Doc. N° 2171
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
106 - 2007/2
Ano Paul Gerhardt (1607-1676) Significado para uma hinologia ecumênica e intercultural Catedral de Magdeburg, 17 de março de 2007
A.A.Bispo
Com o crescimento do número de adeptos de confissões cristãs não-católicas no Brasil torna-se um imperativo para os estudos culturais dar maior atenção à história cultural e ao presente de correntes religiosas surgidas da Reformação, de suas recepções extra-européias, de sua adaptações aos novos meios e, sobretudo, dos elos de reciprocidade religioso-cultural entre o Novo e o Velho Mundo.
As organizações vinculadas à A.B.E. teem, pioneiramente, promovido desde os anos 70 encontros internacionais e estudos de natureza hinológica na convicção da necessidade de uma perspectiva internacional e intercultural para o desenvolvimento dessa área da pesquisa e para ações pragmáticas solidamente fundamentadas. A hinologia, porém, tem sido marcada institucionalmente e na sua orientação metodológica por diferenças confessionais. Em 2002, por ocasião do encerramento do triênio de eventos científicos motivados pelos 500 anos do Descobrimento do Brasil, promoveu-se um primeiro encontro hinológico de orientação ecumênica e intercultural no âmbito do IV° Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", em particular no âmbito das sessões levadas a efeito na Escola Superior de Teologia da IECLB em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e de instituições da Igreja Luterana
Dando continuidade às discussões e aos eventos que se seguiram a esse encontro, e que em parte foram relatadas neste órgão, a A.B.E. abriu as comemorações euro-brasileiras do ano "Paul Gerhardt" com reflexões encetadas na Catedral de Magdeburg. Pela passagem dos 400 anos de nascimento desse autor de cantos religiosos luteranos, Paul Gerhard está sendo homenageado por numerosas instituições, cidades, igrejas e grupos musicais, tornando-se alvo de estudos e motivando reflexões. O extraordinário número de eventos artísticos e de pesquisa histórica que marca a vida das comunidades evangélicas da Europa em 2007 está sendo registrado e em parte coordenado por uma Sociedade Paul Gerhard, especialmente dedicada à conservação da herança desse autor, fundada em 1999.
P. Gerhardt nasceu em Graefenhainichen, Saxônia, no dia 12 de março de 1607, falecendo em Lübben, bosque do Spree, no dia 27 de maio de 1676. Filho de família de posses, - o seu pai era burgomestre e sua mãe filha de Superintendente evangélico - realizou seus primeiros estudos na escola principesca de Grimma. Do ponto de vista religioso, teve uma formação ortodoxa, baseada sobretudo no livro de Leonhard Hutter Compendium locorum theologicorum ex Scriptura sacra et libro Concordiae Collectum (1610). Estudou teologia em Wittenberg, de 1628 a 1634, um estudo determinado por clara diferenciação com relação ao Calvinismo. A sua vida foi marcada pelas agruras da época da Guerra dos 30 Anos (saque de Gaefenhainichen pelos suecos em 1637) e justifica, em parte o cunho de sua religiosidade. O início de sua atividade lítero-compositória deu-se, pelo que tudo indica, em 1644. Em 1647, 15 de seus cantos foram publicados na segunda edição do livro Praxis pietatis melica , de Johann Crüger. Atuou em Mittenwald, casou-se em 1655 e, em 1657, tornou-se pároco da prestigiada igreja São Nicolau, em Berlim, colaborando com Johann Crüger, Cantor da igreja, assim como com o seu sucessor Johann Georg Ebeling. Esse cargo, porém, perdeu-o por atitude de intransigência relativamente à proibição de polemizações confessionais por parte do Príncipe-Eleitor. Em 1669, tornou-se arquidiácono em Lübben. J. G. Ebeling publicou, entre 1666 e 1677 a primeira coletânea completa de seus cantos, num total de 120 números.
À parte de sua atitude ortodoxa em questões confessionais tem-se salientado, por outro lado, a tendência introspectiva e piedosa de sua religiosidade, quase que mística, acentuando motivos da Paixão. Assim, o seu O Haupt, voll Blut und Wunden foi escrito segundo o Ave caput cruentatum de Bernardo de Clairvaux.
A imagem de P. Gerhard é a de uma pessoa extremamente sensível, de profunda consciência de dever e de retidão de caráter, ao mesmo tempo porém de uma modéstia que parece ter impedido que fosse devidamente considerado à altura de seu significado na época.
Os seus numerosos cantos (134), em parte baseados nos salmos, passaram a fazer parte integrante do repertório das comunidades evangélicas, em parte popularizando-se. Entre aqueles particularmente divulgados, também no Brasil, podem ser lembrados: Nun ruhen alle Wälder; Wie soll ich dich empfangen; Ist Gott für mich; Du, meine Seele, singe; Geh aus, mein Herz; Befiehl du deine Wege; Fröhlich soll mein Herze springen.
Os estudos específicos dedicados a Paul Gerhardt e à sua obra são já em número considerável. Entre outros, pode-se salientar o de F. Seebass, de 1951: O Cantor da Cristandade Evangélica (Der Sänger der Evangelischen Christenheit). Tem-se analisado, por exemplo, até que ponto a sua obra se baseia nas doutrinas de Martin Opitz relativamente à concepção poético-métrica segundo as antigas regras de versificação (Von der teutschen Poeterei, 1624). Um estudo pormenorizado da recepção dos cantos de P. Gerhardt no Brasil ainda está por ser realizado. A profunda convicção do poder da fé e da confiança em Deus nas experiências negativas da vida, decorrentes da sua vivência da Guerra dos 30 Anos, parece ter sido de fundamental importância para os colonos alemães evangélicos no Brasil. Uma religiosidade de cunho subjetivo e sensível, de elevação pessoal, transmitida por esses cantos parece ter influenciado culturalmente a formação das comunidades na imigração. Os livros de cantos evangélicos alemães trazidos pelos imigrantes no século XIX incluiam várias dezenas de melodias de P. Gerhardt, variando de 11 a 70 números. O Livro de Cantos Evangélicos de 1915 ainda incluiu 32 títulos. Mesmo fora da esfera religiosa, os brasileiros tiveram em geral contacto com melodias de P. Gerhardt, por exemplo através da obra de J.S.Bach e, para os pianistas, através do livro de Ana Madalena. Coleções de hinários em museus da imigração e de instituições evangélicas podem oferecer subsídios para pesquisas.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).