Doc. N° 2218
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
107 - 2007/3
Resenha
Marta Iris Montero. Burle Marx: The Lyrical Landscape. Foreword by Martha Schwartz. Translated by Ann Wright. With 190 illustrations, 157 in color. London: Thames & Hudson, 2001. ISBN 0-500-51046-6
Essa publicação, editada em inglês, em 2001, aberta por um prefácio e uma introdução, divide-se em duas partes, dedicadas respectivamente aos complexos temáticos (I) Paisagem de uma vida e (II) Jardins. A primeira parte compreende três capítulos: 1) A Vida de Burle Marx; 2) O Artista, 3) Paisagens. A segunda parte, é constituída também por três capítulos, entretanto desiguais nas suas dimensões: 5) Jardins Públicos; 6) Jardins Particulares; 6) O Jardim das Maravilhas. Encerra-se com um Epílogo. Em apêndice, oferece uma Cronologia das principais obras, uma lista dos Prêmios e homenagens e uma Bibliografia. Finaliza com o registro dos créditos das fotos e pelo índice. A publicação abre com uma frase de Lúcio Costa que define Burle Marx como sendo "um músico que trabalha com a luz". No prefácio, a paisagista Martha Schwartz traça um hino de gratidão a Burle Marx pelo papel que desempenhou na sua própria carreira. Compara-o com outro seu herói e modêlo: Isamu Noguchi. Em ambos, a obra seria expressão do espírito. O uso da forma e da cor, combinada com uma aproximação pictórica, expressaria a força da personalidade e sensibilidade de Burle Marx. O seu coração e mente não teriam algemas, êle seria um pensador em movimento. Desenhando uma paisagem, pintando, comendo ou fazendo música, teria vivido e criado globalmente e com prazer. Com a sua vida teria sido tão criativo como os seus jardins. Ele mostraria a nós que seria tão importante "inventar o que fazer com a vida" quanto como vivê-la. Burle Marx não seria, para o Brasil, apenas um arquiteto paisagista prominente, mas sim um herói nacional. Teria ajudado, com a sua paixão pela paisagem nativa, a nação a definir-se. Com o seu fascínio por processos naturais, teria vinculado na sua obra naturalismo e humanismo. Essa conexão essencial entre os homens e o seu meio ambiente seria aquilo que expressaria e celebraria na sua obra. Os professionais deveriam aprender dele que seria possível integrar arte e ciência. A autora abre a sua introdução descrevendo os seus sentimentos ao ver a Plaza República del Peru, em Buenos Aires, - um projeto de Burle Marx -, ser destruída em 1995 por ocasião de uma remodelação. Foram esses sentimentos que a levaram a escrever a obra, baseada em tese apresentada à Escola Nacional de Paisagismo de Versailles. Considera a publicação como um preito de gratidão a seu mestre. A autora trabalhara com Burle Marx entre 1971 e 1973 em grande projeto urbano para Buenos Aires, a regeneração do Barrio Sur, que acabou não sendo levado à frente. Em contraposição, conseguiu do Mayor de Buenos Aires, que era o seu pai, que uma das áreas da cidade fosse transformada em espaço público e que Burle Marx fosse solicitado para projetá-la, desde que doasse os seus serviços. Essa obra, planejada juntamente com dois parceiros, Haruyoshi Ono e José Tabacow, foram coordenadas pela autora. As plantas autóctonas escolhidas por Burle Marx em parte não vingaram, o jogo de cores das folhagens nunca se concretizou, os elementos minerais do piso se tornaram opacos e uma espiral concebida para crianças foi considerada perigosa e utilizada para grafites com mensagens críticas ao govêrno. A obra tornou-se ruinosa antes de estar completa. Mais tarde, em Paris, através de Burle Marx, tomou parte numa equipe de arquitetos brasileiros que participou do concurso para um parque em La Villette. Vindo posteriormente ao Rio de Janeiro para trabalhar com Burle Marx, acompanhou-o em várias viagens através do Brasil com a finalidade de coletar plantas. Como parceira, trabalhou com êle em projeto para um dos terraços do Centro Pompidou em Paris. No primeiro capítulo, a autora oferece uma biografia pormenorizada de Burle Marx, ilustrada com fotografias da família. Nascido em São Paulo, em 1909, a sua mãe, de tradicional família de Pernambuco, de ascendência francesa e inglesa, era musicista. O seu pai, Wilhelm Marx, era um judeu alemão, da cidade de Trier, que chegara ao Brasil em 1895. Em 1913, mudaram-se para o Rio de Janeiro. À família pertencia Anna Plascek, uma húngara que desempenhou o papel de uma segunda mãe para Burle Marx. Ambas levaram-no a apreciar a natureza e a música. Após um primeiro encontro com a música de Wagner, na sua infância, passou a desenvolver a sua voz. Na juventude, devido a problemas de vista, a família levou-o a Berlim. Burle Marx vivenciou a atmosfera cultural cosmopolita da capital alemã da época da República de Weimar dos anos vinte.
A autora descreve em breves palavras as várias correntes estéticas, trata do Modernismo como sendo um fenômeno essencialmente urbano e relembra as novidades técnicas da época. Dá especial ênfase ao fato de ter sido nessa época que se inaugurou o departamento de arquitetura dirigido por Walter Gropius no Bauhaus, em Dessau. Traça paralelos entre Burle Marx e Thomas Mann, lembrando que também a mãe do escritor era brasileira e que também ela se dedicava à música. Na sua tentativa de contextualização da vida de Burle Marx na Alemanha, empresta particular atenção ao desenvolvimento da música contemporânea, da dança e do teatro. O direcionamento de Burle Marx à música, porém, modificou-se com o encontro com os artistas representantes do Expressionismo. A retrospectiva de um pintor falecido em 1890 marcou a sua vida: Vincent van Gogh. Nele admirava sobretudo a capacidade de comunicação pela liberação da cor da forma, explorando contrates de cor e abandonando a descrição. Procurou motivos no Jardim Botânico de Dahlem, onde encontrou grupos vegetais de várias partes da Europa, organizados segundo conceitos taxonômicos e geográficos. Aqui conscientizou-se da riqueza vegetal do Brasil. A autora traça um panorama da situação estético-arquitetônica no Brasil à época do retorno de Burle Marx. Cita Lúcio Costa como o principal teórico do Modernismo, nomeado em 1930 diretor da Escola Nacional de Belas Artes, mentor de um processo renovador ao qual pertenceu Burle Marx. Pensando em estudar arquitetura, Burle Marx foi aconselhado por Lúcio Costa a dedicar-se às artes visuais. Um pintor que muito influenciou Burle Marx foi o alemão Leo Putz. Entre os seus amigos, cita Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, a pintora Zellia Salgado e o cinematógrafo Humberto Mauro, todos à procura da "national identity". Para a autora, os arquitetos brasileiros, influenciados pelo Racionalismo europeu, criaram uma arquitetura funcional, embora o desejo de expressão pessoal tivesse triunfado. A arquitetura brasileira seria movida por emoções, pelo subconsciente, seria uma arquitetura do grande gesto. Lúcio Costa, Burle Marx, mais tarde Oscar Niemeyer teriam tomado diferentes direções, mas os três partiram da mesma base conceitual: o desejo de criar uma obra que constituísse um modêlo para a transformação da realidade social e econômica. Burle Marx se situaria entre os outros dois, desenvolvendo jardins inspirados por motivos colonials e indígenas, jogando com formas e materiais e combinando espécimes autóctones. Significativa estação na vida de Burle Marx foi a estadia em Recife, quando, em 1934, foi nomeado a diretor dos Parques e Jardins. Conjuntamente com intelectuais como Gilberto Freire, artistas e poetas, passou a fazer parte de um movimento de pensamento e de estética que o levou a descobrir o folclore e a ação cultural da miscigenação.Em 1937, de retorno ao Rio, associou-se com o movimento de vanguarda da capital, trabalhando como assistente na realização de murais de seu professor, Cândido Portinari, para o edifício do Ministério da Educação e Saúde, um manifesto concretizado dos princípios de Le Corbusier. Continuando a pintar, Burle Marx ganhou, em 1938, a medalhe de ouro da Escola Nacional de Belas Artes. Importante projeto de Burle Marx foi o Parque Termal de Araxá, de 1943, juntamente com o botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto, que reproduz zonas fitogeográficas de Minas Gerais. Esse cientista tornar-se-ia o mentor de Burle Marx, ensinando-o a estudar as plantas no seu próprio local de occorência e as relações entre plantas, pedras e animais. Um dos pontos de partida do seu pensamento passou a ser o de que os lugares falam por si próprios, sendo cada um deles único, devendo-se captar o espírito do local por meio do descobrimento de suas linhas dominantes, as suas correntes misteriosas, criando um jardim como se fosse uma composição musical. Como as plantas autóctonas não se encontravam no comércio, Burle Marx pensou em desenvolver um próprio sítio onde pudesse criar as espécimes. Foi o início de Santo Antonio da Bica em Guaratiba, no Rio de Janeiro, adquirido em 1949. Nesse ano, começou a realizar as suas próprias expedições de coletas pelo interior do Brasil. Os seus jardins passaram a constituir o que se denomina de fitocenosis: plantas, que vivem junto em locais específicos dentro de um ecosistema e que alcançam o máximo de sua evolução, formando comunidades estáveis. Em 1947, viajou pelo Japão e pela Europa, dando início a uma fase de intensas viagens e contactos, procurando novas espécimes para as suas coleções. Passou a utilizar-se de plantas estrangeiras juntamente com as autóctones nos seus jardins: associações ecológicas artificiais. Em 1954, deu aulas de paisagismo na Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro. Influenciou numerosos arquitetos e urbanistas que o procuravam no seu estúdio. A autora salienta que, acima de tudo, o seu ensinamento se revelava como sendo de natureza ética. Mais do que desenhista de paisagens, arquiteto, pesquisador, músico, pintor e escultor, Burle Marx foi um filósofo, desenvolvendo uma nova forma do pensar a respeito da natureza. A autora considera a atividade conjunta de Burle Marx com outros arquitetos, por exemplo na Venezuela, a partir de 1955, citando sobretudo Fernando Tábora, Julio Pessolari, John Stoddart, José Tabacow, Haruyoshi Ono, Koiti e Klara Mori. Em 1985, fundou, com as suas propriedades no Rio de Janeiro e suas coleções, a Fundação Roberto Burle Marx. De particular interesse é o fato de a autora incluir pormenores pessoais e numerosas observações relativas à personalidade e ao modo de vida de Burle Marx. Considerando as suas concepções, salienta que fora receptivo a idéias de outros, em particular da vanguarda européia do início do século XX. Em Van Gogh, aprendera que a intensidade e o contraste de cor pode expressar emoção, com os expressionistas, que cor pode evocar rítmo e movimento; de Cézanne, a imitar a ordem profunda, e não a desordem superficial; de Braque e Picasso, a explorar a etnografia; de Mirò, a desenvolver uma linguagem de signos pictóricos; de Klee, a aproximação lúdica; do Cubismo, um vocabulário inovativo com conceitos tais como simultaneidade perceptiva, interpenetração volumétrica, transparência, assimetria e o uso da collage. No segundo capítulo, dedicado ao artista, a autora trata, em textos altamente elaborados, da questão da inspiração, das relações entre pinturas e jardins, e dos "circular paths". No capítulo três, dedicado ao tema Paisagens, trata do espírito do local, do estilo "burlesque-marxist", de muros, flores e degraus, de formas e volumes, de texturas minerais, de fontes de água, de rítmos secretos. Na segunda parte da obra, no capítulo dedicado aos jardins públicos, oferece textos altamente informativos e ilustrados de jardins na linha costeira do Rio (Praça Senador Salgado Filho, Parque do Flamengo, Museu de Arte Moderna, Calçada de Copacabana), do centro (Prédio da Petrobrás, Terminal do Bonde de Santa Teresa, BNDS, Largo da Carioca, Banco do Brasil, Catedral Metropolitana). Sob o ítem "Jardim Secretos", trata do Centro Comercial do Rio (Edifício Argentina e 9 de Julho), do edifício da Xerox do Brasil, da Fundação CAEMI, do Hospital Souza Aguiar e do Banco Safra. Com relação a Brasíia, trata do Itamaraty, do Ministério da Guerra, do Tribunal Fiscal e do Teatro Nacional. O capítulo dedicado aos jardins particulares inclui considerações sobre os jardins das residências de Odette Monteiro, Olivo Gomes, Celso Colombo, de Raul de Souza Martins, das fazendas Mangrove e Vargem Grande. O Jardim das Maravilhas, considerado no capítulo seis, diz respeito ao sítio de Guaratiba, Santo Antônio da Bica. Essa publicação é modelar na sua concepção interna, na disposição do material, na elaboração cuidadosa, altamente informativa e sensível dos textos, na riqueza dos materiais visuais e na sua excelente qualidade editorial. Ela é sobretudo exemplar no tratamento contextualizado e refletido dos textos, no intuito ético e no sentido de justiça que levou à sua publicação, tornando-se uma obra de fundamental relevância não apenas para os especialistas em arquitetura e urbanismo, mas sim para todos os estudiosos das ciências culturais em geral.
Antonio Alexandre Bispo