Doc. N° 2251
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Tópicos multilaterais Suíça-França-Alemanha-Portugal
Contextos internacionais da propaganda político-cultural dos anos 30 Filosofia da História, Catolicismo e Estado na política Salazarista Gonzague de Reynold (1880-1970)
Trabalhos da A.B.E. 2007. Preparatórios de Seminário "Pesquisa da Cultura e Política"
A.A.Bispo
Em fins de dezembro de 1936, a editôra Spea publicou, em Paris, uma obra dedicada ao "Novo Portugal". Um ano mais tarde, essa obra foi divulgada no mundo de língua alemã pela editôra Otto Müller, em tradução de Rudolf Timmermans (Gonzague de Reynold, Portugal. Gestern-Heute, Salzburg-Leipzig: Otto Müller, 1938). Gonzague de Reynold, escritor suiço (Cressier/Freiburg, 1880-Freiburg 1970), Professor de literatura francesa em Berna, atuava em Freiburg desde 1930. Autor de várias publicações relativas à história cultural da Suíça e da história européia, assim como de estudos da história literária suíça e francesa a partir de um ponto de vista católico (Histoire littéraire de la suisse au XVIIIe siècle, 1909-12); Contes et légendes de la Suisse héroique (1914); Cités et pays suisses (1914-1920); La démocratie et la Suisse (1928); L'Europe tragique (1934), era um historiador altamente conceituado. As suas preocupações pela Europa manifestar-se-iam ainda futuramente em várias publicações, entre elas Qu'est-ce que l'Europe? (1941); Le 17e siècle: Le classique et le baroque (1944); La formation de l'Europe (1944-1957) e Mes mémoires (1960-63).
Propaganda portuguesa: Papel de Freire de Andrade e Antonio Ferro
Gonzague de Reynold escreveu o seu livro após ter passado um mês em Portugal. Ali esteve de 10 de novembro a 8 de dezembro de 1935 e esse tinha sido o seu primeiro contato com o país. N.M. Freire de Andrade fora aquele que dirigira a sua atenção a Portugal. Travara com êle contato em 1920, em Berna, de onde nascera uma forte amizade, e desde então fora êle o principal mediador e divulgador de assuntos portugueses na Suíça. Freire de Andrade acompanhou também o autor de Genebra a Lisboa e no seu retorno. O livro, portanto, pertenceria a êle, sendo o autor apenas uma espécie de veículo. Freire de Andrade teria sido também aquele que revelara ao autor o nome e a obra de Salazar. Um fundamental papel na consecução da obra desempenhou também Antonio Ferro, fundador e diretor do Secretariado da Propaganda Nacional. O seu livro sobre Portugal e o seu líder, traduzido em várias línguas, seria um modêlo de uma nova espécie de entrevista. Esse livro representou o fundamento da imagem que o autor fizera de Salazar e o introduzira no "espírito, no pensamento e na obra do grande Renovador". (pág. 14). Antonio Ferro fora o organizador de seua estadia em Portugal. Do ponto de vista cultural, também o contato com a sua mulher, uma "das melhores poetisas portuguesas" da época, teria sido muito gratificante. Outras personalidades que muito auxiliaram o autor foram: o Visconde do Ameal, autor da obra "No Limiar da Idade Nova", Fernando Campos, cujos trabalhos sobre o pensamento contrarevolucionário e tradicionalista demonstraram que a inteligência portuguesa não se esgotava no "liberalismo do século XIX", Fernando de Souza, diretor da Voz, Conde de Penha Garcia, uma antigo conhecido de Genebra, diretor do Instituto das Colonias e da Sociedade de Geografia, o antropólogo Mendes Corrêa, Conde de Castel Branco e o Conde d'Aurora, juiz de direito no Porto. O autor, como hóspede de Salazar, com quem teve duas entrevistas, foi logo de início apresentado ao Presidente da República, General Carmona. Foi recebido por três universidades em Portugal, lembrando sobretudo de Caeiro da Matta e Pereira Salgado, reitores das universidades de Lisboa e Porto, e de Eugênio de Castro, Decano da Faculdade de Filosofia de Coimbra. O autor proferiu uma conferência na Academia das Ciências em Lisboa, sob a presidência de Julio Dansas, colega do autor na Comissão Internacional para a Cooperação Intelectual. O autor também foi recebido por vários secretários de Estado, por Tamagnini, Ministro da Instrução, e por Armindo Monteiro, Ministro do Exterior, que possibilitaram também a sua visita ao novo Instituto de Estatística.
Portugal: primeiro lugar na construção de uma nova ordem - Estado Cristão
O método do autor foi aquele que já teria empregado ao escrever sobre o seu próprio país em "Cidades e Paisagens Suíças" (Schweizer Städten und Landschaften) e no "Espírito de Berna" (Geist Berns): partiu de impressões da realidade ao vivo, aprofundando-as posteriormente e comentando-as através de estudos e meditações. Ao querer dirigir a sua atenção a um outro país, escolhera Portugal por vários motivos. Primeiramente, porque caberia à forma de soberania de Salazar o primeiro lugar do ponto de vista histórico entre todas as tentativas de construção de uma nova ordem política sobre as ruínas do mundo destruído pela Primeira Guerra Mundial. Mesmo que essa tentativa falhasse, marcaria a História, representando "a linha de força e o campo de energias" de décadas. O segundo motivo, pelo qual escolhera Portugal, residia no fato de que a Revolução Nacional de 1926 erigira uma forma de govêrno diversa, nas suas bases e nos seus métodos, do Fascismo italiano e do Nacionalsocialismo alemão: uma forma de govêrno que teria o Estado Cristão como modêlo e ideal. A Ditadura não seria uma forma própria de estado totalitário; a Ditadura poderia ser tanto contra como a favor do Estado total. Ela seria um resultado e uma exigência da necessidade. O conceito de Ditadura era, para Reynold, diferente daquele de Totalitarismo.
Filosofia da História a partir do Presente
O autor quis comprovar a sua Filosofia da História aplicando-a na análise de Portugal. Essa Filosofia constituiria em examinar um acontecimento contemporâneo, uma nova forma de govêrno, primeiramente em si própria e em seus pormenores, e, posteriormente, nas suas relações com o Todo Histórico. A visão histórica tomava um ponto de observação situado no presente, perspectivando assim o passado e tratando-o em função daquilo que este pode significar historicamente para o presente. Procuraria determinar qual a fase que o Hoje representaria na história e quais as linhas energéticas que nele se concentrariam.
Para Reynold, História e Passado não seroa, sinônimos. O passado seria apenas uma divisão arbitrária da História e a História seria um permanente dinamismo que transpassava o passado. Jamais o Homem se libertaria do seu laço. Haveria na História constantes, ou seja, forças fundamentais imutáveis no seio de componentes mutáveis no tempo e no espaço. Na História haveria linhas de força tais como fios de energia elétrica que, partindo de um gerador, atravessariam montanhas e colinas, rios e mares, levando a luz a outras regiões. A História não seria uma Evolução, mas uma ação contínua do Passado ao Presente. A História poderia ser reparação, ela seria responsabilidade, ela seria uma filha da Justiça. Com base nessa filosofia, ao iniciar a sua obra, o autor levantara questões sobre o regime de Salazar: De onde viera esse regime? O que ele herdara para melhorar e aperfeiçoar? Quais as suas origens? De que modo se vincularia com a terra, com a História de Portugal? Para onde iria?
Correntes de força e construtividade da História
Reynold termina a sua obra com uma súmula de suas observações e conclusões. Fazendo uma apologia de Salazar, baseia-se em discurso que Antonio Ferro fizera no dia 23 de setembro de 1935 na Semana Portuguesa de Genebra e que tinha o significativo título de "Em Portugal há um homem forte". Esse título corresponderia à Filosofia da História de Reynold, segundo a qual a História seria uma obra de homens, ou melhor, de alguns homens, de líderes, aqueles vultos de idéias e de ações. A História seria uma seqüência contínua de impulsos partidos desses guias de grupos humanos. Utilizando-se de uma metáfora, Reynold comparava esses líderes com colunas que sustentariam linhas de força através dos tempos e dos espaços e nas quais se concentraria e direcionaria a energia da História. A História não seria acaso, destino ou algo inconsciente. Referindo-se a Bergson, o "filósofo do Inconsciente", Reynold afirmava não acreditar no Inconsciente na História. As grandes correntes espirituais ter-se-iam formado pelo fato de que massas de homens teriam sido impulsionadas e arrastadas por um homem ou alguns deles. Quando as idéias transmitidas perdessem o seu sentido e a sua força de ação, quando o primeiro impulso se tornasse mais fraco, quando um mundo começasse a ser abalado, então ter-se-ia o fim de uma época. Os povos se lembrariam então instintivamente da verdade e procurariam homens que os reunissem e edificassem, homens capazes de manter a tradição nacional e, ao mesmo tempo, de criar algo novo. Assim, tratar-se-ia de uma obra de construção da história, de arquitetura, e essa seria a obra de Salazar, tão grandiosa que poderia ser considerada como uma forma moderna da tradição monumental de Portugal, podendo ser assim designada como "Batalha".
O "Homem forte de Estado" como artista criador
O grande Homem de Estado seria raramente o grande pensador ou o grande erudito; êle teria aquilo específico que não viria da política mas de outra esfera. Por essa razão, teria êle novas idéias e uma outra aura. Seria o contrário do político, que se esgotaria quando atinge o poder. Este se adaptaria aos acontecimentos, ao lugar de criá-los; enxergaria o momento, mas não a época, calcularia segundo números, não segundo forças. O "grande Homem de Estado", porém, confiaria primeiramente nas suas forças. Ele poderia ser comparado com um grande artista, pois possuiria um espírito criador e um estilo, com o qual impregnaria todas as suas construções. Dando a si próprio e ao povo um objetivo, uniria a sua vida à vida de seu povo ao redor de um ideal. Seria um ser "imutavelmente concentrado", como na definição do Herói, de Emerson.
Construção da Ordem Nacional como etapa da Ordem Universal
Para esse homem, o sonho seria o irmão da ação. Realizaria o fato incomum da concordância da ação com o pensamento. O seu pensamento, porém, não seria jamais separado da realidade; basear-se-ia na compreensão do seu povo, do seu país, de uma história na sua complitude, na sua essência, nas suas forças fundamentais em uma hora na qual a nação estivesse em dúvida. A grandeza, porém, apenas poderia ser adquirida se esse Homem se esquecesse de si próprio e consagrasse todo o seu ser ao bem geral. Adaptando uma concepção inspirada na teologia escolástica, Reynold dizia que o líder deveria ser para o seu povo aquilo que a alma é para o corpo e Deus para o mundo. Ele amaria o seu povo mas fugiria de todo e qualquer populismo na procura de simpatias. Ele somente seria grande se superasse a si e a seu povo, dirigindo a sua atenção à construção da Ordem Nacional como uma etapa da Ordem Universal. A sua obra deve ser situada na dimensão da universalidade. A recuperação da ordem em Portugal seria também relevante para a Europa. Aqui, mais uma vez Reynold empregava a metáfora arquitetônica: como numa catedral todas as partes se apoiam mutuamente, pedra por pedra, pressão, por pressão, então também os países que formavam a cúpula dessa catedral aqueles da Europa Central dependeriam da solidez de cada uma das colunas, e uma dessas seria Portugal.
Significado especial da própria história e cultura para países pequenos. Unidade e Diversidade
Indagando do significado da experiência portuguesa para a Europa, Reynold compara o Fascismo italiano com o Nacionalsocialismo alemão e o regime soviético a partir de suas relações com o conceito de Unidade. O Fascismo enxergaria a absoluta unidade no Estado, o Nacionalsocialismo no Povo, o regime soviético na Classe. O Fascismo seria totalitário quanto ao regime; o Nacionalsocialismo totalitário em duas dimensões, política e espiritual, e o Bolchevismo em três dimensões. Seriam três fenômenos bem diferentes entre si nas suas origens, no seu espírito e nos seus objetivos, contemporâneos, mas não aparentados. Tais fenômenos poderiam surgir apenas em grandes nações, nos países pequenos deles poderia apenas haver cópias. Para êles, o copiar o Nacionalsocialismo, o Facismo ou o Bolchevismo só poderia significar perda da independência, ou seja, submissão a Berlim, a Moscou, ou mesmo à política italiana. Não se poderia, porém, impedir que essas nações procurassem o seu próprio caminho, e a única solução após a derrota e a ruína do antigo universo anterior à Guerra seria o Unitarismo, a forma totalitária. (op.cit. pág. 327). Reynold via claramente que o Facismo, o Nacionalsocialismo e o Bolchevismo representavam situações bélicas, convocações preparatórias de Guerra (pág. 327). Na sua análise da situação dos pequenos países, tais como a Suíça, a Bélgica e Portugal, Reynold afirma o significado da Diversidade. Esta seria uma pré-condição da Unidade. Essas nações viveriam uma vida histórica muito profunda e consciente. Elas não procurariam conquistar, mas sim defender-se. Isso faria que surgisse um forte sentido de independência. Os fundamentos dessa independência nacional seriam as liberdades pessoais e regionais. E isso as teria levado ao liberalismo e ao "democratismo". A democracia, porém, teria absorvido o liberalismo, o etatismo feito o mesmo com a democracia e tudo indicava que o socialismo se preparava para tomar conta do Estado. Assim, os pequenos países representariam berços do socialismo, da soberania das massas. Esta levaria à destruição das verdadeiras liberdades, deixando apenas as más liberdades. A solução para os pequenos países residiria, para Reynold, numa conversão a novas formas, numa volta às condições naturais e históricas da própria existência e da existência do homem, ou seja, na Contrarevolução. Assim, os pequenos países precisariam muito mais do que os grandes do retorno ao Passado e aos fundamentos e verdades empíricas que se encontravam no passado, um passado que sempre pode ser redescoberto e rejuvenescido. Por essa razão, um país pequeno ou viviria de acordo com a sua própria natureza e história, ou tornar-se-ia escravo e cópia, satélite de outras nações.
"Essência" do Passado
Dentro da sua visão histórico-filosófica da diferença entre História e Passado, Reynold manifesta a sua admiração por Portugal por ter este optado pelo caminho de renovação: tradições não estariam ultrapassadas mas representariam a marcha ao futuro, e o direcionamento não seria acidental, seguindo linhas de força. Do passado não se tirariam formas, mas sim "substância" ou "essência" (op.cit., pág. 330). O mundo que estava acabando seria para Reynold o mundo do individualismo e do liberalismo do século XIX, que havia se convertido senilmente em socialismo e comunismo. O mundo em nascimento encontrar-se-ia em fase de uma luta da gestação. Nessa luta, o novo mundo, para superar o antigo, unir-se-ia com um ainda mais antigo, com aquele que havia sido superado pelo anterior, mais ou menos segundo o moto "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Esse mecanismos se efetuaria não no espaço, mas no tempo. A Idade Média teria substituído a Antigüidade, a Renascença ter-se-ia sustentado na Antigüidade para ultrapassar a Idade Média; os Românticos ter-se-iam apoiado na Idade Média na sua luta contra o Classicismo e o Academismo. Portugal possuiria na sua história apenas uma época gloriosa e frutífera. Esta fora o século XV, a época dos grandes Descobrimentos. O pensamento de Salazar estaria dirigido a essa época, àquela cantada por Camões, tempo de momentos de orgulho, de ambição, de esperança. A imagem dessa época seria a fonte do patriotismo. Na obra de Salazar e de seus auxiliares poder-se-ia reconhecer a recuperação e a renovação do século XV: um poder national e unificador livre na sua ação política, um país que se reorganizava em administrações próprias, em famílias, comunidades e corporações; e, por fim, um Império Colonial.
Ditadura ou regime autoritário? Estado Cristão. Pontos fora de discussão
Ao contrário da própria designação de Ditadura, Reynold via no regime português apenas expressão de um sistema autoritário. Ele seria constitucional, uma vez que uma constituição não necessitaria ser liberal ou parlamentar. A ditadura absoluta não haveria e não poderia existir; nem mesmo Luís XIV teria tido poder absoluto. Autoridade, organização corporativa e constituição baseada na moral e no direito seriam fundamentos do Estado Cristão, do Estado que corresponderia à doutrina e à idéia católica. Reynold analisa na sua obra pormenorizadamente o discurso que Salazar pronunciara no âmbito da marcha de Braga à Lisboa por ocasião do 10° aniversário da Revolução Nacional, a 28 de maio de 1936. Nesse discurso, Reynold via um marco na nova história de Portugal. Primeiramente, Salazar teria lembrado que a única revolução necessária seria sempre aquela que representasse uma defesa contra toda a falta de ordem do passado e do presente. Na anarquia espiritual e moral em que o país e o mundo teriam caído, não se trataria mais de mudar homens ou partidos, mas sim de não mais se permitir que tudo continuasse instável ou arbitrário, ou seja, de se estabelecer pontos sólidos sobre o qual o futuro pudesse ser construído. Seria necessário recuperar o sentido perdido da vida humana e fazê-lo penetrar na família, na sociedade, na organização política, na administração, na economia e na formação dos costumes. A Revolução, iniciada pelos militares e continuada por Salazar, não poderia durar sem o seu fundamento em dogmas eternos: Deus, virtude, pátria, tradição, autoridade, família e trabalho. A dúvida e a negatividade do século, dividindo almas, deveriam ser superadas pelo fortalecimento das grandes certezas. Não se discutiria a respeito de Deus e da virtude, da pátria e sua história, da autoridade, da família, da moral e do trabalho. O nacionalismo português se transformara em fundamento indestrutível do Novo Estado por várias razões: primeiramente, por ser um claro imperativo da História; segundo, por ser um fator do progresso e do desenvolvimento social; terceiro, por ser um exemplo vivo de patriotismo reconhecido pela Humanidade. Esse direcionamento universal do povo português, pela sua espiritualidade, teria sido designado como ímpeto missionário. Ele não teria nada a ver com o Internacionalismo que procuraria sufocar limites. Reynold via nesse discurso expressão de uma Filosofia do regime e, talvez até mais, de sua religião. A sua religião seria o Catolicismo. E aqui residiria um dos pontos fracos, menos do regime do que de Portugal em si: as relações entre a Igreja e o Estado Novo. Tratar-se-ia de um problema da força moral. Até o século XVIII, Portugal e a Igreja teriam formado uma unidade, e o país compreendia-se como um país de missão. Seria, assim, uma questão de sobrevivência para o novo Regime não renunciar às forças morais, e a grande força moral de Portugal era a Igreja. Na sua visita, em 1935, teria percebido, porém, que antes de haver uma cooperação entre a Igreja e o Estado, haveria uma certa distância, e o clero mostrava tendências de esquerda. (op.cit., pág. 340) Na sua análise, Reynold relembra um discurso de Salazar de 23 de novembro de 1932 e na qual este considerara como negativa a ação do Centro católico. Se o Centro quisesse colaborar para o país e para o povo, deveria transformar a sua ação política em simples ação social. Seria prejudicial para o desenvolvimento e pureza da vida religiosa a introdução da política na religião e a fusão de interesses espirituais com interesses materiais dos povos e de organização. Sobretudo num país com antigas tradições católicas mas com pouca religiosidade bem formada, a atividade política da Igreja e do clero implicaria em dificuldades. Reynold, do ponto de vista de sua convicção católica, apoiava a análise de Salazar. Se o Catolicismo político teria sido necessário antes da Guerra e mesmo depois da Guerra, em países com regime democrático e instituições parlamentares, seria incompatível com a nova situação (op.cit., pág. 342). Ele seria incompatível com o regime português. Seria apenas um meio, e não o único, para assegurar os interesses religiosos e as obras religiosas, tendo a finalidade de garantir a liberdade da Igreja. Todos os meios precisariam se transformar segundo as circunstâncias, o ambiente e a época, e meios não seriam fins. A tendência deveria ser a de um Catolicismo livre da política. A separação entre a Igreja e o Estado seria, assim, tanto em interesse do Estado como da Igreja. O interesse da Igreja deveria ser a de ficar no seu lugar, realizar as suas tarefas, as quais seriam primeiramente religiosas e, em segundo lugar, morais. Assim, a Igreja portuguesa necessitaria de uma renovação, de um desenvolvimento, de uma reeducação. (op.cit. pág. 342).
Miscigenação racial, defesa da raça e educação física
Para Reynold, os pontos fracos do regime seriam aqueles do próprio povo português. Cita falta de higiene e, sobretudo, falta de amor à educação física. Ele teria ficado surpreendido ao constatar que os portugueses quase que não se exercitavam. Essa seria uma falha que o regime estaria procurando sanar. Haveria também uma fraqueza da própria raça. Sobretudo no Sul, abaixo de Coimbra, haveria demasiadamente miscigenação com raças exóticas. Lembra que desde a época do Infante D. Henrique se iniciara a introdução de africanos da Mauretânia em Portugal, cristianizando-os. Entretanto, a partir de D. João II°, começara-se a trazer negros em massa para o país. Contra esse procedimento nada poderia ser dito, caso essa imigração tivesse sido regulamentada, ou seja, formando-se em Portugal uma elite para as colonias. Entretanto, houve mistura, para o prejuízo da nação. E essa mistura de sangue ter-se-ia alastrado. Quase que não se viam negros em Lisboa, mas os resultados da miscigenação seriam evidentes e o regime deveria tomar medidas para a defesa da raça. (op.cit. pág. 348) O Estado deveria ocupar-se mais da juventude, em especial da intelectualidade jovem. Esta seria uma questão vital. A juventude deveria ser entusiasmada, conquistada e organizada, recebendo um espírito de luta e de auto-sacrifício. A juventude amaria uniformes e gostaria de ser amada quando colocada a serviço de um ideal, recebendo camisas coloridas e cordões. Com a formação da "Mocidade Portuguesa" já se começara com esse trabalho moral, desportista e pré-militar. Para uma Raça que precisaria tanto de exercícios físicos e de higiene, nada seria mais útil, porém, do que o Exército. O português deveria aprender a amar o serviço militar.(pág. 351)
Política educacional e científica
O analfabetismo fora sempre apontado como uma das fraquezas de Portugal. De fato, 60% da população seria analfabeta. Para Reynold, porém, não se deveria exagerar o significado e o perigo do analfabetismo. Um ensino "não ordeiro" seria ainda pior, uma vez que transmitiria idéias falsas e prejudiciais, destruindo a formação natural do povo. O mais importante seria começar pelo alto, ou seja, pela formação de elites nas universidades, de modo que daqui saíssem de fato uma camada de líderes intelectuais de orientação nacional e social. Portugal precisaria de professores estrangeiros, seria porém necessário bem escolher quais os mestres a serem convidados (op.cit. pág. 354).
Debates críticos
Uma leitura pormenorizada e distanciada do livro de Reynold apresenta-se, portanto, como relevante para os estudos da Política Cultural dos anos trinta em contextos autoritários e ditatoriais. O livro oferece bases teóricas bem elucidadas, úteis também para a análise histórico-político-cultural de outras publicações da época. Surge como de utilidade para a discussão politológico-cultural da atualidade, uma vez que permite contextualizar imagens e concepções, servindo como uma advertência para determinadas formas de pensamento. Questões hoje particularmente discutidas, tais como da construtividade da história e da realidade, da leitura da História a partir do presente ou do "essencialismo" adquirem com essa contextualização político-cultural diferenciações inesperadas. Debates críticos do pensamento de Reynold podem, assim, contribuir ao aguçamento das reflexões nos estudos culturais e político-culturais.
As discussões terão prosseguimento e serão aprofundadas no decorrer do Seminário.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).