Doc. N° 2073
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
99 - 2006/1
Identidades plurais, estrategias de encontro e judeus na História Colonial Sessões de debates
Os debates foram realizados em janeiro de 2006 e patrocinados pela Academia Brasil-Europa. Inseriram-se no projeto dedicado ao tema Colonialismo e Pós-Colonialismo, desenvolvido com base nos trabalhos do Congresso de Estudos Euro-Brasileiros (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo 2002) e que levou à realização de cursos em colaboração com universidades européias. Em 6 sessões, em continuidade a debates realizados em 2005, 35 participantes discutiram questões, argumentos e pontos-de-vista do músico Daniel Barenboim, e do intelectual Edward W. Said, um dos grandes representantes do pensamento postcolonial. Os diálogos desses dois vultos, respectivamente de vínculos judaicos e palestinenses, e portanto de extraordinária atualidade, foi rediscutido agora sob o ponto de vista de sua transcendência à problematica teuto-judaica ou judaico-árabe e sob o prisma especial das relações euro-brasileiras. Os debates basearam-se no texto publicado sob o título Paralles and Paradoxes, obra editada em New York , em 2002 (Pantheon Books). No centro das discussões esteve a idéia expressa pelos referidos autores da existência de relações por assim dizer dialéticas e estratégicas entre o lembrar e o esquecer na história e na prática dos encontros culturais. No encontro com o Outro, os dois lados necessitam considerar reciprocamente o passado. O lembrar e o esquecer pertencem a essa consideração recíproca e à magnanimidade do esquecer corresponde a sinceridade do lembrar. Essas considerações, tecidas sob o pano de fundo do holocausto sofrido pelos judeus na Alemanha, dizem respeito não apenas às relações teuto-israelitas. Elas podem ser aplicadas às relações judaico-árabes e, em geral, a outras situações de conflito e de injustiças sofridas. Nos debates, procurou-se superar o lugar comum - embora poético - dessa afirmação, lembrando-se, entre outros aspectos, que cumpre privilegiadamente àquele que sofreu o direito e a magnânimidade de esquecer e ao agressor primordialmente o dever de lembrar. Não cumpre àquele que foi agente de injustiça o esquecer do que fez. A dimensão ética dessa afirmação poderia ser aplicada sobretudo a situações decorrentes do colonialismo. Discutiu-se, assim, se esse não seria um imperativo aplicável ao continente americano com relação aos africanos e sobretudo aos índios, os grandes sacrificados do processo colonizador: cabe a indígenas a grandiosidade do esquecer, não aos europeus e seus descendentes, nem muito menos aos estudiosos de origem européia, embora remota, nos países resultantes desse processo. Como o diálogo dos referidos autores referiu-se sobretudo ao problema dos judeus, as discussões também se concentraram na possibilidade de aplicar os argumentos na consideração do papel desempenhado pelos judeus em situações coloniais no continente americano. Deu-se particular atenção, sobretudo, ao fato de Barenboim ter salientado que o judaísmo não é fácil de ser compreendido, pois compreende religião, tradição, nação e povo múltiplo. Dele seria característico a dupla identidade, ou melhor, a identidade plural. Haveria duas atitudes na consideração da multiplicidade da identidade judaica. Haveria a posição fundamentalista, que se orientaria somente por uma visão judaica do mundo, baseada na tradição bíblica, e uma posição cosmopolita, na qual haveria uma abertura para outras culturas. Nas discussões, salientou-se o fato de que também no caso dos estudos judaicos no Novo Mundo seria necessário observar essa diferenciação na consideração da identidade judaica. Nem todos os judeus do periodo colonial ou da atualidade teriam uma identidade de cunho fundamentalista e significativa teria sido a ação de intelectuais e artistas de origem judaica em esferas e épocas de particular cosmopolitismo na América Latina, em particular também no Brasil. Seguindo a argumentação dos autores que, generalizando, salientaram o fato de que ninguém poderia afirmar possuir uma única identidade, e que tal credo traria em si perigos e fobias, tais como o perigo do nacionalismo exacerbado e da xenofobia, como no caso alemão do passado, discutiu-se a necessidade de diferenciação entre atitudes identificatórias, essencialistas ou não, por exemplo entre patriotismo e nacionalismo nos estudos histórico-culturais. Isso valeria sobretudo também no estudo da história da música, onde muitas vezes sugeriu-se como impatriótica a atitude de compositores que não seguiram correntes da assim-chamada estética nacionalista. Segundo os autores, seria justamente a música que permitiria de modo privilegiado a aproximação em amizade de pessoas e grupos de diferentes identidades. Aqui se lançariam bases para o encontro com o Outro. A ignorância nunca poderia ser uma estrategia política adequada. Cada povo deveria tentar conhecer e compreender o Outro. Compreensão e análise deveriam ser pressupostos para a autoconsciência de cada indivíduo. Jamais a produção e a manipulação de emoções coletivas - como fazem os fundamentalistas - poderiam constituir caminhos corretos. Como se discutiu, a música serviu, de fato, na história missionária e colonial, de instrumento para a atração e a transformação de identidades, tal como ocorreu com os indígenas do Brasil. Entretanto, a avaliação desse procedimento do passado deveria ser feita não de forma exclusivamente louvatória, mas sim crítica, pois faltou aquilo que os interlocutores exigiram, ou seja, a procura de conhecimento e de entendimento do Outro, no caso, do indígena. Sob o pano de fundo das reflexões de Barenboim e Said, passou-se a discutir aspectos da história judaica nas suas relações com a história colonial. Lembrou-se da posição dos judeus na Idade Média, na sua posição de mediadores entre culturas, sobretudo entre o Cristianismo e o mundo islâmico. Salientou-se também a não-existência de uma missão judaica, a importância judaica na cultura ibérica e a tragédia da expulsão, do batismo e da cristianização obrigatória, da fuga para os Países Baixos e outras regiões, tragédias não suficientemente lembrada nos estudos culturais e que somente aos próprios judeus caberia a magnânimidade do esquecer. Como levantado nos debates, a questão da múltipla identidade judaica alarga-se com a problemática identificatória dos cristãos-novos. Sem a consideração dessa nova dimensão, torna-se impossível realizar estudos judaicos no contexto do processo colonial. A análise de problemas de identidade cristã-novista, na sua labilidade e hibridismo, levando ou à resistência passiva ou à adaptação exagerada, oferece novas possibilidades de diferenciação dos estudos culturais referente ao papel de ritos e aos costumes judaicos na formação cultural de países latinoamericanos. Tem-se a possibilidade de percepção e de estudo de uma história oculta, de uma diferenciação na pesquisa do antisemitismo na cultura colonial, até hoje apenas centralizada na consideração de fenômenos mais ou menos evidentes. Pouco considerado foi também o papel da música no processo identificatório cristão-novista. Há indícios de que justamente a instabilidade de identificação haja favorecido a procura de situações socialmente mais privilegiadas através do brilho no exercício instrumental, desempenhando assim importante função no desenvolvimento histórico-musical das diferentes sociedades. Discutindo-se vários exemplos históricos do Brasil e do Caribe, chegou-se à conclusão de que o estudo das relações entre a cultura judaica e as culturas latino-americanas deveria ser atualizado com base na complexidade identificatória e no processo diferenciador dentro do próprio judaísmo e da sociedade hegemônica. Entretanto, sempre se deveria permanecer atento para as possibilidades e a necessidade do relativamento ou da superação de posições essencialistas de identidade nos estudos judaicos e coloniais, sobretudo no caso da análise de expressões culturais sem fundamentação ontológica.
© 2006 I.S.M.P.S. e.V. Todos os direitos reservados
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).