Doc. N° 2255
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Tópicos Multilaterais Espanha-Portugal-Brasil
O Congresso Luso-Espanhol do Porto, 1942 Problemas das relações entre Ciência, Cultura e Política na História Político-Cultural Antropologia bio-étnica e a questão da arianização e do reaportuguesamento do Brasil
Trabalhos da A.B.E. 2007. Preparatórias do Seminário "Pesquisa da Cultura e Política"
A.A.Bispo
O Instituto de Antropologia da Universidade do Porto, subsidiado pelo Instituto para a Alta Cultura, sob a direção de A. A. Mendes Corrêa, realizou, em 1942, o Congresso Luso-Espanhol do Porto. Na quarta seção desse evento, o diretor do instituto, Mendes Corrêa, apresentou a comunicação "As tendências bio-étnicas do Brasil contemporâneo". (A.A. Mendes Corrêa, "As tendências bio-étnicas do Brasil contemporâneo", Publicações do Congresso Luso-Espanhol do Pôrto V, Porto: Imprensa Portuguesa, 1944, Separata).
Brasil como "grandioso laboratório antropológico"
Para Mendes Corrêa, o Brasil representaria, antes de mais nada, um grandioso laboratório natural de antropologia. Não haveria em nenhum lugar do globo melhores condições para o estudo dos fenômenos de mestiçagem da espécie humana do que no Brasil. Também não se encontrariam em nenhum lugar melhores condições para avaliações das possibilidades de constituição de novas formas humanas pelo processo biológico da mistura de raças, bem como da estabilidade ou da caracterização dessas formas do que no Brasil. No Brasil haveria elementos raciais muito diversos: o ameríndio aborígene, o europeu meridional, o europeu nórdico, o europeu alpino, o dinárico, o eslavo, o sírio, negros africanos das mais variadas origens e etnias, japoneses e os mais complexos e heterogêneos resultados da combinação de tais elementos. Na sua exposição, Mendes Corrêa citou e comentou o trabalho de grandes nomes da antropologia brasileira. Quanto à sistematização racial, Roquette Pinto agrupara os diferentes elementos constituintes da população do Brasil em quatro grandes grupos. Essa ordenação teria sido por muitos adotada, entre êles por Lobo da Silva e Oscar Brown. O sistema consistia dos seguintes grupos: os leucodermes, os xantodermes, os melanodermes e os faiodermes. Aos leucodermes pertenceriam os europeus e, em geral, os brancos; aos xantodermes os indígenas, os japoneses e, em geral, os mongóis; aos melanodermes, os negros de ascendência africana; aos faiodermes, os pardos, os produtos da mestiçagem, sobretudo euro-africana. Segundo Roquette Pinto, esses grupos estariam representados na população brasileira nas seguintes porcentagens: 51% de leucodermes; 14% de melanodermes; 22% de faiodermes e 13% de xantodermes (com índios e caboclos). Mendes Corrêa, porém, salientava que esses cálculos não seriam muito seguros e o quadro por eles criado não representaria seguramente a realidade. As dimensões do Brasil, a desigualdade na distribuição populacional, as diferenças das proporções raciais e da mestiçagem nas várias regiões, e sobretudo as diferenças porcentuais entre os cálculos dos fenótipos observados e os números reais da composição genotípica dificultariam avaliações com maior exatidão.
Dificuldades das pesquisas bio-antropológicas
O problema do laboratório antropológico natural que o Brasil representava residiria, segundo Mendes de Corrêa, na dificuldade ou delicadeza do assunto, uma vez que não se poderia lidar com seres humanos "com o à vontade com que se procede relativamente a cobaias ou a môscas do vinagre" (pág. 5). Independentemente das limitações morais e sociais que dificultariam ou até mesmo impediriam observações e experiências, outros fatores dificultariam o estudo do homem em comparação àquele feito com cobaias; assim, a época mais tardia da reprodução humana e a sua menor prolificidade reduziriam o material e o número de gerações para observações científicas. Devido a essas dificuldades, seria compreensível que as pesquisas específicas não estivessem suficientemente adiantadas. Até mesmo faltariam bases estatísticas sólidas, uma vez que os recenseamentos seriam omissos com relação a determinadas questões. Alguns censos teriam sido ainda inspirados em processo de discriminação racial, entretanto, não mereceriam confiança, uma vez que se baseavam apenas na côr da pele. A coloração cutânea seria um elemento significativo, porém insuficiente para uma "discriminação racial perfeita" (pág. 6). As informações seriam também deformadas pelas tendências dos recenseadores ou pelas "pretensões dos próprios recenseados" relativamente aos dados fornecidos quanto às raças e à definição dermocrômica das mesmas. Além do mais, tinha-se de renunciar a esse tipo de censo por suscitarem inconvenientes morais e políticos, levantando questões delicadas e "inçadas de perigosas prevenções e preconceitos" (loc.cit.).
Evolução antropológica do Brasil: melting pot, assimilação, seleção?
O autor iniciara a sua preleção com a constatação de que várias opiniões teriam sido emitadas relativamente às perspectivas da evolução antropológica da população brasileira. Diante do panorama racial complexo e heterogêno do Brasil, alguns estudiosos defenderiam a idéia de que a sociedade do país estaria a caminho de uma homogeneização progressiva. Outros, pelo contrário, partiriam do princípio de que nunca haveria uma unificação bio-étnica, e o país manteria o quadro de mosaico étnico. Dentro dessa divisão fundamental de opiniões, poder-se-iam constatar outras diferenciações. Entre aqueles que acreditavam numa homogeneização futura da população haveria os que esperavam o surgimento de uma nova forma humana devido à ação do meio ou pela unificação causada pela fusão das raças (melting pot). Outros, acreditavam na assimilação de elementos biologicamente menos adaptados ou poderosos. Também haveria aqueles que defendiam um processo natural de seleção, onde o predomínio crescente de um elemento mais numeroso ou socialmente mais forte levaria à eliminação progressiva dos mais fracos.
Política imigratória, antropologia e concepções histórico-culturais
Segundo Mendes Corrêa, seria na questão da imigração que mais se evidenciaria as implicações culturais da diversidade das opiniões relativas ao desenvolvimento racial do Brasil. Para Roquette Pinto e Heloisa Tôrres, por exemplo, seria vantajosa a imigração japonesa, uma vez que o "sangue nipônico" seria mais afim ao do ameríndio xantoiderme. Haveria, assim, a possibilidade de preconizar-se uma "reintegração do povo brasileiro na curva antropológica cuja continuidade teria sido quebrada com a chegada dos Portugueses" (pág. 7). Outra posição, contrária, seria a de Oliveira Viana. Esse autor acreditava numa progressiva arianização do Brasil, compreendida esta como domínio crescente do "elemento europóide". Aqueles que atribuiriam significado particularmente relevante ao meio físico no processo modelador e geracional de novos tipos humanos a partir da "massa plásticas das populações preexistentes" seguiriam uma corrente de discussão norte-americana, representada sobretudo por Franz Boas. Essa concepção teórica, porém, encontraria a dificuldade na própria diversidade ambiental e no polimorfismo regional nas grandes dimensões geográficas, tanto dos Estados Unidos como do Brasil. Mendes Corrêa não escondia a sua distância com relação à posição de Franz Boas. Essas poderiam apenas aparentemente ser confirmadas pelas observações de Shapiro no Havaí, onde ter-se-iam constatado diferenças entre os descendentes nipônicos com relação a seus ascendentes. Essas diferenças, porém, seriam quantitativas, não qualitativas. Uma prova de que o poder morfogenético do meio seria limitado via Mendes Corrêa no fato de que os descendentes dos negros africanos transportados para a América, depois de tantas gerações, ainda apresentavam as suas características raciais, não se transformando em brancos ou amarelos; as modificações ocorridas teriam sido causadas pela mestiçagem, não pelo meio (pág. 8). Mendes Corrêa salientava que agentes físicos poderiam produzir certas mutações, a regra, porém, seria a "invariabilidade dos factores germinais transmitidos através das gerações, aceitando-se, segundo um critério weissmaniano, que na descendência não podem surgir caracteres hereditários que não estejam predeterminados no património factorial dos progenitores." (pág. 8) A partir dessas constatações, Mendes Corrêa questionava do ponto de vista genético a idéia do melting pot, ou seja, de que a fusão das raças poderia dar origem a uma nova forma humana. A fusão poderia dar origem a combinações novas de fatores, podendo também reaparecer por processos disjuntivos formas primitivas, jamais, porém, poderia surgir a idealizada unificação e/ou homogeneização. Também a tese da assimilação não poderia ser defendida. Tratar-se-ia de um processo vital, mas nada haveria de similar nas combinações germinais, onde a dominância não destruiria a individualidade e a independência dos genes.
Reaportuguesamento do Brasil e a "arianização" de Oliveira Viana
De todas as hipóteses, Mendes Corrêa considerava como a mais viável aquela que dirigia a sua atenção à seleção social de progenitores, equivalente, por exemplo, à arianização preconizada por Oliveira Viana. Em 1940, no Congresso Luso-Brasileiro de História, Mendes Corrêa tratara do papel do elemento português na demografia do Brasil, defendendo a opinião de que a "arianização" poderia ser um reaportuguesamento. Esse processo deveria ser entendido no "sentido estritamente bio-étnico e espiritual", não significando um regresso a uma identidade impossível, uma vez que nas veias da população brasileira circularia muito sangue que não seria português, mas sim seria uma expressão "das melhores possibilidades de reintegração do factor germinal luso com mais perfeito ajustamento dêste aos outros elementos raciais e ao meio." (págs. 8-9). Sob o aspecto estritamente racial, Mendes Corrêa aceitava a opinião de Oliveira Viana no sentido de um aumento dos elementos europóides com a concomitante redução dos elementos de côr na população. Baseava-se, nisso, na sua convicção de que os elementos de côr não representariam "a maioria, social, política e econòmicamente, predominante da população brasileira". Teria elucidado essa sua convicção por diversas vezes com as suas observações feitas em Copacabana ou no centro de São Paulo: nesses locais, teria visto apenas um escassíssimo número de negros (pág. 9). Além do mais, as estatísticas brasileiras recentes assinalariam um crescimento demográfico da população leucoderme de 1,21% em contraposição com o de 0, 92 para os mulatos, 0,34 para os índios e, negativamente, menos 0,62 para os negros. Mendes Corrêa previra aqui, no Congresso de 1940, o fim de uma raça que teria sido tão sacrificada no decorrer da história. Essa situação desfavorável teria sido causada pela mortalidade e pela pouca natalidade na época da escravatura e a mortalidade pela tuberculosa após a abolição, apesar de todos os esforços filantrópicos. Apesar disso, não se poderia acreditar na eliminação de genes não-leucodermes no patrimônio germinal da população. "Continuará com tôdas as probabilidades o profuso e multiforme mostruário de tipos físicos de que tives eloqüentes amostras nas visitas a unidades militares, a escolas, a hospitais, a fábricas e oficinas". (pág. 9) Para Mendes Corrêa, não havia unidade de raça à época da Independência do Brasil, não haveria no presente e nunca no futuro. Citando Alfredo Ellis Júnior, considerava como risível a afirmação de que no Brasil estaria em formação uma raça. Concordava com Euclides da Cunha, que teria dito que no Basil não haveria unidade de raça e que o país nunca a teria.
Diminuição da mestiçagem e "eletividade afetiva de raça"
Concluindo o seu estudo, Mendes Corrêa salienta não acreditar ser possível a uniformização racial do Brasil. Admitia, é verdade, seleções bio-sociais "impiedosas" e acreditava na hegemonia etno-social do elemento europóide, especialmente do de ascendência portuguesa no Brasil. A pluralidade dos elementos antropológicos, porém, as limitadas influências a serem atribuídas ao meio e a vastidão do território impediriam a suposição de uma homogeneização. A mestiçagem intensa teria sido determinada historicamente, sobretudo por um déficit do elemento feminino leucoderme no princípio da colonização e no presente. Segundo a sua observação, porém, a mestiçagem não seria a regra atual no Brasil: "As famílias leucodermes raro dão acesso no seu seio a elementos de outra proveniência racial. E há uma curiosa electividade afectiva de raça na verificação que fiz no Rio de Janeiro, de serem geralmente homogéneos no ponto de vista raciológico os pares de namorados que passeavam pelos jardins públicos e avenidas da grande capital: eram brancos com brancas, pardos com pardas, negros com negras. Havia excepções, havia matizes ligeiros denunciando vagas influências atávicas de outros elementos. Mas a regra era aquela." (pág. 10) Os debates do texto tiveram e terão prosseguimento no Seminário.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).