Doc. N° 2076
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
99 - 2006/1
Auditório de Tenerifa Possibilidades de interpretação e significado atlântico Observações in loco e reflexões
No âmbito do projeto "Poética da Urbanidade" da A.B.E. e de seminários dedicados ao tema "Música na Teoria da Arquitetura" discutiu-se o projeto do auditório construído por Santiago Calatrava Valls em Santa Cruz de Tenerifa sob o ponto de vista da transcedência supraregional de suas concepções e implicações. Preparou-se, assim, uma visita para estudos in loco da referida obra e para a comparação com projetos arquitetônicos relativos à música no Brasil. O auditório em Santa Cruz de Tenerifa, inaugurado em 2003, é uma obra de importância relevante da arquitetura contemporânea internacional, em particular na da construção de teatros e auditórios. Pelos conceitos que a inspiraram e pelo contexto na qual se insere representa também uma obra de significado para os estudos culturais internacionais e para análises de filosofia intercultural. Tenerifa, assim como outras das Ilhas Canárias, confronta-se com questões de identificação cultural, embora relativamente sutís. Ilhas de diversificada história, de vivas manifestações de cultura popular, foram marcadas por ondas emigratórias em séculos passados, fenômeno hoje atual - em sentido oposto - devido a imigração africana. Atualmente, as ilhas vivenciam profundas transformações causadas pelo turismo. Questões culturais das Canárias exigem sempre considerações sob a perspectiva das relações internacionais. Por outro lado, são de importância sobretudo para o estudo de comunidades de descendentes de canários em vários países americanos, também elas confrontadas com questões identificatórias. A cidade de Santa Cruz é consciente de sua antiga vocação cultural e da predileção de seus habitantes pelo teatro e pela música. O seu teatro municipal é o mais antigo do universo insular e importante exemplo da arquitetura teatral do século XIX. Medidas da administração local procuram, por meio de eventos vários, concursos e panéis, que revitalizam antigas imagens da ilha, refortalecer a presença do mundo consuetudinário num ambiente que se modifica rapidamente. Com essa obra, Santa Cruz e a ilha como um todo, colocam um símbolo potente que marca a importância cultural e musical das Canárias no mundo. As questões de identidade recebem aqui novas respostas. Não é o mundo tradicional da cultura dos campos, não é a religiosidade, não é o isolamento das aldeias, a vegetação e as montanhas, o pitoresco de cenas do passado os motivos inspiradores da obra. É o mar que surge como o principal elemento caracterizador da vida insular, a água como elemento dominador, a água como elemento mais similar à música e o que mais sugere a musicalidade intrínseca da cultura regional. A música foi considerada desde as mais remotas épocas "ciência aquática" no pensamento espanhol de um Isidoro de Sevilha, e a arquitetura desse auditório relembra essa definição repleta de associações e conotações: tal como imensa onda se levanta do mar, criando imensas caixas de ressonância. Santiago Calatrava Valls, o seu arquiteto, nasceu em Valencia, em 1951. Estudou arquitetura na Escola de Artes de Valencia, Urbanismo e Engenharia em Zurique, Suíça, onde doutorou-se. Desde 1981 mantém escritórios em Zurique. A sua obra reflete o diálogo entre o Sul e o Norte, entre uma concepção de arquitetura que a situa próxima à escultura e aquela de arquitetura como construção técnica, perfazendo uma verdadeira ponte entre culturas. Percebe-se na sua estética um abandono de aportes antropomórficos de seus antecedentes, em particular de Pier Luigi Nervi e uma aproximação a formas da biologia animal, por exemplo na sugestão de asas de pássaros voando. Significativamente, a sua produção inclui diversas pontes, entre elas a de-Roda, Barcelona, em forma de harpa (1987)- Ele próprio comparou o projeto de um edifício com a composição de uma sinfonia. Assim como numa Sinfonia concertante de Mozart o instrumento solista apareceria por assim dizer "do nada", assim também surgem os arcos de suas pontes do vazio. A ponte de Alamillo sobre o Guadalquivir, construída à época da Exposição Universal de Sevilla, apresenta a forma de uma lira. Após a visita da A.B.E. em Valencia, rediscutiu-se agora qual seria o procedimento mais adequado e o embasamento teórico apropriado para a análise da obra de Calatrava no seu todo e em particular no universo insular atlântico. O simbolismo que nela percebe existir um estudioso da cultura ibérica ou um conhecedor das imagens de animais e instrumentos na mitologia e na cultura tradiciona permitiria e/ou fixaria a possibilidades de análises na tradição estruturalista? Haveria, de fato, um sentido subjacente ou intrínseco à obra que permitiria aportes hermeneuticos? Quais seriam as possibilidades de uma aproximação pós-estruturalista? Ficaria a escolha do procedimento de análise dependente da visão do sujeito e não das características da obra? Essas e outras questões de natureza teórica foram tratadas sob diversos aspectos nos debates preparatórios e revistas durante as observações in loco. Aqui, ao lado da constatação da magnitude e da impressionante qualidade técnica e estética da obra, observou-se aspectos menos favoráveis no seu interior, sobretudo na arquitetura da sala de música de câmara. No contexto de um evento dedicado ao fomento da música para banda de música na ilha, teve-se a oportunidade de constatar a contemporaneidade de várias expressões culturais do universo insular, de provincialidadade e abertura internacional. Observou-se uma prática instrumental que está sendo fomentada, altamente conservadora, de escolas e bandas de localidades do interior, de intenções modernas manifestadas na escolha de um repertório de cunho norte-americano, em espaço que parecia neutralizar os tímidos impulsos comunicativos. Discutiu-se, aqui, se o problema observado não poderia ser considerado quase que simbólico, manifestando um contraste não solucionado entre o interior e o exterior com seus gestos arrojados e dirigidos à abertura do oceano.
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