Doc. N° 2210
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
107 - 2007/3
Tópicos Multilaterais Alemanha-Brasil
Estudos culturais pomerano-brasileiros: à procura de vestígios e estabelecimento de bases
Castelo de Neetzow Circuito de estudos euro-brasileiros de Mecklenburg e Pomerânia Ocidental. A.B.E
A.A.Bispo
Em viagem de estudos da A.B.E. realizada em janeiro de 2007 às regiões de antiga imigração alemã no Espírito Santo, dando seqüência a trabalhos efetuados anteriormente no Sul do Brasil, constatou-se os esforços que ali se realizam no sentido de uma valorização do patrimônio cultural herdado dos antepassados europeus. Relatos dessa viagem foram publicados em número anterior desta revista.
Essas tendências indicam processos de relevância para os estudos culturais, aptos a serem analisados sob diferentes aspectos. Dizem respeito sobretudo a questões de identidade e diferenciação cultural de grupos, de localidades e regiões.
Na perspectiva teórica da A.B.E., essas análises não devem restringir-se a fatos e desenvolvimentos observados nas respectivas regiões, mas sim levar em consideração processos que ocorrem em grupos populacionais de similar constituição em outras regiões do país e, sobretudo, nos países de origem dos antigos colonos.
Estudos de imigração e emigração se condicionam mútuamente e a reciprocidade nas intenções dos questionamentos, das perspectivas e dos trabalhos promete abrir novas possibilidades de obtenção de conhecimentos para ambos os lados. Essas observações parecem valer sobretudo para as comunidades de origem pomerana no Brasil, uma vez que nelas se percebe - como em Santa Maria do Jetibá/ES- um intuito singularmente intenso de revalorização das características culturais diferenciadoras e, correspondentemente, de reconscientização da identidade do grupo populacional.
Esse fenômeno nas comunidades pomerano-brasileiras adquire especial significado sabendo-se da situação de dispersão a que estão submetidos os pomeranos na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
O relacionamento de desenvolvimentos históricos e de processos culturais que ocorrem na Europa e no Brasil impõe-se aqui como de necessidade muito mais evidente para os estudos culturais do que no caso de grupos populacionais provenientes de regiões que não vivenciaram perda de territórios consuetudinários.
Estudos de emigração pomerana e de migração na Pomerânia
Em janeiro de 1945, quando as tropas soviéticas superaram a fronte alemã que ia dos Cárpatos até o Mar Báltico, desencadeou-se uma fuga em massa de pomeranos do Leste. Essas correntes de fugitivos foi interrompida pelo avanço das tropas soviéticas, de modo que ca. de um milhão de pomeranos permaneceu no Leste. Muitos foram expulsos em 1945, e, em 1946, deu-se início a uma descolonização sistemática das regiões. A Pomerânia do Leste, com Stettin e Swinemünde, passaram à administração polonesa. A Pomerânia Ocidental foi unida a Mecklenburg. Os pomeranos provindos dos territórios poloneses se espalharam pela Alemanha do Leste e do Ocidente, ou emigraram.
Hoje, os estudos de emigração pomerana e de migrações nas regiões da Pomerânia Ocidental vêm recebendo atenção dos estudiosos, fatos que levam à realização de simpósios e publicações, tais como aqueles efetuados pela Universidade Rostock e o Instituto de Pesquisas Demográficas da Sociedade Max Planck, manifestados na coletânea organizada por Nikolaus Werz e Reinhard Nuthmann de título Abwanderung und Migration in Mecklenburg und Vorpommern (Wiesbaden: Verlag für Sozialwissenschaften 2004). No Brasil, os estudos de processos culturais relacionados com pomeranos e seus descendentes dizem respeito sobretudo aos estados do Rio Grande do Sul (região de Pelotas, Nova Hamburgo e Serra Gaúcha), Santa Catarina (região de Pomerode), Paraná (Rondon) e ao Espírito Santo. A identidade diferenciadora dos grupos é garantida sobretudo pela manutenção do dialeto e das tradições culturais, em particular de trajes, danças e práticas musicais. Os pomeranos e os descendentes desse grupo populacional alemão que vivem no Brasil trazem a marca das circunstâncias históricas da emigração e de suas diferentes fases.
Complexidade da formação histórico-cultural da Pomerânia
Já no século XIX, a Pomerânia foi uma região de correntes emigratórias determinadas por dificuldades sócio-econômicas: entre 1840 e 1910, ca. de 750000 e, entre 1910 e 1933, ca. de 34000 pessoas abandonaram a antiga província prussiana.
Além das diferenças de circunstâncias históricas das diversas levas de emigrantes, os pomeranos apresentam particularidades culturais diferenciadoras explicáveis pela história da ocupação e do desenvolvimento do antigo território através dos séculos.
De acordo com as correntes de povoamento da Idade Média, o baixo-saxão domina na Pomerânia Ocidental e no litoral; entre Zaroq e Rega prevalece o baixo-francônio e, no Leste, o alemão do centro. Entre os baixo-saxões, prevalece tradições de legislação de Luebeck e, nas outras regiões, de Magdeburg; houve também regiões que seguiram o direito de Culmer.
Embora fosse a Pomerânia até a Segunda Grande Guerra eminentemente alemã, a constituição de sua população era heterogêna nas suas origens e pelas contribuições populacionais obtidas no decorrer da sua história: eslavos ocidentais, germanos do Leste e colonos provindos da Baixa-Alemanha, além de holandeses e suecos.
Esses múltiplos fatores influenciaram as expressões culturais, contribuindo para a formação de marcas diferenciadoras na arquitetura tradicional, nos trajes, nas danças e na música popular das várias subregiões.
É sob esse pano de fundo de complexidade cultural da Pomerânia. caracterizado por diversidade na unidade, que os processos culturais nas regiões de imigração do Brasil devem ser efetuados. Sem esse pressuposto, a percepção do observador não se aguça suficientemente para a consideração adequada das diferenças.
Estudos no Castelo de Neetzow
Para a consideração mais adequada das questões suscitadas no contexto do desenvolvimento europeu, a A.B.E. decidiu realizar estudos e observações in loco nas regiões e cidades da Pomerânia Ocidental (Vorpommern) e da antiga Pomerânia Oriental (Hinterpommern), hoje pertencentes à Polonia. As reflexões foram preparadas em retiro de estudos efetuado no Castelo de Neetzow. Essa residência senhorial, construída em meados do século XIX em arquitetura de estilo historicista, neo-românico e neo-gótico, de inspiração inglêsa, testemunha o poder, no passado, dos grandes proprietários de terras da região do atual estado alemão de Mecklenburg-Vorpommern e sugere a existência de uma situação de desigualdade social que torna compreensível a tendência já antiga ao êxodo de camponeses à procura de melhores condições de vida.
Questões de identidade
Quando em regiões de imigração no Brasil se ouve falar com naturalidade da Pomerânia, esquece-se que essa ex-província prussiana, cuja capital era Stettin, já não existe como tal, tratando-se portanto de uma existência virtual, emboa de realidade cultural. A região ao leste do curso inferior do Oder e Stettin, que constituia a maior parte da Pomerânia, já não tem características alemãs, ao contrário da região ocidental. Os limites dessa Ante-Pomerânia com Mecklenburg, ao ocidente, não são definidos segundo critérios culturais ou geográficos, tendo sido estabelecidos por circunstâncias históricas ou administrativas. Poder-se-ia talvez dizer que uma das marcas constitutivas da Pomerânia seria o seu direcionamento ao mar, como expresso no seu nome (Pomorje - terra junto ao mar), e que a sua história se explicaria em grande parte pelo campo de tensões existente entre o Ocidente e o Leste na procura de pontos estratégicos para o intercâmbio marítimo com as outras regiões do Báltico. Foi ao redor de seus portos que se desenvolveram importantes núcleos urbanos, tais como Kolberg, Wollin e Stettin. A Pomerânia foi, assim, no decorrer de sua história, região das mais diversas influências culturais, relacionando-se através de seus portos com diferentes cidades, muitas das quais pertencentes à Hansa. Ela constitui, assim, região de particular interesse para os estudos históricos das relações culturais e de processos interculturais.
Aspectos interculturais na própria história
Pressuposto para o desenvolvimento dos estudos pomerano-brasileiros é o estudo dos processos que determinaram ou interferiram na formação histórica da região e da cultura à qual se reportam os emigrados. Um dos campos de tensão do passado remoto foi aquele determinado pelos conflitos entre eslavos e alemães, dinamarqueses e poloneses. Os eslavos haviam-se estabelecido desde os séculos VI e VII em áreas com florestas e sem várzeas do curso inferior do Oder, assim como ao redor de Cammin, Kolberg e Belgard. Na Pomerânia do Leste, estabeleceram-se os Pomoranos, que ocupavam, para o Sul, o território até as várzea de Warthe-Netze, colidindo com interesses poloneses. Ao redor de 1120, o reio polones Boleslaw III conseguiu conquistar até o rio Peene. Com o seu auxilio, Warislaw I tornou-se o primeiro duque da Pomerânia. O estudo histórico da Pomerânia e o da formação de sua identidade vincula-se estreitamente com a história da missão cristã na Europa Central. O processo de cristianização da região esteve estreitamente relacionado com o da difusão da cultura alemã. A missão teve início com duas viagens do bispo de Bamberg, Otto (1124-28), tendo-se fundado, em 1140, a diocese de Wollin. Os conventos fundados na segunda metade do século XII atraíram colonos alemães de Schleswig-Holstein e do Norte da Saxônia, pelo litoral, e da Ostfália e de Brandenburg pelo curso inferior do Oder.
A conturbada história política da região representa uma das grandes dificuldades para os estudos e para as tentativas de vinculação cultural com países e estados.
Súmula breve de fatos históricos considerados
Entre 1170 e 1267, os dinamarqueses mantiveram a supremacia; em 1250, os ascânios de Brandenburgo conquistaram o Uckermark; em 1317, os territórios de Schlawe e Stolp e, em 1325, a área de Rügen passaram à Pomerânia. A Pomerânia foi integrada no Império primeiramente como legado brandenburguês.
Um dos fatores da complexidade para os estudos históricos reside nas contínuas modificações do território do Ducado pelas divisões na casa nobre de Greifenhaus. A primeira divisão, de 1295, nos ducados de Stettin e Wolgast, estabeleceu áreas segundo a validade do Direito de Luebeck e de Magdeburg. Em 1400, chegou a haver cinco soberanias diversas; entretanto tudo indica que a consciência da unidade da Pomerânia se manteve. Ponto alto da história cultural da Pomerânia é o período da Idade Média tardia e da Renascença, coincidindo temporalmente com a época das grandes descobertas de Portugal. Sobretudo as cidades portuárias enriqueceram-se com o comércio Ocidente-Oriente. Stralsund e Greifswald tornaram-se centros de irradiação cultural. Sob o govêrno de Bogislaw X alcançou-se a união do país, em 1478.
Nova fase de excepcional relevância para os estudos histórico-culturais foi aquela inaugurada pela protestantização da Pomerânia. A Reformação introduziu-se relativamente cedo em toda a região, sendo oficializada já em 1534.
A história de emigração está sobretudo relacionada com o desenvolvimento sócio-econômico caracterizado por uma economia dominada por grandes proprietários. No Leste, sobretudo, os camponeses passaram a sofrer com a situação social. Também a Guerra dos 30 Anos causou profundas transformações e reorientações, uma vez que a região foi ocupada pelos suecos.
Em 1648, o Principe eleitor Friedrich Wilhelm adquiriu a Pomerânia ao Leste do Oder, sem Stettin. Em 1658, conseguiu, da Polonia, Lauenburg e Bütow. Em 1720, a Prússia conseguiu a Pomerânia Ocidental até a Peene. Através de uma administração rígida, a situação econômica melhorou e procurou-se colonizar a região com refugiados. Em 1815, a Prússia uniu, com aquisições da nova Pomerânia Ocidental sueca, todo o território do antigo Ducado da Pomerânia.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).