Doc. N° 2174
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
106 - 2007/2
O Moderno na arquitetura e os estudos culturais de-mitologizações Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro Ano Oscar Niemeyer
A.A.Bispo
No âmbito dos trabalhos que dão prosseguimento ao projeto "Poética da Urbanidade", da A.B.E., e preparadas por discussões interdisciplinares e palestras realizadas nos seminários "Música e Urbanística" e "Música e Teoria da Arquitetura", respectivamente das universidades de Bonn e de Colonia,Alemanha, efetuaram-se, em janeiro de 2007, estudos in loco de obras de Oscar Niemeyer em São Paulo, Rio de Janeiro e Ouro Preto. Edifícios desse arquiteto já haviam sido já considerados em várias ocasiões em estudos realizados em Brasília e por ocasião da visita à exposição dedicada a Niemeyer efetuada em Oslo, Noruega, em 2004/5. O objetivo das observações de 2007 foi o de considerar o significado histórico e analisar características e razões da singular atualidade de seus projetos sob a perspectiva dos estudos culturais e como subsídio a debates teóricos mais amplos. A série de trabalhos, assim iniciada, foi motivada pelos 100 anos do arquiteto.
Não tanto as obras em si, mas o interesse vivo pelas obras do arquiteto no presente e as constelações culturais e político-culturais que permitem a sua execução deveriam ser vistas como expressões de fenômenos culturais e sociais dignos de estudos e reflexões sob a perspectiva culturológica e de pesquisa da ciência no contexto de relações internacionais. Partiu-se da constatação da singularidade que representa o interesse especial e até mesmo a realização de projetos de grande porte de Oscar Niemeyer na atualidade, apesar de problemas econômicos e sociais que afligem o Brasil e o desenvolvimento ocorrido nas últimas décadas da arquitetura e de sua teoria em nível internacional.
As reflexões partiram, em princípio, da observação de obras em três cidades brasileiras, respectivamente em São Paulo, Niterói e Ouro Preto. Sobretudo três tipos de questões estão em discussão relativamente aos projetos: bases teóricas de cunho histórico-cultural de obras antigas e o seu estado de conservação, uso e empréstimo de sentidos e funções (Ouro Preto), o da complementação atual de projetos do passado e sua justificação teórica (Ibirapuera, São Paulo), o da diferenciação na apreciação teórico-cultural de projetos e o seu valor simbólico (Memorial da América Latina, São Paulo) e o da sua função na determinação da imagem urbana e na identidade de cidades (Niterói).
Os procedimentos foram iniciados no Rio de Janeiro com visitas introdutórias ao edifício do antigo Ministério de Educação e Saúde e à exposição "Arquitetura Moderna e Patrimônio Histórico", no Paço Imperial.
A escolha do edifício que abriu o ciclo justificou-se pelo fato de ser uma obra em geral considerada como marco da história da arquitetura moderna no Brasil. Considerou-se, como ponto de partida das reflexões, as circunstâncias político-culturais do país em meados dos anos trinta e, sobretudo, o papel e as concepções do então Ministro Gustavo Capanema. A não-consideração dos resultados de concurso para a construção de um novo edifício para o Ministério da Educação e Saúde e a instituição de um grupo de arquitetos para a elaboração de um novo projeto, surge como um ato político-cultural significativo para a análise do Moderno nas suas relações com o Poder, permitindo comparações - devidamente diferenciadas - com fatos e acontecimentos em outros países. Trata-se, aqui, nos estudos teórico-culturais, de aprofundar as discussões desses fatos, analisando não apenas contextos da história política, mas sim indagando a existência de concepções afins, de cunho filosófico-cultural, talvez inconscientes, mesmo em círculos de convicções políticas divergentes. Considerando-se que a direção do grupo de arquitetos, entre êles Lúcio Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer, foi confiada a Lúcio Costa, que décadas mais tarde exerceria duradoura ação na imagem e nos desígnios da nação com as suas concepções para Brasília, constata-se a relevância dessas análises teórico-culturais para a compreensão de um desenvolvimento que abrangiu décadas do século XX, cujas conseqüências se fazem sentir ainda hoje e que, sob muitos aspectos, representam fatores determinativos para o futuro. Que esses estudos devem ser desenvolvidos sob a perspectiva das relações euro-brasileiras demonstra o fato de, por sugestão de Lúcio Costa, ter-se convidado a Le Corbusier para discutir as propostas, realizando-se o projeto definitivo nos anos seguintes. A partir de 1939, a direção do grupo foi assumida por O. Niemeyer.
O significado do edifício é acentuado pelas contribuições de artistas plásticos, tais como as esculturas de Bruno Giorgi e Antonio Celso, pelo mural de azulejos de Candido Portinari e pelos jardins de Roberto Burle Marx. Esse significado urbano diz respeito sobretudo à situação do edifício no ambiente que o rodeia, localizado em zona central do antigo Rio de Janeiro, região que se encontrava em profundo processo de remodelação, marcada que fora, entre outros, pela aterragem do Morro do Castelo e demolição do convento dos jesuítas, marco dos primórdios da cidade, ato violento, de grave interferência na paisagem natural e histórico-cultural e de alto simbolismo.
O observador de hoje, à distância de muitas décadas, preparado pelos debates já não tão recentes relativos ao Moderno e ao Pós-Moderno, que tiveram sobretudo o valor de superar o perigo de uma estagnação do pensamento criada por uma quase que inquestionabilidade das expressões do Moderno e uma repulsa a considerá-las na contextualidade de sua época, reconhece a relevância excepcional do edifício do Ministério da Educação e Saúde, embora sob outra perspectiva daquela de apreciações do passado.
O que surpreende, sobretudo, é a permanência repetitiva de certas avaliações que parecem não corresponder a fatos que o passar do tempo testemunhou. Um topos de apreciação diz respeito àquele que a obra arquitetônica em questão representa um marco histórico no desenvolvimento qualitativo de uma arquitetura com traços próprios de uma cultura brasileira, não mais representando uma simples cópia de modêlos europeus.
Essa visão do desenvolvimento histórico-arquitetônico implica na desvalorização cultural de toda a arquitetura anterior do Brasil, estabelece uma cisão no processo histórico determinando eras, a do Velho e a do Novo, um modêlo de pensamento quase que arquetípico da cultura ocidental e que parece se renovar continuamente.
Do ponto de vista histórico-cultural, tal concepção traz graves conseqüências, uma vez que o Velho está superado, morto, dele devendo renascer o Novo, este então entendendo-se como definitivo. O que surpreende ao observador à distância de hoje, porém, é constatar a incompreensibilidade atual de tal apreciação: o edifício do Ministério da Educação e Saúde parece ter traços tão brasileiros - ou não os ter - quanto o Teatro Municipal ou a Biblioteca Nacional, representando apenas uma outra época, uma outra etapa de um processo, mesmo que seja este marcado por discontinuidades ou rupturas.
Se os edifícios historicistas e ecleticistas manifestam de forma evidente elos com correntes estéticas e obras européias, que influenciaram a arquitetura em grandes cidades de todo o globo, também uma concepção arquitetônica - como a do Ministério - caracterizada por fachadas envidraçadas, com dispositivos horizontais para a regulação térmica e de luz, por espaços livres entre apoios no andar térreo, entre outros, pode ser constatada em numerosas construções em todo o mundo. Justamente esse aspecto da internacionalidade ou universalidade do Moderno surge, no debate dos anos recentes, como merecedor de especial e diferenciada atenção.
A questão, a ser primordialmente discutida sob o ponto de vista histórico-cultural, é a de como a arquitetura moderna brasileira se insere nesse movimento universal ou universalizado em grande parte do século XX, qual a contribuição dada no seu início e desenvolvimento e, nas análises da atualidade, de como participará da superação de expressões superadas do Moderno e, sobretudo, de concepções que já pertencem ao passado.
Neste contexto, recordou-se as palavras de Rodrigo Melo Franco de Andrade, pronunciada como apresentação de uma conferência de Oscar Niemeyer em 19 de setembro de 1947, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro:
No campo da arquitetura é que, de fato, mais se tem destacado a contribuição de nosso país para o impulso renovador operado, durante os últimos anos, em todo o mundo, no domínio das artes plásticas. O próprio edifício, que nos hospeda neste momento, impôs-se e popularizou-se internacionalmente, como um dos monumentos de arte moderna mais importantes do patrimônio universal. Além dele, um número já considerável de outras obras de envergadura excepcional, projetadas pela geração atual de arquitetos patrícios, com o mesmo ímpeto rejuvenescedor das formas e semelhante senso de monumentalidade, colocaram o Brasil na vanguarda das nações que abriram um capítulo inteiramente novo na história da arquitetura. [Apresentação do Arq. Oscar Niemeyer] In: Rodrigo Mello Franco de Andrade, Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1986, 268-269 [Publicações da Secretraria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 37).
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).