Doc. N° 2085
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
101 - 2006/3
Migração, subalternidade, alteralidade e representação Seminário - Universidade de Colonia e Academia Brasil-Europa, junho-julho de 2006
O objetivo das discussões foi o de atualizar as reflexões referentes a temas tratados no Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros (Forum Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro 2003) concernentes a problemas de Colonização, Imigração e Postcolonialismo. As possibilidades de aplicação de aportes críticos de pensadores representantes do Post-Colonial-Studies nas diversas situações culturais e contextos estão sendo discutidas em trabalhos publicados após o evento e que necessitavam ser considerados para a atualização do debate euro-brasileiro. Uma dessas publicações é a coletânea de título "Fala o subalterno alemão? Migração e Crítica Postcolonial (Spricht die Subalterne deutsch? Migration und postkoloniale Kritik), editada por Hito Steyerl e Encarnación Gutiérrez Rodriguez, com ensaios de intelectuais migrantes, inclusive brasileiros, publicada em Münster, em 2003 (editora Unrast) e que serviu de ponto de partida para as discussões. Após a consideração dos questionamentos básicos e pontos de partida da crítica postcolonial, deu-se especial atenção ao pensamento de Gayatri Chakravorty Spivak, sobretudo expressos na sua obra "Can the Subaltern speak?", de 1987, fonte inspiradora do título da coletânea em questão. Recordou-se, inicialmente, que na literatura de estudos culturais brasileiros não é nova a atenção dada à posição e à voz de subalternos e subprivilegiados, sobretudo na obra de pensadores de orientação marxista do passado. Vários deles se posicionaram explicitamente contra a desqualificação de determinadas formas de conhecimento e saber na hierarquia da produção de conhecimentos. Sobretudo representantes de certas correntes teoricamente mais refletidas do antigo Folclore assim justificaram o interesse por uma sabedoria e um saber transmitidos pelo povo. Seguindo-se o exemplo da publicação em foco, poder-se-ia pensar numa correspondente adaptação do título do trabalho de Spivak para "O subalterno fala português?". Essa adaptação dirigiria a atenção para as possibilidades de análise de questões de assimilação e integração de parcelas populacionais de língua não-portuguesa na sociedade brasileira, ou seja indígenas no passado e no presente, africanos no passado e minorias de imigrantes europeus e asiáticos nas primeiras fases da integração. Salientou-se, porém, o fato de que o título do texto de Spivak se refere a uma problemática muito mais ampla do que o simples domínio do idioma hegemônico. Partindo-se do pressuposto de que reflexões teóricas relativas a problemas culturais não devem ser consideradas como questionamentos descontextualizados de teoria de conhecimento, mas que os problemas devem ser analisados dentro de um contexto geográfico, político e histórico, no caso, euro-brasileiro, salientou-se que também o pensamento e a expressão no discurso científico surgem como resultado de um campo de tensões, concretizado no tempo e no espaço. Com base em observações de Edward Said e Gayatri C. Spivak relativas à construção de alteralidade como exterior constitutivo para a produção do "projeto imperial Europa", discutiu-se o poder dos discursos que constituem o colonizado como sendo o Outro. A produção do saber correspondente ter-se-ia originado no contexto do colonialismo. Haveria a possibilidade de uma deconstrução dessas produções do saber que estariam estreitamente vinculadas com problemas culturais, sociais, humanos e ecológicos do presente? A análise dos modêlos intrínsecos ao pensamento e à expressão poderia aguçar a atenção a questões de alteralidade nos estudos culturais contextualizados. O modo com que se fala do Outro não corresponderia apenas a um simples desejo de conhecimento e saber: produzir-se-ia o Outro através da expressão. Este Outro se confrontaria hoje com problemas de injustiça resultantes dos efeitos históricos e sociais do processo colonial e de políticas questionáveis de integração. O Outro surgiria no âmbito de uma lógica que se procuraria fundamentar ontologicamente, cuja alteralidade seria apropriada para a construção contrastante da própria cultura. Essa seria a base da produção de identidades fundamentadas em etnias, raças e gêneros como especularidades negativas na literatura de disciplinas dedicadas a assuntos culturais. Também discutiu-se a crítica que está sendo submetido o modêlo da intersubjetividade, pois esse conceito pressupõe um Outro que é negativizado para a formação da própria cultura autônoma. Colocar-se-ia assim em questão as possibilidades de reconhecimento da diferença do Outro e as formas de procedimento. Nas disciplinas tradicionalmente dedicadas a assuntos culturais, duas atitudes poderiam ser constatadas: ou o Outro seria subsumido na Unidade, freqüentemente em nome de princípios universais, ou se tranformaria em objeto de particularidade cultural, salientando-se a diversidade e a diferença. Em ambos os casos, o Outro se constituiria como figura de projeção que seria apropriada, consumida e incorporada. Retomar-se-ia, assim, nas discussões da atualidade, assuntos debatidos há anos e que levaram à realização do Simpósio Internacional de 1981, em São Paulo, dedicado às relações entre a Unidade e a Diversidade na cultura brasileira e nos estudos correspondentes. Também se salientou um outro aspecto das discussões da atualidade: não se trataria apenas de uma questão de aceitação do Outro nas reflexões teóricas e nas ações práticas de política cultural; a atenção estaria sendo dirigida mais a questões de representação. Lembrou-se assim sobretudo os eventos relativos à questão de imagem e representação da Academia Brasil-Europa, em partircular as conferências relativas ao retrato do Brasil e de sua cultura (1989-1998) e ao o Congresso Brasil-Europa 500 Anos: Música e Visões (1999). Por fim, as atenções se concentraram na elucidação de certos pontos relevantes do debate atual, visando uma maior diferenciação e precisão de conceitos e de procedimentos. Relativamente a questões de migração, observou-se que nem todas as ações culturais de migrantes corresponderiam ao alto nível de reflexão e crítica dos pensadores do Post-Colonial-Studies. Pelo contrário, as comunidades de migrantes caracterizar-se-iam em muitos casos, premidas pelas contigências de processos identificatórios, por estreito conservantismo, por uma estilização tradicionalista de elementos da cultura pátria, levando a manifestações de cunho chauvinista. Foram estudados aqui, como exemplo, problemas relacionados com a comunidade de língua alemã do Brasil do passado, analisando-se fenômenos de reação integrativa através do cultivo do canto popular alemão e da música alemã em geral, o que levou de forma muitas vezes inconsciente a que grupos culturais se transformassem em agentes de correntes intelectuais reacionárias e de tendências políticas questionáveis nos anos 30, levando também a conseqüentes medidas por parte do Brasil. A comunidade de migrantes brasileiros na Europa deveria sempre recordar esses fatos históricos de imigrantes europeus, ocorrências compreensivelmente não bem vistas no Brasil, aguçando a sua atenção para não serem também vítimas de similares mecanismos de processos identificatórios e integrativos. Exemplificando, mencionou-se o fato de que brasileiros, que no Brasil nunca festejaram São João, de repente promovem e participam de festas juninas, sem maiores reflexões sobre o contexto religioso e simbólico de tais expressões, vestindo-se de "caipiras" em plena Europa, com todas as conotações discriminatórias que o uso não consciente dessas expressões alegóricas traz consigo, o mesmo acontecendo com relação ao Carnaval, a churrascos ou coros que pretendem ser "vozes do Brasil". Por outro lado, salientou-se que o problema relacionado com a questão da subalternidade, alteralidade e representação não pode ser entendido de forma restrita sob o ponto de vista de um confronto entre estudiosos europeus e não-europeus, como se os pensadores europeus fossem mais eurocêntricos do que os dos países não-europeus. O problema da alteralidade não poderia ser vista sob essa perspectiva tão primária, infelizmente ainda muito divulgada por falta de maiores reflexões. Como se demonstrou em exemplos concretos, alguns pensadores de países de passado colonial ter-se-iam transformado hoje nos principais agentes e reprodutores do colonialismo cultural, atuando não de fora, mas internamente nos seus próprios países. Seriam eles aqueles que mais estariam mantendo modêlos de pensamento claramente eurocêntricos e que perpetuariam irrefletidamente edifícios de conhecimentos, agindo por assim dizer imperialisticamente contra aqueles que procuram transformá-lo, dentro e fora dos respectivos países. A.A.Bispo
© 2006 I.S.M.P.S. e.V. Todos os direitos reservados
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).