Doc. N° 2098
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
102 - 2006/4
Recepções, hibridismo e representação na arquitetura teatral Reflexões no Teatro Baltasar Dias, Funchal Comemorações de W. A. Mozart
A arquitetura de teatros é não apenas um dos temas mais relevantes da história da arquitetura e das artes em geral. Pelas suas conexões com a acústica e a prática musical, é também de particular interesse para a musicologia. Assim, no programa de estudos dedicado às relações entre a Arquitetura e a Música da A.B.E., a arquitetura de teatros desempenhou papel relevante. Considerou-se aqui, entre outros aspectos, a música (no sentido figurado ou abstrato) nos teatros construídos e, por outro lado, o "teatro" na música. Os teatros do Brasil já foram alvo de vários outros projetos de instituições vinculadas à A.B.E. desde o início da década de 60. Resultados de um levantamento fotográfico de teatros de todas os Estados do Brasil foram apresentados várias vezes em exposições. No decorrer do corrente ano, em seqüência ao projeto "Poética da Urbanidade" e também no âmbito das discussões relativas a estudos de identidade cultural, procurou-se tratar o tema sob uma perspectiva intercultural, levando-se em consideração os aportes teóricos discutidos. Não se tratou apenas de estabelecer comparações entre os teatros do Brasil e possíveis modêlos europeus, nem estudar apenas linhas gerais da recepção de concepções e estilos. A atenção foi dirigida primordialmente à questão da importância dos teatros como instrumentos da representação de sociedades, de marcas de identidade cultural de determinados segmentos da população ou resultado da política de formação dessas mesmas identidades e sua monumentalização e culto, assim como à função performativa e perpetuadora por eles exercida de modêlos e cânones culturais. Os esforços comparativos foram dirigidos portanto a correntes e estágios da formação de identidades urbanas em vários centros do Brasil e da Europa. Os elos arquitetônicos e artísticos em geral entre os teatros de cidades tão distantes entre si, por exemplo entre Manaus e o Porto, as múltiplas conotações e vínculos estéticos com outras cidades, por exemplo Milão, foram discutidos como elementos significativos de análise cultural. Um dos aspectos mais salientados foi o da função de construções teatrais magnificentes em sociedades caracterizadas por instabilidade nos processos identificatórios (Hibridismo) por se derivarem de processos coloniais ou por se encontrarem em regiões periféricas ou insulares. A arquitetura de teatros do mundo de língua portuguesa oferece numerosos exemplos de construções relevantes para o estudo da história das artes e da música sob uma perspectiva global. Não se trata aqui apenas de contribuir para que a história das artes e da música supere a sua atual concentração na Europa, uma visão da disciplina que vê expressões culturais e artísticas de países de outras regiões apenas sob a perspectiva da extensão ou recepção. Trata-se sobretudo de contribuir para que se procure novas perspectivas e aportes teóricos que possibilitem a superação de impasses causados pelo desenvolvimento histórico das várias disciplinas. Da história dos teatros no mundo de língua portuguesa, discutiu-se sobretudo a singular italianidade nesses edifícios de representação cultural do século XIX. Exemplos representam, entre outros, o Teatro de São Luís de Lisboa, o teatro Leths em Faro e o teatro Garcia de Resende em Évora. Seguiu-se, em vários casos, o modêlo do Teatro de S. Carlos, em Lisboa, cuja construção foi iniciada em dezembro de 1792, dirigida pelo arquiteto José da Costa e Silva. Esse erudito construtor viajara por vários países europeus e inspirara-se no projeto do Teatro alla Scala de Milão. O teatro recebeu o nome de São Carlos em homenagem à então princesa D. Carlota Joaquina, esposa de D. João VI, e que passaria vários anos no Brasil. As discussões foram aprofundadas com observações in loco do Teatro Balthasar Dias, de Funchal. Esse teatro já tinha sido visitado em 1988 (ver relato no primeiro número desta revista). Tratou-se agora de reconsiderá-lo à luz das novas reflexões e aportes teóricos. A companhia edificadora do Teatro foi criada em 1880 com o objetivo de viabilizar a construção de um teatro municipal na Madeira.O projeto de construção do teatro ficou a cargo do engenheiro Tomás Augusto Soler (+1893), do Porto, responsável por obras de construção e técnicas de grande relevância em Portugal, entre as quais as da Associação Comercial do Porto, do Banco Aliança da mesma cidade, do Jardim Botânico de Coimbra e das ferrovias do Minho e Douro. Os trabalhos foram dirigidos pelo mestre de obras Manuel Pereira, também do Porto. A primeira pedra foi lançada em 24 de outubro de 1884, sendo o ato emoldurado musicalmente por três bandas de música que se reuniram no jardim à frente do futuro edifício (Jardim Novo, Municipal, D. Amélia ou S. Francisco) e se apresentaram na Praça da Constituição, adjunta a São Lourenço. Na conclusão deas obras, em 1887, houve uma solenidade de entrega do edifício com um concerto da orquestra da Associação Musical 25 de janeiro. A inauguração solene deu-se no dia 11 de março de 1888 com a zarzuela "Las dos Princesas" por uma companhia espanhola dirigida por José Zamorano. Para a decoração do teatro vieram à Madeira artistas de renome, Eugenio do Nascimento Cotrim (1849-1937) e Luigi Manini, de origem italiana mas nascido e falecido em Lisboa, conhecido pela decoração da Sala Vasco da Gama do atual Museu Militar de Lisboa, entre outras. Este último também atuara no campo da arquitetura, por exemplo na construção do Hotel do Bucaço. Como pintor de cenas, executou vários trabalhos para o teatro São Carlos em Lisboa, para o Teatro Garcia de Resende, em Évora, entre outros. O teatro recebeu o nome de D. Maria Pia, esposa do rei D. Luís, que visitara a Madeira em duas ocasiões. Em 1910, o nome foi mudado para Teatro Dr. Manuel de Arriaga, em homenagem a um deputado que muito defendera causas madeirenses no parlamento. Como o homenageado recusou a honra, somente após a sua morte foi o então Teatro Funchalense assim denominado (1921). O teatro de Funchal impõe-se pela sobriedade clássica, pela simplicidade e nobreza de sua fachada, voltada ao Jardim, composta de duas ordens, com onze pórticos. Grades de ferro protegem o teatro do exterior. Na simbologia de suas imagens, procurou-se desde o início rememorar o significado da Madeira na época das grandes descobertas, colocando-se medalhões do infante D. Henrique de João Gonçalves Zarco no átrio de entrada, decorado de azulejos, imagens entretanto já não mais existentes. Na parte superior, a frente do edifício comporta um salão nobre, com 11 janelas que se abrem ao jardim. O Elucidário Madeirense de Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Meneses (Funchal 1946, III, 318) oferece dados suscintos relativos à programação artística do teatro no passado, de interesse para um panorama histórico da recepção cultural na Madeira: zarzuelas por companhias espanholas tais como as de Ramon Novarro, Frederico Reparaz, Pablo Lopez e Ramon Santiago. de operetas por companhias portuguesas, italianas e espanholas, lírica italiana, companhias dramáticas e teatros de variedade com artistas provenientes de vários países e concertistas de renome internacional. Sugestivas para o estudo de processos de monumentalização e perpetualização de eventos culturais como marcas na história cultural da comunidade são as numerosas placas comemorativas existentes no átrio do edifício. Entre outras: Ao Orfeão Académico de Coimbra. Homenagem da Cidade. 1949 Novembro 11 Dr. Manuel dos Passos de Freitas. Musicólogo Notável. Homenagem da Câmara Municipal. Funchal 23 -10-1952 Ao Maestro Frederido de Freitas. Comemoração dos concertos sinfónicos integrados nos primeiros festivais de música da Madeira. Homenagem da Câmara Municipal do Funchal. Abril 1959 14 de julho de 1960. Orquestra Sinfónica Nacional. Direcção do Maestro Pedro de Freitas Branco. II Festivais de Música da Madeira Companhia de Ópera Portuguesa do Teatro da Trindade (F.N.A.T.) Sob o patrocínio e com a presença do Ministro das Corporações Prof. Doutor Gonçalves de Proença. 6/10/63 Lizetta Zaronne. Pianista. 50 anos de Música. Julho/80 A cidade do Funchal agradecida ao Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa pela oferta do piano concerto Steinway hoje inaugurado pela pianista Maria João Pires. Funchal 2 de janeiro de 1992 C.M.F. Teatro Municipal Baltazar Dias. Homenagem da cidade do Funchal à grande artista portuguesa Amália Rodrigues. Funchal 22 de setembro de 1992 C.M.:F. Teatro Municipal Baltazar Dias. Homenagem da cidade do Funchal aos actores Curado Ribeiro Ruy de Carvalho e Varela Silva por ocasião da estréia da Ceia dos Cardeais no Teatro Municipal. Funchal 3 de outubro de 1992.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).
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