Doc. N° 2074
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
99 - 2006/1
Formação de identidades na África lusófona e estudos culturais nas relações Angola/Moçambique/Brasil Ciclo de estudos
Este ciclo de 6 sessões, realizado em janeiro de 2006, teve lugar no âmbito do programa dedicado à música em processos culturais da África lusófona. As sessões, incluídas no programa de estudos da Universidade de Colonia, Alemanha, foram realizadas no centro de estudos da Academia Brasil-Europa naquela cidade. As exposições partiram de análises do presente da vida cultural angolana e de suas relações internacionais, considerando-se introdutoriamente as possibilidades e as dificuldades de pontos-de-partida fenomenológicos para o traçado de um panorama da história cultural angolana. A visão fixada no presente justificou-se pelo fato de ter Angola alcançado a sua emancipação política há poucas décadas, vivenciando processos e ações político-culturais de formação de identidade nacional que permitem aguçar a percepção do estudioso para a análise de de outros períodos históricos sob a perspectiva da performatividade cultural. A história recente da cultura e da música de Angola não pode ser estudada sem a devida consideração das contingências dos tempos de guerra e do contexto político no qual o país se inseriu. As relações entre a música e a política ficam sobretudo evidentes no papel exercido pela cultura cubana em Angola após a Independência. Nas últimas décadas constata-se, todavia, um incremento e uma renovação das relações culturais entre Angola e o Brasil. Salientou-se, porém, que essas relações devem ser vistas sob o pano de fundo de uma antiga e diversificada história de influências mútuas. No Brasil, houve, nos últimos anos, difusão de rítmos e cantos kimbundu, em Angola, já nos anos 80, atuaram vários músicos populares brasileiros, entre eles Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan, Martinho da Vila, Elba Ramalho e Paulo Moura. Uma particular atenção mereceu a tradição violonística em Angola em suas relações com o Brasil. Com base em análises de gravações de Carlos Vieira Dias, procurou-se estabelecer afinidades e diferenças entre as tradições dos dois países. Carlos Vieira Dias, que em 1983 esteve no Brasil com o seu Semba Tropical, formado em 1982, pode ser visto como representante da tradição violonística de seu pai, Liceu Vieira Dias, uma tradição, porém, que também não pode ser estudada fora de um contexto transatlântico. Após atuações com os Gingas e os Negoleiros do Rímo, C. Vieira Dias teve a sua consciência despertada pelo patrimônio que recebera de seu pai, enriquecendo-o com tentativas de adaptação de estruturas rítmicas kimbundo na execução musical ao violão. Com o seu aperfeiçoamento com Teta Lando e as experiências ganhas no Africa Show muniu-se dos conhecimentos necessários que o possibilitou tornar-se um dos principais arranjadores de Angola, responsável por grande parte da música gravada em Angola dos anos 80. O desenvolvimento estético de C, Vieira Dias no período compreendido entre a fundação do Semba Tropical (1983) e o da Banda Maravilha (1993) não pode ser compreendido sem a análise das transformações do contexto político-cultural do país. A influência brasileira, ao lado da do pop-rock e o da música tradicional numa época de hibridismo cultural e de instabilidade identificatória pode ser também detectada na música de Filipe Mukenga, um artista que trabalhou em cooperação com José Agostinho (até 1977), Filipe Zau (Canto da Sereia, 1969), e André Mingas, entre outros. Um exemplo relevante é o disco Lemba, gravado no Rio de Janeiro. O Show Canto Livre de Angola foi um marco na renovação das relações culturais angolano-brasileiras. O citado André Mingas, ligado por laços familiares a Liceu Vieira Dias e Carlos Vieira Dias, mereceu especial consideração pela sua formação interdisciplinar como arquiteto e músico e pelo papel relevante que desempenhou como Diretor de Massificação e Espectáculos do Ministério da Cultura e fundador da sociedade de direitos autorais de Angola. André Mingas partiu da convicção da originalidade do mosaico cultural de Luanda, salientando nele as raízes angolanas e as influências transatlânticas. A. Mingas atuou em conjunto com músicos brasileiros e angolanos, tanto de Semba como de Jazz e tentou uma aproximação das diversas etnias e idiomas de Angola. Assim, com a ajuda de Filipe Mukenga, utilizou-se de poesias em umbundu com tradução em kimbundu. Para o estudo de questões de migração interna e de imigração nas suas relações com a cultura angolana considerou-se sobretudo a vida e a obra de Waldemar Bastos. Nascido no Norte de Angola, em 1954, cresceu em Huambo, imigrando para Luanda após a Independência. No Brasil, travou conhecimento com vários músicos, entre eles Chico Buarque, João do Vale e Martinho da Vila (Velha Chica). A popularidade de Velha Chica em Angola, onde Chica como metáfora de povo possibilitou que a canção se transformasse num verdadeiro "hino da independência" do país, representa um dos mais significativos fenômenos das recentes relações interculturais, aptas a serem analisadas sob diversos aspectos. Com a sua imigração a Portugal e a sua popularidade internacional com as gravações realizadas para a EMI, W. Bastos permite que se faça uma ponte entre os estudos migratórios e os da World Music. Aqui considerou-se, entre outros títulos, Angola minha namorada (1990), Pitanga Madura (1992) e o CD Preta Luz para Luaka Bop de David Byrne, sob a direção A. Lindsay. As tendências da geração pós-independência de Angola foram consideradas nos movimentos da Nova Vaga e no Kizomba. Considerou-se aspectos híbridos em exemplos musicais, constatando-se a utilização de elementos antilhanos, angolanos e congoleses ao lado da influência dos novos recursos técnicos, sobretudo do Keybord. Salientou-se a difusão de rítmos de dança do Caribe desde os anos 70. (Afra SOund Star) e SOS (Eduardo Paim), elaborações do zouk através de estruturas ritmicas manipuladas eletronicamente e de danças angolanas. A revalorização da música regional (Jacinto Tchipa) permite comparações com fenômenos observados em outras regiões do globo onde se constata fases correspondentes do processo de transformação de identidades. Por fim, considerou-se a popularidade da Kizomba (Paulo Flores e Van Dunen). O estudo da história cultural de Angola sob a perspectiva da formação de identidades foi desenvolvido sob o aspecto das relações diversificadas entre a narratividade e a estrutura no procedimento historiográfico e na própria pesquisa interétnica e intercultural. O plano das exposições incluiu os seguintes pontos: - Conexões interétnicas e interculturals no ínicio da história de Luanda - Considerações sobre o primeiro encontro musical euro-angolano - Formação da vida cultural e música no território de conquista - Processo de formação de identidades angolana. Papel da Rainha Njinga - Relações entre formas e história - Análise de fontes: Pigafetta, Cavazzi, Battel, Cadornega, Sarmento, Oboni - Estruturas: Relações com a natureza, com a biologia, associações e transferências - Transformação histórica de estruturas, modificação condicionada estruturalmente do Histórico - História da pesquisa e de tentativas de sistematização - Problemas atuais da museologia Com relação aos estudos de cunho musicológico em Angola considerou-se o trabalho do Instituto de Investigação Científica, em particular do Museu de Angola. Respectivamente à organologia, salientou-se o significado da exposição de instrumentos e máscaras de 1964, com a publicação de um catálogo e os trabalhos de José Redinha. Entretanto, o ideal de um panorama geral organológico ainda não pode ser efetivado. Para tal, tornar-se-ia necessário um trabalho prévio de catalogação global. Por fim, considerou-se alguns projetos e ações atuais de instituições angolanas e/ou voltadas ao estudo da cultura do país. Com relação a Moçambique, foram tratados os seguintes pontos: introdução aos estudos culturais moçambicanos; problemas da Historiografia de Moçambique; música e identidade nacional; o papel dos instrumentos musicais tradicionais; situação da musicologia histórica; estudo de fontes; estudo da vida musical no período colonial; relações entre Tradição e Modernidade; Timbila; desenvolvimentos atuais. Particular atenção foi dada à Campanha de Preservação e Valorização do Patrimônio de Moçambique com a criação de um Arquivo Museológico Central. O projeto "Instrumentos de Moçambique" foi discutido como expressão de um esforço de sistematização. As bases teóricas das classificações necessitariam porém uma revisão sob uma perspectiva mais ampla e atualizada. A cooperação com estudiosos brasileiros promete aqui novos caminhos para ambos os países e para os estudos interculturais em geral. As sessões tiveram um caráter preparatório para futuros trabalhos.
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Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).