Doc. N° 2069
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
99 - 2006/1
Classicismo e gothic revival - processos identificatórios britânicos e extensões Dimensões da arquitetura vitoriana no Brasil Sessões de estudo motivadas pela utilização da Estação da São Paulo Railway como centro de língua portuguesa
Sob o pano de fundo da discussão de questões relativas a processos de formação de identidades e à análise de estrategias de encontro nos estudos culturais, a Academia Brasil-Europa realizou, em colaboração com a Universidade de Colonia, uma série de sessões destinadas a estudos do relacionamento entre a recepção de normas clássicas e a formação de identidades culturais ou de expressões de identificação nacional na arquitetura dentro da história das relações históricas intereuropéias e de suas projeções e reinterpretações no Novo Mundo. Os trabalhos relativos à Grã-Bretanha foram motivados pela reforma do edifício da Estação da Luz (antiga São Paulo Railway), em São Paulo e pela instalação nela de um centro da língua portuguesa. As concepções pertinentes e os trabalhos em andamento puderam ser preparados in loco durante uma visita realizada em 2005. Os debates relativos à recepção de estilos inglêses no Brasil sob o ponto de vista do processo identificatório na própria Grã-Bretanha, da recepção do classicismo e das reações neogóticas no século XIX e suas implicações no Império (Sydney, Austrália) tiveram como objetivo preparar uma nova visita a ser realizada em fevereiro de 2006. Os estudos iniciaram-se com a consideração da obra de John Shute (+1563), The First and Chief Grounds of Architecture, um primeiro testemunho da recepção das normas clássicas na Inglaterra. A obra, dedicada à rainha, representa um texto de modêlos decorativos para todas as artes. O seu autor esteve na Itália em 1550. A influência italiana se manifesta na paráfrase da teoria vitruviana. Inclui, porém a concepção cristã da origem das ordens de colunas no modêlo da Arca de Noé. Salienta, na tradição vitruviana, o papel da música na formação de arquitetos. Caracterizando as colunas, vincula a coluna dórica a Hércules. As discussões, aqui, foram centralizadas nas conotações múltiplas que se vinculam à figura de Hércules, analisando as suas relações com o homem adamítico na tradição do pensamento sincrético. A seguir, comentou-se o livro de Henry Wotton (1568-1639), embaixador inglês em Veneza, The Elements of Architecture (London 1624). Representante da recepção de Palladio na Inglaterra, o seu tratado representa o mais significativo texto do século XVII. Trata-se de um estudo intensivo da doutrina vitruviana e um testemunho do interesse geral pela arquitetura por parte de eruditos e diletantes. Como veículo de categorias arquitetônicas e de standards de qualidade, influenciou a formação de críticos e de arquitetos, entre eles Inigo Jones (1573-1652). Já como característica utilitarista inglesa, afastando-se de Vitrúvio, salienta o critério da finalidade na arquitetura. A experiência empírica deveria servir como critério regulador no julgamento estético (Bacon, Of Building 1625). Atenção especial dedicou-se à obra Vitruvius Britannicus (London 1715-1727), de Colen Campbell (1676-1729), grande manifesto do Palladianismo inglês. Andrea Palladio (1508-1580) já se mostra aqui como o maior modêlo da arquitetura inglêsa (Banqueting House, Queens House de Inigo Jones, Whithall e Covent Garden). A arquitetura barroca de Bernini, Borromini e Fontana surge como altamente criticável, sobretudo a Basílica de São Pedro em Roma. A Inglaterra deveria surgir como a grande mantenedora do gosto clássico, substituindo a Itália e defendendo a simplicidade nobra da arte antiga. Nas discussões, salientou-se aqui esse aspecto fundamental no processo de identificação inglesa e de sua diferenciação, apenas compreensível sob o pano de fundo de questões confessionais. Personalidade importante do Paladianismo inglês foi Robert Morris (1701-1754), autor de An Essay in Defence of Ancient Architecture (London 1728) e Essay upon Harmony (1739). Legitimando teoricamente o estabelecimento de normas de gosto estético, procurou criar uma estética abrangente, baseada em critérios absolutos. Contrário à ditadura do gosto imposta pelo palladianistas e reconhecendo o significado do sentimento e da intuição, com certa reabilitação do barroco, James Gibbs (1682-1754) desenvolveu projetos para a aristocracia rural inglesa, de tendências conservadoras. Nas suas obras, A Book of Architecture, Containing Designs of buildings and Ornaments (London 1728) e Rules for Drawing the Several Parts of Architecture (London 1732) salientou porém o significado da proporção de cada elemento entre si e no todo. Como "poetical architect" defendeu a concepção de "man of taste" e do prazer como critério de julgamento baseado na idéia de uma moralidade inata. Simetria, proporção refletem, para ele, a composição de uma bela alma, criando assim uma correspondência entre arquitetura mental e artística. Em Isaac Ware (ca. 1707-1766), autor da obra enciclopédica A Complete Body of Architecture (Londres 1756), o conceito de utilidade já surge no centro das atenções. Contrário a estetizações, salienta a importância da escolha do local, ou seja, do relacionamento entre paisagem e villa. As colunas já não surgem como elementos essenciais da arquitetura. Esta, ao mesmo tempo ciência e arte, devia seguir a imitação da natureza. William Chambers (1723-1796), autor de A Treatise on Civil Architecture (London 1759), tem-se um tratamento prático dos gêneros de colunas. Como mentor do príncipe de Gales, salientou o papel de relevância estatal da arquitetura sob o aspecto de representação e de economia. Do ponto de vista intercultural, fêz observações a respeito da arquitetura chinesa (1757), empregando-as sobretudo no paisagismo. Decisivo na caracterização de uma nova época na história do pensamento arquitetônico inglês surge a obra de Augustus Welby Pugin (1812-1852), Contrasts: Or, A Parallel between the Noble Edifices of the Middlee Ages, and Corresponding Buildings of the Present Day (London 1836). Nela manifesta-se a superação do idioma clássico com a revalorização histórica da Idade Média, inaugurando-se o gothic revival. A Idade Média é apresentada como modêlo de harmonia social refletida nas cidades e nos edifícios. O sentido ontológico, metafísico, teria sido o responsável pelas criações extraordinárias da Idade Média, manifestadas na verticalidade das construções e nas cúpulas. Criticando a idéia da origem da arquitetura na cabana primitiva, na tradição vitruviana, defende uma arquitetura cristã com base em modelos religiosos. A obra estrutural não deve ser encoberta na arquitetura, a cruz e a verticalidade surgem como princípios básicos. Por fim, considerou-se a obra de John Ruskin (1819-1900), em particular The seven Lamps of Architecture (London 1849). Nesse livro, salienta-se o significado do arquiteto a partir de princípios éticos e da filosofia moral, abandonando-se a fundamentação de normas arquitetônicas da história da arquitetura. A restauração de edifícios é vista como destruição, e a construção deveria ser realizada desde o início visando a perenidade, o monumento. Não se desejaria nenhum "estilo novo", mas sim uma arquitetura a ser examinada pelo "candelabro da verdade". As sessões foram entendidas como uma preparação para a continuação dos debates relativamente à arquitetura vitoriana, as suas transformações e as suas expressões no império britânico e nas construções de empreendimentos britânicos em outros páises do mundo, em particular em estações ferroviárias e prédios industriais.
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Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).