Doc. N° 2045
Direção: Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo e Dr. Harald Hülskath © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
96 - 2005:4
Arqueologia do saber e simbolismo na renascença de comunidades Observações em Boscodon Ano França-Brasil 2005 da A.B.E.
Os estudos culturais interamericanos não podem ser desenvolvidos sem a correspondente análise de processos culturais transatlânticos e estes não podem ser realizados sem a consideração da formação cultural da Europa e de seus fundamentos. Esses estudos histórico-culturais não são meramente de interesse instrutivo e de ilustração, mas sim de conseqüências para o presente, primordialmente para a abertura de perspectivas para as análises culturais. Aguçam a sensbilidade também para a percepção de transformações e de revitalizações de estruturas e sentidos. A história da expansão européia, que determinou também a formação do Brasil, apresenta inúmeros exemplos de restaurações e renascenças, de retomadas atualizadoras do passado. Isso o demonstra a história das ordens religiosas e dos mosteiros em vários países, inclusive no Brasil, marcada que é por fases de apogeu, de decadência, abandono e revigoramento. Esse renascimento de comunidades de cunho conventual ou monacal é um fenômeno que pode ser observado atualmente sobretudo na França, fato paradoxal em época caracterizada em geral pela diminuição de vocações religiosas.
A análise de processos culturais em contextos transnacionais necessita considerar esses indícios de revitalização de antigas formas de vida comunitária e de ação, uma vez que representam a retomada também de concepções, de visões do mundo e do homem. Determinam também mudanças de acentos nos estudos culturais. Se as reflexões culturais se orientarem unilateralmente segundo determinadas correntes do pensamento teórico da atualidade, sobretudo de cunho pós-estruturalista, correm o perigo de não perceberem esses indícios de revitalização de antigas configurações filósofico-religioso-culturais que estão assumindo crescente significado no presente.
Com base nessas conjecturas, a A.B.E. deu prosseguimento a seus estudos relativos aos fundamentos do diálogo entre culturas e religiões à luz de perspectivas transatlântico/interamericanas com a observação in loco de uma dessas comunidades que se estabelecem na França e que, ao mesmo tempo, se vinculam a tentativas de reconstrução de edifícios e a estudos arqueológicos. Escolheu-se a comunidade da Abbaye de Boscodon, no município de Crots, nos Altos Alpes franceses, próxima da cidade de Embrun e do lago de Serre-Ponçon. Trata-se de uma comunidade relativamente pequena de religiosos e religiosas, não monges, ampliada por um número considerável de leigos, inspirada e iniciada com a renascença da abadia, em 1972, sob a égide da Ordem Dominicana.
A reconstrução e a renascença da abadia foram resultados de iniciativas particulares, de idealistas e estudiosos da história e da cultura, organizados em forma de uma sociedade de amigos. Na Idade Média, a abadia de Boscodon foi a maior da região e a principal casa da ordem monástica de Chalais, próxima aos Cistercienses, sendo que os primeiros monges ali chegaram em 1142. A partir do século XIV se transformou em abadia beneditina, ordem que marcou a sua história e tradição até o século XVIII, quando foi confiscada pelo Arcebispo de Embrun, em 1770. Com a Revolução Francesa, transformou-se em patrimônio nacional, utilizado para abrigar famílias e uma escola.
A renascença da comunidade de Boscodon demonstra a força motivadora do estudo da simbologia românica para o despertar de vocações. É um exemplo de como a atenção à ordenação simbólica que se manifesta na arquitetura medieval pode despertar a sensibilidade para a contemplação filosófico-religiosa e influenciar o estabelecimento de identidades. Assim, a comunidade se dedica a transmitir aos visitantes os rudimentos desse simbolismo e de suas relações com a experiência espiritual, além de fornecer informações de cunho arqueológico e arquitetônico. Significativamente, a livraria anexa à abadia divulga vários títulos de natureza cosmológica e de simbolismo bíblico.
Motivadas pela observação in loco, as reflexões foram dirigidas ao potencial representado pela ordem simbólica da cultura ocidental na manutenção e restauração de edifícios de concepções religiosas e metafísicas. Mais do que estudos teológicos e de literatura confessional, é a linguagem de fundamentação numérica da arquitetura e a música medieval que parece estar atuando de forma quase que performativa na restauração de uma identificação cultural cristã da Europa.
A.A.B.
Observação: o presente texto oferece apenas um relato suscinto de eventos, estudos e projetos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu conteúdo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).