Doc. N° 2025
Direção: Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath e Curadoria Científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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Ciclo de estudos culturais euro-mediterrâneo-brasileiros Sardegna e Savoia-Piemonte I Trabalhos da A.B.E. em Aggiu
A A.B.E. realizou, em junho de 2005, trabalhos em várias localidades da ilha da Sardinha, Itália. A viagem de contactos e estudos teve como intento estabelecer relações entre o projeto Transatlântico/Interamericano em curso no ano 2005 com o programa permanente de estudos de contextos mediterrâneos desenvolvido pela instituição. Considerando-se a proveniência dos colonos italianos no Brasil, em geral originários da Itália do Norte, procurou-se dar atenção ao estudo histórico-cultural da região compreendida entre o Norte da Itália, em particular Piemonte, as ilhas e a região mediterrânea da França. Para os estudos culturais, além dos trabalhos orientados historicamente, a pesquisa da cultura popular assume papel preponderante. Aqui, a comparativística pode fornecer subsídios importantes para o reconhecimento de elos e a análise de processos culturais entre as regiões de colonização italiana no Brasil e as áreas euro-mediterrâneas respectivas. Em geral, esse estudo tem sido desenvolvido na tradição e sob a perspectiva dos estudos de folclore. Com os debates das últimas décadas, dirigidos no sentido de atualização dos paradigmas teóricos e dos métodos dos estudos culturais, impõe-se uma renovação das reflexões e das perspectivas. Com o intuito de tomar conhecimento da situação dos estudos respectivos, da documentação e da museologia na área, visitou-se o Museu de Etnografia de Aggiu, uma das mais relevantes instituições etnográficas da Sardegna. O museu está instalado em antiga construção da pequena cidade, adaptada de forma sensível às exigências do museu segundo critérios atuais de técnica expositiva e de conservação. O primeiro intuito foi o de verificar a existência ou não de materiais de interesse para o estudo histórico-cultural e comparativo no âmbito de trabalhos ítalo-brasileiros referentes sobretudo à colonização italiana no Brasil. Estabeleceram-se comparações com museus similares no Brasil, sobretudo com o de Caxias do Sul RS.
Uma especial consideração foi dada ao material referente às tradições musicais e lúdicas sardas, documentadas em fotografias, trajes e instrumentos musicais. Um caso particular de estudo comparado foi o dos motetos sardos, significativa expressão da polifonia vocal e instrumental da Sardinha, considerado como um dos mais antigos exemplos do patrimônio musical do Mediterrâneo. Entre essas expressões polifônicas encontram-se a launeddas e o cantu a tenore. As launeddas se conservam no Campidano e na área de San Vito, Muravera e Villaputzu O cantu a tenore é praticado em quase toda a província de Nuoro, até a Baronia (Lodè, Siniscola e Galtelli). Os motetos são próprios do Campidano e o otàdas do Logudoro. Durante a Semana Santa, em todo o Castelsaro, a tradição polifônica é mantida pelos coros polifônicos das confraternidades.
Essas expressões sardas foram comparadas com os motetos de Semana Santa do Brasil, em geral cantados em procissões dos Passos e do Entêrro. Esses motetos - e o stile antico na história da música e na tradição viva do Brasil - vem sendo objetos de estudos desde meados dos anos sessenta. Por ocasião da fundação do Centro de Pesquisas em Musicologia da Nova Difusão, em 1968, deu-se, de forma pioneira, particular atenção à tradição dos motetos de São Paulo, em particular àquela da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. A seguir, a pesquisa foi ampliada à tradição de outras irmandades de São Paulo e de outras cidades. O estudo da tradição de São João del Rei, Minas Gerais, em 1970, forneceu materiais para análises da tradição motetística sob a perspectiva dos estudos culturais e do folclore, discutidas no Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo (Museu do Folclore). No I° Simpósio de Música Sacra e Cultura Brasileira, realizado em São Paulo, em 1981, os motetos e o stile antico na História da Musica e na tradição do Brasil constituiram um dos principais temas considerados, sendo o evento encerrado com um concerto exclusivo de motetos brasileiros pelo Collegium Musicum de São Paulo. Na Europa, nos anos setenta e oitenta, com a participação do Prof. Dr. Gustav Fellerer, o estilo antigo na história da música sacra global foi tema de estudos, debates e apresentações. A pesquisa dos motetos foi ampliada para todo a área do mundo de influência portuguêsa, levando à descoberta para a Europa dos Motetos de Goa, Índia, apresentados pela primeira vez em 1988. Essa visão histórica global marcou e marca os trabalhos do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa e da Academia Brasil-Europa. Procurou-se, entre outros aspectos, analisar a função dos motetos nas ações de missionários do século XVI em várias regiões da África, da Ásia e da América. Desde o início dos estudos, tem-se dedicado particular atenção à prática da execução dos motetos e à sua diversificada história, uma vez que se observa, nas diferentes regiões, ao lado da tradição puramente vocal, diferentes práticas de acompanhamento instrumental.
Em Aggiu, procurou-se dar continuidade, in loco, às tentativas de ampliar os estudos respectivos para além de sua história ibérica, considerando tradições conhecidas em outras regiões do contexto mediterrâneo. Uma das questões mais uma vez consideradas diz respeito à antiguidade dessas práticas. No âmbito da Etnografia, se conhece a hipótese de se ter, aqui, não apenas a permanência tradicionalizada de formas eruditas, mas sim reminiscências de uma prática de antigas origens populares, uma hipótese que teria implicações - até hoje insuficientemente consideradas - para os estudos histórico-musicais. Esses aportes deixam entrever a necessidade de estudos interdisciplinares, históricos e etnográficos/folclóricos nas análises da tradição motetística, convicção que tem orientado os trabalhos desde o seu início. Hoje, porém com os novos aportes dos estudos culturais, tem-se perspectivas renovadas para os estudos. Por esse motivo, com os trabalhos na Sardinha, deu-se particular atenção aos motetos no âmbito do projeto Transatlântico da A.B.E.
A.A.B.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).