutida foi a de que o apoio e a preservação de folguedos, danças e outras expressões por parte de órgãos do Estado não pode implicar no fortalecimento de intuitos missionários inerentes à linguagem visual de expressões. O discurso relativo à autenticidade nos textos açorianos mereceria assim considerações mais diferenciadas.

Turismo cultural e museologia


O extraordinário significado que se empresta aos museus e à museologia nos Açores da atualidade se revela no texto de Jorge A. Paulus Bruno, diretor do Museu de Angra do Heroísmo. („Museu e Turismo“, op.cit. 31 ss). Um exemplo de sucesso dos empreendimentos museológicos salientado na edição é o Museu do Pico em texto do seu diretor, Manuel Francisco Costa Jr. („O Museu do Pico: um exemplo de sucesso“, op.cit. 23 ss.).


A principal instituição visitada no ciclo de estudos realizado nos Açores, o Museu Carlos Machado em Ponta Delgada, encontra-se representada nessa edição através de texto de Duarte Melo, seu diretor.

A coleção de História Natural, remontante aos trabalhos de
Carlos Maria Gomes Machado (1914-1997), Francisco Arruda Furtado (1854-1878) e Francisco Afonso Chaves (1857-1926)representa o fundo básico de uma instituição que se desenvolveu com a atuação de beneméritos e que permitiram a criação de grandes coleções em diversas áreas das Artes, da Etnografia, de meios de transporte, de mobiliário, de arte sacra, de trajes, de numismática, de brinquedos e outras.

No texto, salienta-se que o museu vive uma permanente inquietação que o leva a ultrapassagem de sua esfera, prolongando-se a todo o território da ilha São Miguel, promovendo um desenvolvimento que deve ser „inclusivo e harmônico“ („Uma cartografia para a inclusão“, op.cit. 35 ss).

A sua missão é definida explicitamente como a de ser um museu de terriório e de inclusão. O projeto Museu Móvel é um exemplo da proximidade à população.

Na visita ao museu, considerou-se porém que o conceito de inclusão exposto como objetivo das atividades do museu diferencia-se da compreensão mais generalizada desse termo nos estudos culturais e que esta coloca antes outros pesos e focalizações - o conceito é antes determinado pelo intuito de possibilitar a participação e a integração do ser humano nas suas diferenças, étnicas, de minorias, de capacitação física e mental ou outras.


Turismo cultural e o turismo na natureza

Um complexo temático de relevância é aquele tratado por José Toste, do VisitAzores/Turismo dos Açores, no qual o autor tece reflexões sobre a questão da compatibilidade entre o turismo cultural e o turismo na natureza tais como ecoturismo, geoturismo, turismo aventura ou outra forma de turismo responsável. Independentemente da opção de cada turista, para o autor todos essas ações apenas alcançam a sua plenitude na ligação do capital natural ao capital humano.

Uma das questões que levanta é aquela do significado do patrimônio  imaterial, em particular o religioso. Mencionando as solenidades do Espírito Santo, de extraordinária importância para os Açores, o autor refere-se à sua potencialidade quanto à atração de visitantes. Assim refletindo, e embora reconhecendo os limites de um tal intento, o autor toca num dos problemas que mais vem sendo discutido nas últimas décadas. Em muitas ocasiões, autoridades eclesiásticas e teólogos opuseram-se com indignação à instrumentalização  de manifestações religiosas para fins turísticos. Uma outra perspectiva, aquela da necessária neutralidade em questões religiosas de instituições oficiais e científicas, levantou a já mencionada questão de que medidas patrimoniais não-eclesiásticas para a preservação de expressões de sentidos religiosos pressupõe a atividade esclarecedora de sentidos e, eventualmente, reinterpretações.

Considerando o significado dos museus, José Toste salienta que a dispersão dos museus pelas diversas ilhas surge como fundamental para uma maior dispersão dos visitantes. („Turismo de Natureza e Turismo Cultural“, op.cit. 49 ss.).


Do ponto de vista  mais especificamente do patrimônio natural, de sua preservação e fruição, Andrea Porteiro e Sara Oliveira, respectivamente presidente do Conselho e Coordenadora do Departamento de  Marketing e Comunicação da Azorina - Sociedade de Gestão Ambiental e Conservação da Natureza, salientam o significado dos Parques Naturais para o despertar dos sentidos para a beleza natural do arquipélago e para o qual torna-se necessária a disponibilização de ferramentas de interpretação ambiental e de conhecimento da bio e geodiversidade do arquipélago. („Descubra, explore, viva os Parques Naturais dos Açores“, op.cit. .55 ss.).


Em continuidade, o Parque Natural do Pico, o maior dos Açores, é considerado pelo seu diretor, Manuel Paulino Costa. A área protegida engloba diversas áreas, salientando-se a Paisagem da Cultura da Vinha do Pico, classificada como Patrimônio Mundial da UNESCO, os Geosítios do Geoparque Açores, Geoparque Mundial da UNESCO e as áreas da Rede Natura 2000 e da Convenção sobre as Zonas Húmidas. („Onde as pessoas vivem em harmonia com a natureza“, op.cit. 63 ss.)

Problemática conceitual: identidade e a questão de adjetivação esssencialista de cultura

Embora presente em vários textos, a temática da identidade cultural é considerada por Manuel Marchã, Diretor do Museu Militar dos Açores („Museu Militar dos Açores com linguagem própria“, op.cit. 69ss.), que trata da mobilidade de pessoas como fator evolutivo, da museologia militar sob o aspecto turístico e do museu militar no contexto turístico.

Três perguntas são colocadas quanto ao „Pensar a Cultura d( n)os Açores“ e três respostas são apresentadas pelo jurista Laborinhio Lúcio. Nela se indaga a avaliação da produção/criação cultural em ilhas como os Açores, os desafios que se colocam à relação tradição/modernidade e o que deve ser entendido como „cultura açoriana“. É significativo que a primeira dessas respostas mencione a música e manifeste um ideal de criação de música com características próprias a partir de expressões tradicionais, retomando assim uma problemática de décadas nas reflexões musicológicas perante correntes nacionalistas na criação musical.

„Por mim, prefiro situar-me numa atitude de natureza preventiva que me leva a prevenir-me e a prevenir contra uma ideia de cultura açoriana que acabe por importar fechamento, isolamento, insulação e que, no limite, no contexto da modernidade, venha a tomar os Açores (...) mais como  objeto de análise, do que, como deve e tem de ser, enquanto sujeito, nium mundo onde a diversidade significa poder e reconhecimento. Basto-me, assim, com a formulação de Machado Pires quando afirma que Cultura açoriana é, afinal, Cultura nos Açores.“ (op.cit. 75)

Mais uma vez registra-se assim o significado de uma retomada de um debate sobre a problemática da categorização do objeto -  expressa no caso na adjetivação do conceito cultura - que vem marcando as reflexões no último meio século nos estudos euro-brasileiros e a necessidade de sua substituição por uma orientação da atenção a processos. A instrumentalização do conceito de identidade cultural para fins políticos de movimentos nacionalistas, povistas e „identitários“ na Europa do presente exige reconsiderações mais cuidadosas e diferenciadas.

A música encontra-se representada em texto da Direção Regional da Cultura sobre António Rosado e Filipe Quaresma, intérpretes que apresentaram em concerto obras da segunda metade do século XIX e primeira metade do XX no âmbito da Temporada Artística de 2017 na ilha Terceira e no Teatro Micaelense. („Pelas relíquias históricas da composição musical“, 128 ss.).

Registra-se assim, também nos Açores a preocupação pela reconsideração do século XIX que determinou as reflexões quando da instituição do Centro de Pesquisas em Musicologia no ambito do movimento voltado ao estudo de processos músico-culturais no Brasil em 1968 e que levou ao reconhecimento da problemática historiográfica que, marcada por posicionamentos nacionalistas posteriores, determinou uma perspectivação desvalorizadora do passado.



De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ O debate cultural nos Açores na sua atualidade e no seu significado - a temática identidade/sustentabilidade discutida no Ano Internacional do Turismo Sustentável/UNESCO (2017). Turismo e Estudos Culturais: a excursão de Dante de Laytano (1908-2000) nos estudos açorianos no Brasil - 60 anos“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 175/15 (2018:5).http://revista.brasil-europa.eu/175/Cultura_no_Turismo.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
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