Doc. N° 2148

Revista Brasil-Europa

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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105 - 2007/1


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Da correspondência

Memória e preservação cultural e patrimonial do bairro de Santa Teresa II:
Flora e fauna de Paineiras e do Corcovado

 

Santa Teresa RJA troca de correspondência da A.B.E. com o Sr. Joel Coelho de Souza, editor do boletim "De Olho em Santa", secretário da Associação dos Moradores e Amigos de Santa Teresa (AMAST), já tem levado a significativas manifestaçõs de desejo de cooperação de ambos os lados. Aquele boletim teve a gentileza de reproduzir grande parte do material editado no número 104 deste órgão (novembro/dezembro de 2006).

Particular interesse despertou o texto da princesa Teresa da Baviera com a descrição de sua estadia no hotel Vista Alegre, em fins do século XIX. Também esse texto foi republicado pelo boletim da entidade pelo Dia Internacional da Mulher, sendo enriquecido com várias fotografias raras e altamente ilustrativas.

De fato, as palavras da princesa Teresa da Baviera são significativas para exemplificar o fascínio despertado pelo bairro em viajantes estrangeiros ou de origem estrangeira que reconheceram as qualidades paisagísticas únicas do local.

As referências ao hotel onde a princesa da Baviera se hospedou podem ser comparadas e completadas com aquelas fornecidas por Carl von Koseritz, 6 anos antes, em notícias datadas de 26 de abril de 1883:

"Em matéria de hotéis só conheço, até agora, o Vista Alegre, de Santa-Teresa, aonde habito. Os hotéis Carson, Grand Hôtel, Hotel dos Estrangeiros, Hôtel d'Angleterre, Royal Hôtel e Hôtel de France gozam de uma grande reputação. Preferí o Vista Alegre porque, ao que se diz, não há febre em Santa Teresa. Parece, de fato, que a febre não tinha chegado aqui, mas com a minha chegada mudou-se a coisa, pois no momento em que escrevo estas linhas a senhora Koser, jovem esposa do consul alemão, que vivia justamente em frete ao hotel, deve ser conduzida à sepultura. (...)

O Hotel Vista Alegre fica no alto do morro de Santa Teresa e das suas janelas e terraços se domina toda a cidade, Niterói, todos os arredores do Rio, o porto e a baía com suas fortalezas, até o oceado. Aquí se respira um ar puro e a parte posterior do edifício tem vista para as matas espessas que ainda cobrem os altos do pico do Corcovado. A situação é, assim, encantadora, e o estilo suiço, que aqui predomina, está brilhantemente arranjado, na casa de três andares. Todos os quartos têm portas de vidro e venezianas, que dão para varandas de madeira que circundam a casa; os quartos são mobiliados com todo conforto; um grande e bem tratado jardim contorna o prédio; excelentes banheiros; ligação telefônica com a cidade; campainhas elétricas em todas as peças; serviçais corteses e eficientes; mesa de primeira ordem; boas bebidas; e preços relativamente razoáveis não são as menores vantagens deste estabelecimento modelar. Assim foi acertada minha preferência pelo Vista Alege, apesar da sua distância da cidade, (levei 3/4 de hora de bonde do Ministério da Agricultura, situado na Praça do Palácio, até o hotel). (...)

Carl von Koseritz, Imagens do Brasil. Tradução, prefácio e notas por Afonso Arinos de Melo Franco. São Paulo: Martins, 1943, 28-29 (Biblioteca Histórica Brasileira XIII)

A princesa, que esteve várias semanas incognitamente hospedada em Santa Teresa, poucos meses antes da proclamação da República, descreve na linguagem altamente diferenciada de uma pesquisadora de ciências naturais e de etnologia, as suas impressões do bairro e da região.

A princesa chegou a conhecer muito bem o bairro, uma vez que realizava todas as suas excursões a partir dali. Assim, descreve passeios realizados a Niterói e ao Corcovado. Sobretudo as suas palavras referentes à ida ao Corcovado, na quinta-feira, dia 16 de agosto de 1889, apresentam especial interesse para os estudos da memória ambiental de Santa Teresa, uma vez que dão informações detalhadas a respeito da flora da região, incluindo talvez o texto histórico-científico mais valioso referente à botânica do bairro. Além do mais, oferece uma lista detalhada dos animais colecionados pelo seu acompanhante em Paineiras e nas matas do Corcovado.

"O dia de hoje foi dedicado ao Corcovado, esse morro em forma de corcunda de 735 metros de altura, em cujas encostas mais baixas nós nos encontrávamos no Hotel Vista Alegre. Já há 3 anos, um carril de cremalheira leva até quase a seu cume. Entretanto, preferimos cavalgar de ida e volta pelo menos até a estação Paineira, que se localiza ca. de 2/3 da subida, a fim de poder contemplar com cuidado a vegetação e o mundo animal. O caminho, de lá até o cimo, que quase sempre fica na floresta, percorremos em ca. de duas horas. A vegetação aqui não deixa nada a desejar em pujança encantadora. Ao lado dos altos Cocos Mikaniana Mart. e dos ainda mais altos Attalea Indaya Dr., crescem, no emaranhado de palmeiras mais baixas, espécies de Geonoma e Bactris. As grandes árvores da floresta mostram leguminosas e mirtáceas, por exemplo Lecythis angustifolia Endl., melastomácias, Nyctagineas, - eu cito apenas Andradeae floribunda Allem. -, Laurineas e Urticineas, como a forte Pharmacosicea vermifuga Miq., boragíneas, sapotáceas e outras. A vegetação mais baixa se compõe sobretudo de Samydeas, Asclepliades, Apocynaceas e rubiáceas. Orquídeas florescem nas árvores, aroideas e bromélias terrestres e epifíticas se estabelecem em todo e qualquer espaço que fique livre. Também não faltam os bambús, tão característicos das encostas da floresta costeira. E incontáveis cipós se enroscam através da pujante vegetação e unem as coroas das árvores, que se procuram os altos, com a vegetação mais modesta rasteira numa rede vegetal intranspassável. Durante a nossa cavalgada, abriam-se a nós belas vistas das baías da costa sudoeste e do oceano azul, infindável.

Em Paineira, tomamos o trem de cremalheira, que, subindo vertiginosamente em ângulo de 30 graus, nos levou dentro de 25 minutos até abaixo do cume. (...)

De Paineiras, fizemos o caminho de volta ao nosso domicílio fluminense em lombo de burro. A cavalgada para baixo nos pareceu ainda mais bela do que para cima, pois tínhamos uma vista incomparável do Rio e da sua baía, montanha e mar sempre diante de nós. (...)

Relação dos animais colecionados no Corcovado pelo nosso serviçal durante as semanas seguintes:

    Liophis melanostigma Wagl., uma serpente que vive no chão e que só se observa no Brasil, de bonita cor cinzenta nos lados. 2 exemplares

    Rhadinaea merremii Wied, uma serpente que também só se limita ao Brasil de 50 cm de comprimento. 2 exemplares

    Elaps corallinus Wied var. B., a forma original brasileira de uma coral propagada na América do Sul tropical e nas pequenas Antilhas, cobra venenosa conhecida, de cor vermelha- cinábrio. 2 exemplares, macho e fêmea

    Megasoma Typhon Oliv., um Lamellicornio comprido, prêto, da subfamília dos besouros gigantes (Dynastidae), com um chife comprido na cabeça, virado para trás, e um outro no pescoço, virado para frente

    Coeloscelus smaragdulus Fabr., um besouro pequeno, de escamas de verde-esmeralda brilhante, que parece se restringir às regiões mais ao Norte da América do Sul

    Pinotus bicuspis Ger., um Lamellicornio prêto, brilhante, típico do Brasil

    Phileurus didymus L., um Lamellicornio meio prêto, que tem chifres na cabeça, pode produzir um som sibilante e só é encontrado nas regiões mais ao Norte da América do Sul

    Pyrophora candes Germ. = "môsca de fogo cintilante", um besouro rápido brasileiro (Elateridae), com pontos no pescoço e que se iluminam intensamente à noite. 2 Exemplares

    Rhipidocera marginata Kirb., um Rhipidoceride verde-marrom com cobertura de asas de contornos amarelos, não raro nas redondezas do Rio de Janeiro

    Lordops Gyllenhali Dalm., um encantador besouro pequeno, verde-dourado e de brilho metálico, que pertence a um gênero de Curculionides limitado ao Brasil

    Heilipus cauterius Bohem., um pequeno besouro de trombas escuras, que parece se limitar ao Brasil

    Mallosoma zonatum Sahlbg., um besouro-bode (Cerambycidae) que parece que se limita ao Brasil, cujo pescoço e asas de cobertura são lindamente desenhados em prêto e amarelo, com cintilações aveludadas

    Mesomphalia sexpustulata Fabr., um besouro interessante, verde-azul escuro (Cassididae) com cobertura de asas em corcunda, ornamentadas com 6 pontos vermelhos. 2 Exemplares

    Pepsis viridisetosa Spin., uma pequena vespa azul-verde-garrafa com cintilações metálicas (Pompilidae), que surge tanto nas Guianas quanto no Brasil, mas que parece ser bastante rara

    Cryptocerus atratus (L.) Fabr., uma formiga de nós de 12 mm de comprimento (Myrmicinae), e, como o seu nome diz, de cabeça e tórax espinhentos, que pertence a um tipo de formigas que, ao contrário dos costumes e do caráter de outras Formicidae se caracterizam por preguiça e covardia, levando uma forma de vida solitária. Esa formiga é aquela que é empregada para provar a capacidade de agüentar dor pelos jovens índios Maué. 1 exemplar

    Atta sexdens (L.) Fabr., uma formiga de nós (Myrmicinae) vermelho escuro-marrom, com cabeça e tórax espinhentos, que imigrou somente há pouco tempo de Minas Gerais para o Rio de Janeiro e que é muito temida por comer totalmente as árvores, deixando-as carecas. 15 exemplares

    Camponotus sericeiventris (Guér.) Mayr, uma formiga meio preta difundida na América do Sul e Central, da subfamília Camponotinae, com a parte inferior do corpo verde, de brilho sedoso, de protórax espinhoso e meso- e metatórax em forma de cunha. 5 exemplares

    Morpho Helenor Guenée, uma linda borboleta gigante (Morphonae) de 14 cm de amplitude e com asas azuis de contornos negros largos

    Brassolis Astyra Godt., uma Brassolina que só é mencionada para o Brasil e que tem travessões amarelos amarronzados nas asas da frente

    Brassolis Sophorae L., uma lagarta, grande e sem pelos; animal nocivo para o Cocos nucifera L e outras palmeiras

    Acraea Thalia L., uma Acracina pequena, singularmente com manchas e listas amarelo marrons

    Heliconia Phyllis Fabr., uma Heliconina difundida do Brasil até a Venezuela, negra com asas de frente com largas manchas vermelhas e as de trás de contornos amarelos estreitos

    Colaenis Dido L., uma Nymphaline grande com asas desenhadas amplamente de prêto e verde claro

    Colaenis Julia Fabr., uma Nymphaline vermelha e preta

    ? Temenis Laothoe Cram. (segundo identificação de Munique), ? Ageronia, .... (segundo identificação de Londres); uma larva Nymphaline amarela e marrom, de pelo em forma de escova escura ee comprida, marrom, cuja espécie não se pode identificar com segurança. 8 exemplares

    Catagramma Hydaspes Dru., uma encantadora Nymphaline pequena, preta, cujas asas na parte superior cintilam em vermelho e azul, desenhadas, na parte inferior, caracteristicamente com traços amarelos e pontinhos azuis e brancos

    Didonis Biblis Fabr., uma Nymphaline linda, preto-veludo, com manchas compridas, de vermelho carim nas barras das asas traseiras

    Daptonura Haire Godt., um branquinho (Pierinae) difundido na América Central e do Sul, o fêmea com asas brancas, quase totalmente de contornos pretos, tendo o par de trás uma mancha basal amarela

    Papilio Dardanus Fabr., uma borboleta nobre, especial do Brasil, preto-veludo, que tem manchas circulares, amarelo esverdeado nas asas da frente, e grandes manchas vermelho cinóbrio nas asas traseiras, fortemente dentadas

    Papilio Agavus Dru., uma borboleta nobre, com desenhos em preto, branco e vermelho carmesim, freqüentemente encontrada sobretudo no Sul do Brasil

    Chrysauge dichroa Pert., um Cyllopodide limitado à América do Sul com asas pretas, de largas listas amarelas

    Brachyglene Auriflamma Hübn., um Cyllopodide com asas dianteira pretas e amarelo amarronzadas e asas traseiras totalmente negras

    ? Attacus... lagarta, grande, amarela, que pelos espinhos pode-se concluir pertencer à espécie Attacus

    Apatelodes Firmiana Sepp., lagarta, magnífica, com espinhos espessos, amarelo-dourados, brilhantes. 3 exemplares

    Volucella obesa Fabr. = "mosca de penas gorda", um inseto de duas asas bonito, verde bronze, muito difundido no Brasil

    Dinocoris melanoleucus Westw., um percevejo-escudo (Scutati) preto-marrom e amarelo pálido, lindamente desenhado, cujas pernas tem anéis pretos e vermelhos

    Dysdercus annulus Fabr., um percevejo-fogo de 4''' de comprimento, de cabeça vermelha e tórax de contornos vermelhos, que se limita ao Norte e ao Centro da América do Sul. 2 exemplares

    Capsus pyrrhula Hhn., um percevejo cego (Capsidae) preto e vermelho, freqüente na América do Sul

    Fidicina... uma cigarra cantante pequena (Cicadinae), que até hoje ainda não tinha sido descrita

    Dolomedes aerugineus Koch, uma aranha-lôbo em parte amarelo-ferrugem, em parte marrom-ferrugem (Lycosidae), muito aparentada com a nossa aranha-de-caça (Dolomedes fimbriatus Clerck), que vive em lugares molhados e anda sobre a superfície da água.

    No Rio de Janeiro foram presenteados e colecionadas nas proximidades do Rio:

    Herpetodryas carinatus L., uma serpente de árvore chamada cipó verde, esbelta, que cresce rapidamente e atinge vários metros de comprimento, que descansa freqüentemente em árvores, comum nas circunvizinhanças do Rio e, como o seu nome diz, se caracteriza pela sua côr verde. 2 exemplares

    No Rio foram presenteados, sem indicação de local onde foram encontrados:

    Morpho Anaxibia Esp., uma borboleta diurna brasileira, grande, com 16 cm de abertura de asas, com a parte superior azul cintilante

    Dysdaemonia Boreas Cram., um Saturnide marrom cinzento, bastante unicolorido da América tropical."

Therese Prinzessin von Bayern (th. von Bayer). Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Mit zwei Karten, 4 Tafeln, 18 Vollbildern und 60 Textabbildungen. Berlin: Verlag von Dietrich Reimer (ernst Vohsen), 1897, 251-257.

Para contactos: deolhoemsanta@terra.com.br