Doc. N° 2124
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
103 - 2006/5
Polifonia e sociedade. Questões de sentido e problemas religiosos atuais Depoimento do Dr. Armindo Borges Capella Olisiponensis Basilicae Martirum, Lisboa
O musicólogo e teólogo português Dr. Armindo Borges, vice-presidente do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguêsa, na sua primeira visita às novas instalações européias da Academia Brasil-Europa, em setembro de 2006, manifestou-se a respeito de alguns problemas atuais da vida musical e da pesquisa musicológica em Portugal.
O seu principal interesse tem sido sempre a polifonia clássica. Nos estudos que desenvolveu nas mais prestigiadas instituições de Portugal, do Vaticano e da Alemanha, teve a oportunidade de estudar e conviver profissionalmente com grandes especialistas do gênero, acompanhando o desenvolvimento de décadas dos estudos específicos e das iniciativas práticas de cultivo do repertório polifônico. Motivo condutor de seus estudos e trabalhos tem sido sempre a sua convicção de que as obras da polifonia sacra do passado não podem ser analisadas e executadas sem a adequada consideração do conteúdo espiritual que lhes é próprio, e os caminhos para isso ofereciam primordialmente os textos. As análises não podem se restringir a aspectos exteriores, estético-musicais no sentido superficial do termo, exigindo, ao contrário, não apenas contextualizações apropriadas, mas sim análises de significados. Essa hermenêutica, porém, não pode ser jamais arbitrária; ela é, em si, um campo de investigações necessariamente baseadas em estudos de concepções expressas em obras teóricas e teológicas do passado. Um complexo de questões muito mais amplo diz respeito aos vínculos do próprio princípio polifônico ao desenvolvimento do próprio pensamento teológico e filosófico da Europa na Idade Média. A polifonia surgiria, assim, como resultado de toda uma constelação de fatores profundamente relacionados com a própria história da formação de identidade cristã da Europa.
No sentido de aplicar os seus conhecimentos e os seus pontos de vista na prática, criando ao mesmo tempo uma rêde de estudiosos interessados no debate das múltiplas questões relativas à Polifonia, o Dr. Armindo Borges constituiu um coro especializado na tradicional Basílica dos Mártires de Lisboa. Na sua exposição, descreveu o trabalho intenso que está sendo realizado, as obras já estudadas, as execuções e o entusiasmo despertado em vários de seus membros. Ao mesmo tempo, porém, mencionou as dificuldades encontradas, não apenas aquelas derivadas da procura de idealistas com conhecimentos e aptidões à altura das exigências.
A prática polifônica devidamente contextualizada realizar-se-ia sobretudo na sua íntima relação com o culto. Determinadas concepções de liturgia teriam prejudicado a prática de obras polifônicas no passado recente. Perceber-se-ia, porém, uma mudança gradativa de atitudes, uma revisão de posições que prometeria abrir novos caminhos para o futuro.
No encontro, salientou-se porém um outro conjunto de problemas a ser necessariamente considerado nas reflexões. Portugal e as comunidades portuguesas da imigração - similarmente ao que acontece no Brasil - constata, na atualidade, um extraordinário crescimento dos grupos evangelicais. A extensão desse fenômeno, visível na quantidade de templos e casas de culto nas cidades e bairros de periferia, não pode deixar de trazer conseqüências culturais amplas. Os estudos culturais, por mais especializados que sejam, não podem deixar de considerar esse desenvolvimento. A musicologia histórica, sobretudo nos países de língua portuguesa, tem sido até hoje marcada por estudos dedicados a obras, compositores e gêneros de séculos de predominância católica. Se a polifonia representa uma das mais exponenciais expressões culturais da Europa, se o seu entendimento profundo pressupõe a consideração de sua contextualização adequada no culto, se o repertório polifônico marcou o desenvolvimento histórico-musical dos países ibéricos e de suas antigas colonias, então a nova situação causada por mudanças confissionais exigem uma ampliação do leque de questões a serem consideradas pelos musicólogos.
Nesse sentido, no encontro realizado, foram delineados alguns projetos para o tratamento interdisciplinar da questão.