Doc. N° 2228
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
108 - 2007/4
Fatos em destaque
Memória do patrimônio natural na história da cultura Rastros de monumentos perdidos 25 anos do fim das Sete Quedas de Guaira
A.A.Bispo
Viagem de observações a Sete Quedas de Guaira antes do seu desaparecimento, 1982. Fotos A.A.Bispo Por ocasião da passagem dos 25 anos do fim de um dos mais extraordinários fenômenos do patrimônio natural do Brasil e do Mundo -, as cataratas dos Sete Quedas de Guaíra, parece ser oportuno tecer considerações a respeito da sua posição na memória do homem, naquela dos estudos culturais brasileiros, na história em geral e, em especial, na história da geografia.
A geração de estudiosos que hoje iniciam a vida de pesquisa e ensino já não pode contemplar esse magnífica obra da natureza e não tem possibilidades de encetar reflexões sob o seu significado natural e cultural sob a impressão de suas grandiosas dimensões.
Esse fato é sentido na sua gravidade pela consciência que se desperta de que a natureza e suas transformações pertendem à história cultural do homem e de que os estudos culturais não podem ser desenvolvidos adequadamente sem a consideração do meio-ambiente que o envolveu e o envolve.
Percebe-se que, - talvez como resultado de uma natural mudança de perspectivas própria de gerações que se sucedem -, essa impossibilidade de fruição de um bem natural multimilenar e conseqüente alcance de conhecimentos é acompanhada por perplexidade e por vezes indignação pelos fatos irreversíveis criados pela anterior geração.
De fato, o estudioso que hoje tenta resgatar a memória natural e cultural de Guaíra, impressionado que dela apenas resta imagens já esmaecidas, depara-se com singulares dificuldades de obtenção e de leitura de fontes de informação.
Entre as questões que se levantam, tem-se aquela que indaga da posição dos estudiosos da cultura brasileira na época da destruição desse bem natural. Na procura de dados, o interessado se defronta em geral com textos que demonstram um discurso desenvolvimentista entusiástico e propagandístico, altamente emocional, dificultando a obtenção de visões objetivas, embora projetando luz significativa sobre uma época da história do pensamento relativamente recente do Brasil e de sua inserção em contextos internacionais e políticos.
Para uma visão mais diferenciada dessa época, parece ser oportuno recordar que também houve posicionamentos articuladores de dúvida e de comoção, marcados pela consciência da gravidade do ato que se cometia, apesar de toda a argumentação que o justificava e do espírito entusiástico propagado.
No âmbito dos trabalhos que se prendem à história da A.B.E., cumpre lembrar uma viagem de estudos e observações empreendida em agosto de 1982 no âmbito de encontros efetuados em diferentes estados brasileiros. Ela se inseria nos trabalhos que se seguiram ao grande simpósio internacional que, em São Paulo, e com extensões no Rio de Janeiro e Minas Gerais, reuniu numerosos pesquisadores culturais do Brasil e do Exterior.
A inclusão das Sete Quedas nesse programa de contatos e reflexões deveria marcar simbolicamente que a submersão desse monumento do patrimônio natural brasileiro não passava despercebida pelos estudiosos da cultura e que, na discussão a que se propôs o evento internacional - a Unidade e a Diversidade na cultura - não só a dimensão espiritual, mas sim e também a Natureza deveria necessariamente ser considerada sob os seus diversos aspectos: conceituais, filosóficos, teológicos, históricos, antropológicos e pragmáticos.
Viagem de observações de 1982
A partir de Foz de Iguaçú, os saltos de Sete Quedas de Guaíra foram alcançados por avião fretado, tendo-se sobrevoado a região limítrofe dos estados de Mato Grosso e Paraná, na fronteira do Brasil com o Paraguai, e as cataratas formadas pelo rio Paraná. Observou-se e registrou-se a ilha do Salto Guairá no rio Paraná, na larga enseada formada pela correnteza após ter passado a Serra dos Dourados. Na ampla enseada havia águas provindas de diversos afluentes, entre êles do Racuri, Verde, Pardo, Anhanduí, procedentes da Serra Caiapó e do antigo sertão de Camapuã, à margem direita do Paraná, e do rio Ivinhema, das serras Sangue e Maracajú, à margem esquerda. Recebendo as águas do rio Piquiri, o Paraná experimentava uma imensa ampliação de ca. de 4 quilômetros, da qual se despencava, de uma altura total de ca. de 114 metros, em quedas de 15 a 20 metros de altura nas profundidades, atingindo o limite do seu curso superior. As quedas começavam da parte da margem direita do rio e, formando um grandioso leque, terminavam cerca de quatro quilômetros abaixo, do lado esquerdo do rio.
Como sempre salientado, apesar do que o seu nome poderia sugerir, as Sete Quedas, eram constituídas por 18 (ou 19) saltos, um ao centro, cinco na margem direita e doze na esquerda. A sexta queda situava-se na extremidade do canal. Este, abaixo dos saltos, de ca. de 50 metros de largura, corria entre paredes rochosas de ca. de 34 metros de altura. O salto n° 14 era o maior, com 20 metros de altura, constituindo o salto de Guaíra propriamente dito. O som produzido pela queda podia ser ouvido a mais de 30 quilômetros de distância. O salto n° 7, no início do canal, era o mais alto, com 37 metros.
Na espetacular cenografia, cada salto possuia características próprias que o identificava. Assim, o salto n° 17, com 25 metros, formava três degraus. A diversidade das formas e das rochas era emoldurada pela variedade da vegetação. A magnificência do espetáculo era realçada pelas nuvens de neblina - sete colunas de vapor segundo a tradição - que se elevavam e na qual constantemente refulguravam arco-íris.
Tomando-se um barco, seguia-se o canal entre a grande ilha das Sete Quedas e a terra firme do Paraná, entrando-se pelo canal de Pacu. A vegetação, embora já bastante delapidada, deixava perceber a variedade da fauna e flora. Após atingir o local de um antigo posto indígena, seguia-se por um caminho até a fronteira do Paraguai. De lá, observava-se a confluência das duas gargantas, atingindo-se também o primeiro salto. Por meio de uma corda, alcançava-se ao fundo, nas rochas, formações em arcos e colunas de pedra polidas pela água.
Designações como indicadores de processos históricos
Sem vínculos com a sua formação natural e imagens poéticas, históricas e míticas, os saltos das Sete Quedas eram designados, com poucas exceções, por nomes da história política e militar, estabelecidos à época do levantamento da área pela Companhia Mate Laranjeira antes de ser encampada, em 1944, pelo Serviço de Navegação da Bacia do Prata. A primeira queda formava os saltos Limite, Caxias e Tamandaré; a segunda, os saltos Presidente Franco, Diretor Francis e Deodoro; a terceira, os saltos General Estigaribia e Osório; a quarta, os saltos Marechal Lopes, Benjamim Constant e Saldanha Gama; a quinta, os saltos Barão de Mauá e Rabisco Mendes; a sexta, os saltos Rui Barbosa e Maria Barreto; a sétima, os saltos Thomás Laranjeira, Floriano e o Saltinho.
Essas singulares denominações históricas, que representam evidentemente uma ocupação histórico-política do fenômeno natural através de denominações relativamente recentes, suscitaram reflexões relativas aos critérios de escolha de nomes considerados significativos para a história de Sete Quedas. Tratou-se, sobretudo, de tecer reflexões acerca da posição das cataratas na história indígena e missionária e da sua inserção em processos de ocupação européia da área, ou seja de aspectos culturais relacionados com a desindigenização e com as tensões geo-políticas criadas pela divisão da América entre Portugal e Espanha desde o Tratado de Tordesilhas.
O significado das cataratas para a cultura indígena manifestava-se na antiga denominação de Saltos do Canendiyu. Canendiyu fora um cacique dos guaranís que habitavam à margem direita do Paraná, na região superior às cataratas, à época da chegada de castelhanos. Também a denominação de Saltos do Guaira remonta ao nome de um chefe indígena, tendo sido empregado pelo governador de Assunção Domingos Martinez Irala em consideração ao apoio que teriam dado os guaranís na expulsão de tupís. A tomada de posse da região pelos espanhóis, iniciada em 1554, levara à fundação do povoado de Ontiveros, próxima às cataratas, formada com famílias indígenas missionadas, e à de Guayrá próxima ao rio Piquiri. Em 1576, fundou-se a Vila Rica do Espírito Santo, mais tarde transferida para a confluência do Ival com o Corumbatai, a mais importante povoação na região denominada de Guaira.
Como em outras regiões mais abaixo, também os saltos de Guaíra tinham sido certamente vistos pelos missionários como providenciais para os indígenas, pois dificultavam a vinda de europeus. Aqui teriam valido também as palavras do Pe. Antonio Sepp S.J. (1655-1733), pronunciadas com relação a outra região missionária, no Uruguai:
"Esta queda do rio (...) o Criador previdente da natureza a fez só e unicamente e ali a colocou para maior benefício de nossos pobres indígenas. Todos os Padres Missionários estão firmemente convencidos disso. É que até aqui já vieram os espanhóis em seus navios, em sua insaciável cobiça de dinheiro. Mas quando chegaram aqui, ouviram: Non plus ultra, nem mais um passo! Tinham, por isso, que voltar para Buenos Aires, e até o dia de hoje não puseram pé em nossas reduções, não podem realizar nenhuma comunhão, nenhum negócio, nenhum tráfico com os nossos indígenas, e isto constitui um benefício indescritível". (Viagem às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos, trad. A. R. Schneider, Belo Horizonte/São Paulo, 1980, 119).
Os saltos de Guaira não impediram, porém, a vinda dos bandeirantes, a partir de São Paulo. Objetos de suas incursões, as aldeias missionárias e os povoados foram gradualmente destruídos; em 1632, caiu Vila Rica. Com isso, criaram-se fatos que concretizaram a modificação de limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, a expansão da esfera castelhana com a ligação do Paraguai com o Oceano e a posse brasileira da região.
A consciência do significado das cataratas para a cultura indígena já mostrava-se enfraquecido no século XIX, o que justificaria o fato de empregar-se uma designação meramente descritiva, o de Sete Quedas, referente, pelo que tudo indica, aos sete conjunto de cachoeiras e saltos que formam. Como primeira fonte documental na qual surge essa designação aponta-se o tratado de limites entre o Brasil e o Paraguai, de 1872.
Sete Quedas e os estudos culturais
A partir das impressões e das reflexões encetadas in loco, e com base em estudos prévios, realizaram-se encontros com estudiosos brasileiros para a discussão de questões relacionadas com a posição de bens naturais nos estudos da cultura e dos condicionamentos impostos por perspectivas determinadas por processos históricos nos quais os pensadores se inserem. Em diálogo, entre outros com o Prof. Rossini Tavares de Lima, presidente da Associação Brasileira de Folclore, procurou-se encontrar vestígios da presença de Sete Quedas no debate cultural.
Uma publicação que se mostrou como particularmente relevante neste sentido foi o número especial, dedicado ao Folclore da revista da Associação Atlética Banco do Brasil, de 1966 (XXXII/5), e que incluiu singularmente uma extensa reportagem sobre Guaíra. Essa edição, congregando a instituição econômica, representantes locais e estudiosos de renome na área do folclore e dos estudos indígenas, foi organizada por Nóbrega Fontes. Este organizador convidou a Luís da Câmara Cascudo para escrever uma saudação e, entre outros, a Dulce Martins Lamas, Batista Siqueira e J. de Figueiredo Filho como colaboradores. Luís da Câmara Cascudo, como Presidente da Sociedade Brasileira de Folclore, abriu a publicação com palavras que determinaram a missão do estudioso da cultura e ofereceram conceituações diferenciadoras de cultura e civilização em grande parte distintas de concepções generalizadas: "A valorização do nosso folclore é uma atitude natural de legítima defesa coletiva. Temos missão idêntida à das Forças Armadas. Elas garantem a continuidade administrativa, a seqüência produtora, a dignidade legal. Nós lutamos pela conservação de elementos básicos, alicerces psicológicos do povo brasileiro. Inútil pensar que o folclore afasta a universalidade cultural. O Brasil precisa de tôadas as culturas estrangieras, não mais carece de civilização de país algum. A civilização não se comunica, compra, arrenda, exporta. É intransferível, própria, local, sedimentada pelos séculos, na alma das populações onde o espírito da comunidade determina o temperamento. O que se comunica, transporta, utiliza-se, de um país a outro, é a cultura, técicas, métodos, processo,s aparelhamentos. Nada mais. Cultura não é sinônimo de civilização. É o conjunto delas, assimiladas na quarta-dimensão tornadas patrimônio no plano do entendimento e da sensibilidade criadora" (...) (op.cit. pág. 3)
O autor do artigo de título "Guaíra: A cidade das Sete Quedas", foi Syro Lima Costa. O teor do texto ficou bem expresso no subtítulo: "O maior potencial energético do mundo está em Guaira".
Essa publicação da AABB documenta assim, uma singular posição com relação a bens culturais e naturais. Por um lado, aberta por palavras do mais significativo representante dos estudos folclóricos do Brasil, colocava-se na defesa dos bens culturais, da revalorização e do estudo das tradições e na sua consideração na Educação. Por outro lado, defendendo claramente posições desenvolvimentas, sem deixar perceber a menor sensibilidade pelo valor do monumento natural, incluia, como única matéria não-cultural de maior pêso, uma apologia do futuro a ser aberto pelo aproveitamento das cataratas. Numa releitura do caderno, o leitor não pode deixar de ter a sensação de que a consideração do patrimônio cultural aqui surge quase como uma moldura que coloca o ato da utilização que implicava na submersão do bem natural em luz favorável.
Banco do Brasil: apoio aos bens culturais. E o patrimônio natural?
Aquele que possibilitou a ida do repórter a Guaíra fora seu primo, Francisco Paula Lima, de Campinas. Madeireiro, fazendeiro e pecuarista, F. Paula Lima era responsável por uma rêde de rádios e agente influente do desenvolvimento da economia regional, sobretudo de programas de navegação fluvial no Paraná. Francisco Paula Lima já convidara várias vezes a Revista da AABB para incluir uma reportagem sobre as cataratas. Através do empenho do gerente instalador da agência do Banco em Guaíra, Dr. Florivaldo Erotide Silva, tornou-se possível o deslocamento do repórter àquela região.
Florivaldo Erotide Silva surge como um dos grandes propagandistas do projeto de aproveitamento das cataratas. Os principais agentes da divulgação da obra na região e da conquista da opinião pública local foram o Banco do Brasil e a igreja católica. Por falta de meios de comunicação, as informações referentes às benfeitorias que se esperavam da obra eram feita pelo pároco da cidade nas missas de domingo. Os planos de apoio financeiro à população pobre, constituída por descendentes de indígenas, especialmente desenvolvidos pelo Banco, surgiam como particularmente eficientes. O leitor ganha a impressão de que com isso, praticamente comprou-se a aceitação do projeto por parte dos indígenas e de seus descendentes, a quem as Sete Quedas tanto significavam. Também a vida social de Guaíra, incipiente, experimentou na época um grande desenvolvimento com promoções dos funcionários do Banco do Brasil, entre êles: Enio Cardoso, Sérgio Granato de Menezes, Agostinho Saraiva do Couto, Almerindo Vanderli da Silva, Cristiano Pinheiro Tannure, Dirceu Rodrigues de Moraes, Evaldo Mendes, Hugo Montenegro Braga, Josemar Silva Araújo, Luiz Carlos dos Santos, Luiz Ubiratan Sant'Ana, Mauro Pereira Fontes e Octávio Albero d'Oliveira Paredes.
Na recepção dada ao autor do texto, Florivaldo Erotide Silva salientou o significado do projeto de aproveitamento energético das cachoeiras. A distribuição de energia alcançaria os estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e as repúblicas da Argentina, do Uruguai, Paraguai, Bolívia e até o Perú. O teor do discurso baseava-se no conceito de libertação: Econômicamente, "esses povos amigos, que sempre viveram do mesmo ideal comum e trabalham em harmonia pelo desenvolvimento sul-americano", seriam libertados, advindo uma nova e auspiciosa era para todos, e Guaíra iria se tornar a capital econômica da região, pelas suas riquezas latentes inexauríveis, principalmente no campo da madeira e pecuária.
Outro argumento de importância nos discursos dos propugnadores do projeto era o da unidade nacional. O prefeito da cidade, Kurt Walter Hasper, demonstrou ao repórter, em mapa, a importância de Guaíra na unidade nacional, apresentando os fatores ponderáveis que iriam tornar a cidade em baluarte nacional.
"As nossas quedas d'água possuem o potencial energítico total de 35 milhões de kw. As grandes potências têm-se oferecido para a sua exploração. Será o maior empreendimento sócio-econômico das Américas. Ainda mais que o BID (Banco Internacional de Desenvolvimento) financiará, em dólares, todo o custo da obra que trará um surto desenvolvimentista nunca visto, para os povos sul-americanos, com a libertação de 2/3 de suas populações subdesenvolvidas, redimindo núcleos interioranos do Brasil e de países nossos vizinhos. Há vários planos para o aproveitamento de Sete Quedas. O mais viável tem a rúbrica do engenheiro patrício Dr. Marcondes Ferraz, projeto elaborado por técnicos nacionas e da ONU." (op.cit. s/p)
Na época, já haviam sido feitos estudos in loco e, sobre o Paraná, balisas flutuantes efetuavam levantamentos topográficos, a par de cálculos geológicos de estruturas onde mais tarde seriam assentadas as turbinas e as redes de transporte de energia.
Por fim, outro argumento de particular pêso e de antiga tradição era o da concretização do aproveitamento pleno do Paraná como via fluvial. Esse projeto visava um canal que iria liberar a navegação fluvial do Paraná com a Bacia do Prata, alcançando o Oceano Atlântico, isolando as Cataratas do Iguaçu. As várias barragens elevariam o nível das águas, inclusive o dos caudatários Grande, Tietê, Piquiri, Iguatemi e outros, surgindo uma nova era para a navegação fluvial. Poderia mesmo ser o início dos caminhos fluviais do Brasil, à semelhança de países da Europa.
As Sete Quedas na Europa
Antes da visita de 1981 e após os contactos realizados com os estudiosos brasileiros, procuraram-se dados e referências às Sete Quedas na literatura científica e de viagens da Europa. Procurou-se saber qual a atenção dada a essa obra da natureza na literatura específica e na de ampla divulgação de conhecimentos das várias épocas e qual os traços que deixaria na memória do mundo após o seu desaparecimento.
Constatou-se logo a dificuldade de levantamento de fontes relativas às cataratas das Sete Quedas de Guaira. Explica-se esse fato, entre outras razões, pela dificuldade do seu acesso, tendo sido pouco visitada por europeus à época áurea das grandes viagens de explorações científicas no século XIX.
Algumas informações a ela referentes encontram-se na literatura especificamente geográfica. Assim, o no passado modelar Manual de Geografia e Estatística do Brasil de J. G. Wappäus, Professor da Universidade de Göttingen e consul de várias repúblicas latino-americanas, (1 Vol. 4 Parte: Brasilien, Westindien und die Südpolar-Länder) do Manual de Geografia e Estatistica fundado por C. G. D. Stein e Ferd. Hörschelmann). descreve as cataratas no volume dedicado ao Paraguai (pág. 1148). No volume dedicado ao Brasil, (J. G. Wappäus e O. Delitsch, Handbuch der Geographie und Statistik, Brasilien, Wetindien und die Südpolar-Länder, 7. ed. Leipzig 1871), o manual menciona as cataratas em textos referentes ao Rio Paraná:
"O Rio Paraná (i.e. Mar, grande água) é formado pela confluência do Rio Grande e do Rio Paranaiva ou Paranahyba (Parana-hy-ba, i.e. água vai para o mar, oder Parana-hy-b-a, rio de muitas águas). O primeiro, que pode ser visto como o principal ramo do Paraná, tem a sua origem na Serra da Mantiqueira no limite da província Minas Geraes e Rio de Janeiro... (...)" (pág. 1269)
"O Rio Paraná, no território brasileiro, é já uma correnteza caudalosa, grande, que pode ser navegado por grandes barcas na maior parte de seu curso entre o Salto de Urubú-Pongá e o grande Salto de Guairá, como tudo indica, em todas as estações do ano. Cerca da desembocadura do Paranapanema, o rio se alarga até uma légua e é pontilhado por ilhas pitorescas; entretanto, apresenta aqui por vezes também corredeiras que obrigam o descarregamento dos veículos. Mais abaixo porém, entre o Rio Paranapenama e o Rio Ivaí, a água se ajunta num grande canal de meia légua de largura. Entre a desembocadura do Paranapanema e a do Ivaí, o Paraná, onde ele não se divide em vários canais, atinge 30 palmos (7 metros) de profundidade e a velocidade da água é de 0,6 metros por segundo. Apesar de várias expedições terem recentemente percorrido essa parte do rio, êle está sendo atualmente menos usado como via fluvial do que no século XVII e XVIII e é também menos conhecido do que antes, quando os jesuítas tinham numerosas missões em quase todos os seus afluentes de ambos os lados, que mantinham intercâmbio entre si. A navegação é totalmente interrompido no Alto Paraná por ambas as cataratas (...)" (op.cit. 1276-1277).
No capítulo dedicado à província do Paraná, oferece informações de interesse, salientando os trabalhos de investigadores e engenheiros europeus interessados em questões de navegabilidade dos rios:
"O Rio Iguaçú (Goiyo-covó dos índios coroados), que não fora visitado desde a época de Azara por viajantes de formação científica, foi há pouco (1866) percorrido na sua parte central menos conhecida pelos engenheiros Joseph e Franz Keller, aos quais devemos as primeiras informações mais precisas sobre o PAranapanema e o rio Ivahy. Através disso demonstrou-se que esse rio, embora caudaloso e destinado a ter tanto significado para a rica e bela região de Campos que atravessa, não se apropria como estrada fluvial entre a capital da província e o Rio Paraná, pois as significantes cataratas que apresenta em vários locais interrompem a sua navegabilidade completamente e são grandes demais para que possam ser superadas por construções hidráulicas e canalizações." (op.cit. )
Uma das primeiras obras que mais pormenorizadamente trataram das Sete Quedas de Guaira na Europa, incluindo gravura de página inteira tirada de fotografia, foi o "Süd-und Mittelamerika" do Prof. Dr. Wilhelm Sievers, de Giessen, publicado no âmbito da Allgemeine Länderkunde, organizado pelo próprio autor (Leipzig e Wien: Bibliographisches Institut, 2a. ed.. 1903).
As considerações das Sete Quedas são inseridas no texto dedicado à Hidrografia do Sul do Brasil, em particular do Sistema Paraná. Antes, porém, tratando das viagens de exploração salienta os poucos conhecimentos que se tinham da região. Pouco estudado teria sido ainda o sistema La-Plata em território argentino, o território das Missões no Paraná médio e o território das antigas povoações jesuíticas. Para a elucidação dessa região teriam contribuido, porém, viagens então relativamente recentes, entre elas de Viraroso 1881, Ramon Lista 1883, G. Niederstein 1884 e J. B. Ambrosetti 1894; G. Bove examinou o Alto Paraná até o Salto Guairá em 1883-84, e o Capitão Jerrmann 1896 os afluentes do Paraná Igatimi e Munday; no Paraguai, Hugo Toeppen realizou estudos em 1883/84.
"Logo após receber o Ivahy, o Paraná atravessa a Serra dos Dourados e forma então a grande ilha do Salto Guairá, denominado segundo a grande queda d'água (Gran Salto) de Guairá ou das sete quedas. Após uma ampliação em forma de lago na grande ilha, o Paraná cai aqui em muitas quedas de 15 a 18 metros de altura nas terras baixas e atinge o limite de seu curso superior. Então, o Paraná recebe as águas do Acaray à direita e leva através do Iguassú a água do Santa Catarina norte e do Paraná sul. O Iguassú origina-se perto de Palmeiras, o seu eixo principal prolonga-se porém pelo Rio Negro até próximo à costa de Joinville.Assim, ele corre em direção ocidental e com grande quantidade de água cristalina, verde, e com 150 a 200 metros de largura através do planalto para o Oeste. Devido às suas numerosas corredeiras, é difícil de ser navegado, leva porém já vapores brasileiros; antes da desembocadura forma o grande Salto Victoria, no qual êle cai, em três curvas, do planalto às profundidades. (op.cit. pági. 236-7)
Os trabalhos relativos às Sete Quedas nos estudos culturais do Brasil e à posição das cataratas nos estudos referentes ao Brasil na Europa demonstraram a necessidade de pesquisas mais profundas e diferenciadas. As dificuldades de levantamento de dados, a relativa pobreza de informações e publicações específicas sugeriram a existência de uma grave deficiência quanto à consciência de que os bens naturais também pertencem ao patrimônio humano, de que o patrimônio histórico não pode ser desvinculado do patrimônio natural, de que não pode haver empenho cultural no sentido pleno do termo sem conseqüente empenho pelos monumentos naturais. A preservação e o fomento de bens culturais não podem ser instrumentalizados ou postos em contradição à preservação de bens naturais, e o patrimônio do país não é só empobrecido com o desaparecimento de um ou outro grupo folclórico ou até mesmo de uma expressão tradicional da cultura, mas sim, e fundamentalmente, com a submersão de monumentos milenares, tais como as Sete Quedas.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).