Doc. N° 2130
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
104 - 2006/6
Da correspondência
Memória e preservação patrimonial do bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro
A Academia Brasil-Europa vem recebendo textos e materiais iconográficos de Joel Coelho (Associação dos Moradores e Amigos de Santa Teresa, AMAST), sob o título de "De Olho em Santa", onde, em nome de um grupo de abnegados defensores da memória do bairro de Santa Teresa, preocupados com a preservação de sua arquitetura e valores, se transmitem notícias relativas a acontecimentos atuais e documentos concernentes ao bairro. Longe de constituirem meros trabalhos de divulgação e de jornalismo, as missivas demonstram sólida fundamentação histórico-cultural, com extraordinário conhecimento da literatura e da documentação visual referente ao bairro. Trata-se, sem dúvida, de uma das mais significativas iniciativas culturais e exemplo de exercício de cidadania no gênero.
Entre os assuntos tratados nos últimos textos, deu-se particular atenção ao Hotel Santa Tereza, um edifício de fins do século XIX, tombado historicamente, e que, após ser adquirido por um grupo francês de hotelaria, em 2004, acabou por ser demolido.
Entre os eventos realizados, cita-se a palestra de Denise Tarin, do Ministério Estadual de Meio Ambiente, e a mesa redonda de título "Reflexões sobre a implantação da APA de Petrópolis e suas lições para a APA de Santa Teresa", realizados no dia 13 de dezembro na Associação Calabresa do Rio de Janeiro.
Em alguns eventos da Academia Brasil-Europa e dos seus institutos (ISMPS, IBEM) que incluíram sessões no Rio de Janeiro, as organizações fizeram questão de considerar o bairro de Santa Teresa, de excepcional relevância para os estudos pelas suas características paisagísticas e culturais. Esse foi o caso, por exemplo, do colóquio realizado no âmbito das comemorações dos 450 anos de São Paulo (2004), no âmbito do programa de estudos de título "Poética da Urbanidade", quando, no último dia das sessões, o programa incluiu nada menos do que um passeio de bonde dos congressistas europeus e brasileiros pelas ruas de Santa Teresa. Em fins de dezembro de 2006, no dia 22 e 23, representantes da A.B.E. realizaram uma visita ao bairro com o objetivo de um encontro pessoal com os responsáveis pela correspondência. Na garagem de bondes do bairro, puderam se informar a respeito dos trabalhos referentes à recuperação dos veículos, aos critérios históricos que estão sendo seguidos e aos planos relativos à recuperação e conservação de linhas. Nessa oportunidade, salientou-se o valor histórico e cultural desse sistema de transporte para o bairro e para o Brasil em geral, uma vez que foi extinto da maior parte das cidades. Salientaram-se aspectos discutidos no âmbito do programa "Poética da Urbanidade" em várias cidades da Europa e do Brasil a respeito do significado das rêdes desse tipo de transporte no crescimento e na disposição urbana de várias cidades, na caracterização e identidade cultural de bairros, e o redescobrimento e revalorização que o bonde está sendo alvo em várias cidades da Europa.
Vários viajantes europeus salientaram no passado o bairro de Santa Teresa. Assim, a Princesa Teresa da Baviera, na sua obra "In den Brasilianischen Tropen" (Berlin: Dietrich Reimer, 1897), ali se hospedando, refere-se ao bairro com as seguintes palavras:
"Somente após termos obtido uma visão geral do centro da cidade é que pensamos em procurar o nosso hotel. Por motivos de saúde, devido à malária e à febre amarela, endêmica no Rio, os estrangeiros devem evitar tomar moradia nas partes mais baixas da cidade. E, assim, a nossa escolha caiu no Hotel Vista Alegre, uma hospedaria que tem mais um caráter de vila, situada no ponto mais alto do morro de Santa Teresa, alcançável do pé do morro em viagem de cerca de três quartos de hora. O Plano inclinado, uma linha a cabo, de 513 metros de comprimento, e depois um bonde, que sobe as ruas íngremes, trouxe-nos ao nosso destino, onde, embora com grandes interrupções, teríamos algumas semanas de estadia.
A longa distância de nosso pouso nas alturas até as estações de trem e a todos os pontos de interesse da cidade é, de fato, muito inconfortável; ela é compensada, porém, e muito, pela probabilidade de se permanecer sadio no Rio insaudável e, além do mais, pela vista magnífica que podemos apreciar a toda hora do dia. A vista das nossas janelas abrange, na perspectiva dos pássaros, toda a baía emoldurada de morros, com as suas inumeráveis ilhas e as suas muitas localidades distribuídas nas costas. Ao nosso redor, nas proximidades da nossa casa, domina irrestritamente uma natureza tropical de montanhas. Barrancos íngremes, cobertos de vegetação, distribuem-se para o alto e para a baixada. As colinas, coroadas de vilas e jardins, sobem até nós, e ao fundo dos nossos pés se espraia a cidade.
Um por-de-sol claro, embora não incandescente de cores, constituiu o término das impressões únicas de beleza do dia de hoje. Mas ainda estava preparada uma surprêsa a mais para nós. Assim que começou a escurecer, as luzes brilharam como pequenos vagalumes nas profundezas abaixo de nós, cada vez em maior número. Por fim, o Rio nadava num mar de luzes que desenhava as linhas das baías de forma pictórica, subindo e descendo as elevações. E, assim como do nosso lado, do mesmo modo do outro. Na outra costa brilharam também as casas e ruas da cidade de Niterói na iluminação noturna e acenderam-se pequenas luzes nas colinas distantes. Se a baía do Rio de Janeiro fora encantadora durante o dia, adquiriu um encanto inesperado à noite, com a sua ornamentação festiva de luzes.
(...)
Cedo procuramos a Igreja do Convento das Carmelitas de Santa Teresa, situado abaixo do nosso morro. Esse é um dos dois únicos conventos femininos que o Rio possui e que, uma vez que desde 1861 não podem mais admitir novos membros, logo chegarão ao fim de sua existência. Ao descer, tivemos em direção sul uma vista magnífica das encostas do Corcovado e, ao fundo, a baía azulada do Botafogo; no átrio defronte da igreja, porém, descortinava-se uma visão geral de toda a baía, a monumental entrada e uma parte da famosa canalização de água do Carioca, que está operando desde 1750. Através de duas séries superpostas de arcos cobertos de limo, o aqueduto transpassa o vale situado entre o Morro de Santa Teresa e o Morro de Santo Antonio, constituindo uma marca pitoresca do Rio de Janeiro." (págs. 249-250)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).