Doc. N° 2075
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
99 - 2006/1
Cânones e identidade francesa na teoria construtiva e suas extensões no Brasil Sessões preliminares 230 anos de nascimento de Grandjean de Montigny e 190 anos da Missão Artística Francesa
Sob o pano de fundo da discussão de questões relativas a processos de formação de identidades e de estrategias de encontro nos estudos culturais, a Academia Brasil-Europa realizou, no contexto do seminário "Música na Teoria da Arquitetura", da Universidade de Colonia, uma série de sessões destinadas a estudos do relacionamento entre a recepção de normas clássicas e a formação de identidades culturais na sua expressão arquitetônica dentro da história das relações históricas intereuropéias e de suas projeções e reinterpretações no Novo Mundo. As discussões específicas relativas à história do pensamento construtivo na França como importante fundamento para o estudo cultural das relações França-Brasil tiveram lugar em janeiro de 2006. As discussões foram motivadas pela passagem dos 230 anos de nascimento de Auguste-Henri-Victor Grandjean de Montigny (1776-1850), arquiteto francês de relevância na história da arquitetura européia e brasileira, uma vez que foi um dos grandes vultos da Missão Artística Francesa, de 1816. A realização do programa de estudos na Renânia do Norte/Vestfália foi justificada também pelo relacionamento de Grandjean de Montigny com a região à época napoleônica. Chegou até mesmo a realizar planos para a residência real de Jerôme, em Kassel, o que mostra o seu extraordinário prestígio no sistema político-cultural bonapartista. Ao mesmo tempo, por singular coincidência, comemora-se a passagem dos 190 anos da vinda da Missão Artística Francesa ao Brasil. As discussões pretenderam inaugurar uma série de estudos mais pormenorizados a respeito da vida, obra e concepções de Grandjean de Montigny sob a perspectiva dos estudos teóricos em contextos interculturais. Após a consideração do estado dos conhecimentos e de suas principais obras no contexto da ação dos artistas franceses no Brasil, as discussões se concentraram porém na questão considerada básica da formação de identidades francesas na teoria arquitetônica. Os trabalhos partiram da consideração do período de florescimento arquitetônico da época de Francisco I (1515-1547) e de Henrique II (1547-1559) sob a perspectiva do despertar de consciência nacional francesa. Em primeiro lugar considerou-se o tratado Architecture ou Art de bien bastir, Paris 1547, dedicado a Henrique II, de Jean Martin (+1553). Tratou-se do fenômeno da recepção da obra de Vitruvio na geração posterior ao surgimento da primeira edição ilustrada italiana e das traduções de Serlio, do texto da Hypnerotomachia Poliphili (Veneza 1499) e de Alberti. Considerou-se os vínculos entre a recepção italiana, em particular do renovado interesse de italianos pela Antiguidade no contexto das atividades bélicas desde 1498 e a ação de artistas italianos na França, entre eles Leonardo da Vinci (1452-1519), Sebastiano Serlio (1475-1553) e Benevenuto Cellini (1500-1571). Particular atenção foi dada às imagens de teatros no livro quinto da obra; plano e representações de cenas trágicas, cômicas e satíricas foram baseadas em Serlio (1537). Entre as principais idéias expostas considerou-se o significado simbólico das cariátides e dos persas na arquitetura francesa como representações respectivamente feminina e masculina dos inimigos derrotados, condenados ao suporte do peso dos edifícios. Salientou-se também, na manutenção dessa ordem simbólica, a necessidade de uma consideração diferenciada de referências à tradição do pensamento antigo, por exemplo no concernente à origem da arquitetura na "cabana original" segundo a tradição vitruviana. A seguir, foram consideradas as obras teóricas de Philibert de l'Orme (1514-1570) no seu significado para o desenvolvimento de um estilo francês de arquitetura, entre elas Nouvelles inventions pour bien bastir et a petits fraiz (Paris 1561), Le premier tome de l'architecture (Paris 1567). Lembrou-se dos vínculos do autor, servidor da Corte, com a Itália, uma vez que viveu em Roma, de 1533 a 1536. Na sua obra, em particular no castelo de Saint-Maur, manifesta-se o cuidado pela instrumentação das fachadas com colunas e pilastras e a inspiração no contexto das vilas italianas. Em particular, salientou-se a procura de uma arquitetura de "bom gosto" para as classes burguesas, sem custos desmedidos, sem pilastras e colunas. Do ponto de vista construtivo, atribuiu-se a ele inovações quanto à construção de tetos e de colunas não-monolíticas, constituídas pela superposição de elementos. A arquitetura, do ponto de vista simbólico, é apresentada como arte submetida a Mercúrio, regente das ciências. Como se discutiu nas sessões, essa referência a Mercúrio como deus da arquitetura é de excepcional importância para estudos teóricos, uma vez que Mercúrio é, também, na tradição do pensamento mitológico-musical, o inventor da lira. Ter-se-ia, aqui, as mesmas concepções relativas à transformação da matéria e/ou do corpo em instrumento, em caixa de ressonância, com todas as implicações metafísicas e teológicas daí decorrentes e já discutidas em vários eventos anteriores. Da obra teórica de Jacques Androuet du Cerceau (ca.1521-ca.1586) considerou-se em particular o Livre d'architecture (Paris 1559) e Le premier volume des plus excellents bastiments de France, 2 Vols., Paris 1576, dedicado a Catarina de Médici. Esse autor, na sua vasta obra de escritor, marcou o processo delimitador de uma arquitetura de conotação francesa com relação à italiana. Particular consideração foi dada à sala de baile do Louvre, na qual os músicos tinham o seu lugar abaixo de um elemento arquitetônico sustentado por cariátides. Discutiu-se aqui possíveis relações entre a sustentação simbólica de peso por inimigos vencidos e a simbologia da música instrumental. Da obra teórica de Pierre Le Muet (1591-1669), considerou-se sobretudo as publicações Manière de bien bastir pour touttes sortes des personnes (Paris 1623) e Augmentation de nouveaux bastiments faits en France (Paris 1647), salientando-se a particular atenção dada a assuntos práticos, à estabilidade, à durabilidade, ao conforto, à beleza da disposição e à higiene nos edifícios. Especial interesse mereceu Roland Fréart de Chambray (1606-1676) no seu livro Parallèle de l'architecture antique et de la moderne: avec un recueil des dix principaux autheurs qui ont écrit de cinq ordres (Paris 1650). Trata-se aqui de um exemplo importante da recepção da obra de Andrea Palladio fora da Itália. No centro das atenções se coloca a questão do emprêgo correto das proporções. As discussões a respeito da Querelle des anciens et de modernes se encerraram com os conceitos de beauté arbitraire e de beauté positive a partir da consideração da obra de Claude Perrault (1613-1688) (Les dix livres d'architecture de Vitruve, corrigez et traduits nouvellement en François, Paris 1673; Ordonnace des cinq espèces de colonnes selon la méthode des anciens, Paris 1683). Esse arquiteto da época de Luís XIV se distinguiu pela sua erudição. Após estudos de medicina e de física, tornou-se professor de fisiologia e anatomia. Foi o construtor do observatório de Paris. Em 1671, tomou parte no círculo fundador da Academia francesa de edificações. A idéia de beleza arbitrária e de beleza positiva se baseou na diferenciação de camadas na percepção do Belo. Abandonou-se gradualmente a idéia de proporções de validade absoluta, encarando-se o Belo como resultado de um contrato social e não como produto da razão lógica ou das leis naturais. Abandonou-se também o relacionamento dos elementos da coluna com o corpo humano. A beleza positiva vinculou-se com a finalidade do edifício. Um dos principais contraentes dessa concepção foi François Blondel. Reflexões a respeito da necessidade de maior diferenciação nos estudos da influência do pensamento francês nos estudos histórico-culturais da América Latina dominaram as discussões posteriores. Os trabalhos foram considerados como preparatórios para os estudos previstos relativos ao desenvolvimento posterior da teoria arquitetônica francesa, com especial consideração de Grandjean de Montigny.
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