Doc. N° 2249
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Tópicos multilaterais Portugal-Brasil
História política e história das instituições científico-culturais O Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura, a "alma da raça" e a pátria virtual Missão do Professor Mendes Corrêa ao Brasil (1934)
Trabalhos da ABE 2007 Preparatórias do Seminário "Pesquisa da Cultura e Política"
A.A.Bispo
Logo após a fundação do Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura pela Universidade do Rio de Janeiro, sendo dela reitor Prof. Dr. Cândido de Oliveira Filho, tratou-se logo, de acordo com o Embaixador de Portugal, Nobre de Melo, e com a sanção dos governos de Portugal e do Brasil, da vinda de professores portugueses para que se desse início aos trabalhos da nova instituição.
Convidados foram o reitor da Universidade de Lisboa, Prof. Dr. Carneiro Pacheco, e o diretor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Prof. Dr. António Augusto Esteves Mendes Corrêa. A inauguração do instituto deu-se em junho de 1934.
Significado para Portugal
Uma coletânea de saudações e discursos organizada por um grupo de colaboradores da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, publicada no Porto, em 1935, oferece uma visão geral dos acontecimentos. Pela inclusão de artigos e notícias da imprensa brasileira, representa hoje uma fonte significativa para estudos histórico-políticos. Os seus autores foram Dr. Alfredo Ataíde, António dos Santos Graça, Dr. Alberto Souto, Dr. Armando de Matos; Dr. Fernando de Castro Pires de Lima, Prof. Dr. Fernão Couceiro da Costa; Dr. Joaquim Pedro Victorino Ribeiro; Dr. Joaquim R. dos Santos Júnior; Dr. José Augusto Castelo Branco e Castro; José de Pinho e Prof. Dr. Luiz de Pina. (A Cultura Portuguesa no Brasil, Porto: Imprensa Portuguesa, 1935) A publicação, cujo produto de venda foi destinada a subsidiar estudantes pobres, justificava-se não apenas como homenagem a um homem de ciência, ou seja, Mendes Corrêa. O país deveria tomar conhecimento do "sentido nacional da sua obra e o respeito internacional" que o seu nome conquistara nos meios científicos e universitários, com a sua participação em congressos da Espanha, França, Bélgica, Itália e Alemanha. O acolhimento que lhe fora feito no Brasil, o "grande país que os portugueses criaram para lá do Oceano", era preciso que o Povo Português o conhecesse e que uma tal publicação se arquivasse para a posteridade. Não bastaria que os portugueses fossem conhecidos através dos nomes de políticos e desportistas; seria necessário também que considerassem o merecimento dos intelectuais que honravam o país perante a ciência universal, dando-lhe prestígio internacional. O Prof. Mendes Corrêa teria sido um dos mais dignos embaixadores da ciência portuguesa em centros e reuniões de elevada cultura dos meios internacionais. (pág. 5-6)
Mendes Corrêa no Brasil
Dos convidados, apenas o Prof. Mendes Corrêa teve a possibilidade de vir ao Rio de Janeiro. Chegou no dia 3 de junho ao Rio de Janeiro. Foi recebido a bordo pelo reitor da Universidade e por uma delegação do Conselho Universitário, além de representantes da Embaixada, do Consulado e da vida cultural e científica brasileira. Também as associações portuguesas fizeram-se representar na pessoa de Carlos Malheiro Dias. No Hotel Glória, onde Mendes Corrêa e sua espôsa ficaram hospedados, foram entrevistados por vários jornais, expondo-se então o plano das aulas previstas para o início das atividades do Instituto de Alta Cultura. Mendes Corrêa foi recebido em audiência especial por Getúlio Vargas, então chefe do Govêrno Provisório, e pelo ministro do Exterior, Cavalcanti de Lacerda. O antropólogo português visitou várias instituições científicas, criminológicas, culturais, sociais e esportivas do Rio de Janeiro, entre elas o Instituto de Identificação, a Escola Militar de Educação Física, a Beneficiência Portuguêsa, o Instituto Histórico e Geográfico, as Faculdades de Direito e de Medicina, o Museu Nacional, a Escola Nacional de Belas Artes, o Instituto Anatômico Benjamin Baptista, os Laboratórios Granado, o Rotary Club e o Instituto Nacional de Música.
Inauguração do Instituto: "nau a bem da raça no mar da cultura"
No dia 10 de junho, no Gabinete Português de Leitura, realizou-se a sessão inaugural do Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura, presidida pelo chefe do Govêrno Provisório, Getúlio Vargas. A sessão foi aberta pelo Reitor da Universidade, Cândido de Oliveira Filho, que entregou ao embaixador de Portugal, Martinho Nobre de Melo, o diploma de professor honorário, sendo este saudado pelo Prof. Inácio Azevedo Amaral. O Dr. Marinho Nobre de Melo, agradecendo, fêz uma apologia da diplomacia do espírito, comparando o Instituto "a uma nau que, a bem da raça, ia naquele momento ser lançada ao mar da cultura." Mendes Corrêa foi saudado pelo Prof. Porto Carrero, agradecendo aquele com uma oração. Finalizando, Getúlio Vargas proferiu palavras referentes ao Dia de Camões e ao Instituto, louvando o Embaixador de Portugal e afirmando que não se poderia ser chefe da nação brasileira sem ser amigo de Portugal.
"Alma da raça"
No seu discurso inaugural, Porto Carrero, em nome da Universidade, salientou que teria sido a necessidade de amparo recíproco que reunira os cientistas naquela sessão, em festa de afinidade, em congregação de idéias, em congraçamento de impulsos que teria por alvo um objeto comum. A independência política, a diferenciação lenta da etnia e de costumes, através dos séculos, e os fatores econômicos não teriam conseguido até então separar o Brasil do velho Portugal, unidos que ainda se achavam pela "alma da raça" de que falava Mendes Corrêa. A alma da raça seria o "substracto psicológico, sedimento profundo das gerações anteriores, que se dilue, decerto, nos factores históricos e mesológicos, mas que persiste, no entanto, nos cromossomas de geração em geração." (pág. 17) Uma saudade de Portugal existiria no fundo de cada alma de brasileiro, no amor pela língua, no apêgo aos costumes, nos próprios traços de caráter, "até mesmo nos movimentos de brasilidade, que, fingindo vibrar arco e flexa, ainda o fazem com aquele idealismo, aquela displicência, aquela arrogância da alma racial comum". (pág. 18) Essa alma da raça teria reconhecido Mendes Corrêa no Brasil. Também o Brasil teria os seus Viriatos e Nun'Alvares em defesa da unidade pátria; a mesma tendência à homogenização étnica;"e de outro lado, o mesmo culto de passadas glórias, a mesma atitude paranóide de grandeza, a mesma omnipotência das idéias, a mesma escotomização da própria inferioridade, os mesmos arroubos de rebeldia". (pág. 19) A diferença entre Portugal e o Brasil residiria no fato que, em Portugal, a unidade étnica estaria já em vias de realização. A partir do Homo taganus, variedade do Homo afer, as migrações e os caldeamentos teriam dado aos portugueses uma homogeneidade surpreendente. No Brasil, porém, haveria o caldeamento de raças, e o elemento de inferioridade que isso poderia significar abriria, por outro lado, "uma aurora de esperança para anos por vir". Do mestiço, de quem se teria tanto mal dito, Roquete Pinto havia salientado as boas qualidades, atribuindo as suas deficiências às causas da doença e das más condições de economia e educação. Qual seria a raça que se poderia dizer pura? "Dos nórdicos, de tão decantada superioridade, afirma Goetz só existirem em pureza étnica, na Suécia, e ainda assim em 30% apenas, da população; emquanto na Alemanha se faz orgulho e praça de nordismo, a maior percentagem encontrada, de nórdicos, não excede a 6,7%". (pág. 19).
Defendendo o valor da mescla de raças, o orador salientou o "poder rejuvenescedor da combinação dos elementos biológicos". Também os portugueses teriam recebido diferentes influências étnicas e culturais no decorrer da história. Apesar de todo o desfalecimento após o período dos Descobrimentos, estariam então erguendo de novo a fronte, demonstrando, na homogeneidade, filha do caldeamento étnico, que só precisavam "de um chefe, para ser grande, pois ´so um fraco rei faz fraca e forte gente'". (pág. 20) O primeiro livro de Mendes Corrêa que havia influenciado o pensamento de Porto Carrero fora Raça e Nacionalidade, pequeno livro que seria uma síntese prévia de uma obra ulterior, ampla e desenvolvida, obra de um lado de um "antropologista que mede crânios, ou enfileira as estatísticas da criminalidade; do outro lado, o sociólogo que estuda friamente as qualidades do seu povo". (pág. 20) Para Porto Carrero, a Ciência universal, cosmopolita, a Ciência sem nacionalidade, não teria conseguido retirar do espírito de Mendes Correa a sua alma de português. O homem culto do século XX, para quem "a raça é a tradução plástica dum passado mesológico", não poderia, para integrar-se na comunhão cultural do mundo, "perder essa tonalidade nativa que êle colheu, não nos olivais retortos nem no bulício das águas dos rios, mas na profundidade miteriorsa do solo, no coração escondido da terra lusitana". (pág. 22) Os maiores encômios mereceu de Porto Carrero a obra A nova Antropologia Criminal, e essa antropologia seria mais psicológica e estaria mais no domínio moral. Para êle, os fatores mais diretos e permanentes da atividade criminal dependeriam do sistema nervoso e das glândulas endócrinas, e o problema da criminalidade seria sobretudo de ordem moral. Na moralidade individual se refletiriam fatores biológicos, psicológicos e sociais. Mendes Corrêa estaria passando da antropologia à sociologia. Sem se desligar da terra, voltar-se-ia cada vez mais para a sociedade que teria suas raízes naquele subsolo arcaico. A viagem ao Brasil seria talvez o marco de um passo gigantesco na sua evolução científica. O Instituto Luso-Brasileiro precisava de ter, no seu primeiro passo, "o baptismo de um grande nome da ciência da nossa raça". Era por essa razão que os brasileiros teriam chamado a Mendes Corrêa, não para ouvir elogios, mas para ensinamentos. Haveria, no Brasil, uma grande sêde de saber.
Aulas no Instituto de Alta Cultura
Mendes Corrêa iniciou as suas conferências e lições no dia 12 de junho, sendo quase todas elas ilustradas com projeções. Tomou parte do Congresso de Identificação, proferindo, na sessão inaugural, uma conferência solene de título O indivíduo, realidade biológica. Foi eleito membro honorário da Academia de Medicina e da Liga Brasileira de Higiene Mental. Tomou parte de almoço do Congresso de Identificação e em almoços na Urca, oferecidos pelo Embaixador de Portugal e pelo Conselho Universitário. O Conselho Universitário ofereceu também ao Embaixador de Portugal um grande almoço no Automóvel Club, tendo proferido discursos o Prof. Abreu Fialho e o presidente do Diretório Acadêmico. O embaixador Martinho Nobre de Melo proferiu então um discurso onde salientou que seria da tradição portuguesa que os seus professores espalhassem ensinamentos e cultura. No Instituto Nacional de Música, realizou-se um concerto em homenagem a Mendes Corrêa e ao Embaixador de Portugal. A orquestra do Instituto foi regida por Nicolino Milano e o programa constou de obras de Viana da Mota, Francisco Braga, Oscar da Silva e Carlos Gomes. Mendes Corrêa tratou dos seguintes temas nas suas conferências e lições: 1a. Conferência. Raças das Colonias Portuguesas, assunto considerado no salão do Gabinete Português de Leitura, no dia 12 de junho, quando o conferencista se referiu aos depoimentos de autores quinhentistas sobre as "raças descobertas", especialmente bochimanes-hotentotes, populações orientais e índios do Brasil. Considerou a política colonial, salientando que esta não deveria ser de assimilação, mas de cooperação. Deu particular atenção à questão da mestiçagem e a condição biológica e social dos mestiços. Por fim, salientou a contribuição da antropologia portuguesa para o progresso da disciplina sob o aspecto étnico. 1a. Lição. O homem no mundo animal, assunto tratado no salão do Gabinete Português de Leitura, no dia 13 de junho, quando o autor considerou a situação do homem entre os primatas, oferecendo um esboço de classificação. Mencionou diferenças entre os Hominídeos e os Antropóides e as conseqüências genealógicas desses estudos. Tratou do espírito humano em conexão com o esfôrço anterior da vida e as relações entre o espírito humano e a conquista do mundo. 2a. Lição. O homem fóssil, assunto também tratado no salão do Gabinete Português de Leitura, no dia 15 de junho. Essa conferência incluiu, entre outros, os seguintes pontos: Bases da cronologia pré-histórica; A antiguidade do homem e o problema do homem terciário; Os símios fósseis; As raças humanas do quaternário superior e suas relações com as atuais; O homem dos tempos mesolíticos; O arco antropofilético índio e o povoamento primitivo da América do Sul. 2a. Conferência. O indivíduo, realidade biológica, proferida no Congresso Nacional de Identificação, no dia 18 de junho. Nessa palestra, Mendes Corrêa tratou das diferenças individuais, nos aspectos morfológico, bioquímico e psíquico; dos fundamentos genéticos da desigualdade; da importância da definição da individualidade em medicina clínica, pedagogia, criminologia, etc., considerando fórmulas e perfís individuais na Antropologia Criminal. 3a. Lição. A arte pré-histórica na Europa Ocidental, proferida na Escola Nacional de Belas Artes, no dia 19 de junho. Nessa conferência tratou da questão das origens da arte, da arte quaternária na Europa Ocidental, da arte mobiliária e arte parietal, da descoberta de Santuola, de figurações antropomorfas, sinais tectiformes, alfabetiformes, etc.; da arte utilitária e da arte desinteressada, das relações entre arte, magia e religião; do naturalismo e do esquematismo; da arte do mesolítico, do neo-eneolítico e do princípio dos metais; da escrita, dos ornatos de cerâmica e de jóias, fazendo por fim uma síntese da evolução artística no ocidente da europa e de sua independência dos modêlos orientais. 3a. Conferência. Montaigne e a América pré-colombiana, pronunciada no dia 22 de junho na Academia Brasileira de Letras. Nessa conferência, evocando o centenário de Montaigne em Portugal e no Brasil, considerou-o como observador do homem na sua mistura de virtudes e defeitos. A seguir, tratou dos índios do Brasil e das civilizações pré-colombianas do México e do Perú, segundo Montaigne. Considerou as suas idéias relativas às vantagens do estado natural comparativamente à intolerância da sociedade do seu tempo. Finalizou salientando a atitude de Montaigne como precursor de algumas orientações antropológicas modernas. 4a. Conferência. A Atlântida e as origens de Lisboa, proferida na Academia Brasileira de Letras. Nessa palestra, considerou a Atlântida no tempo e no espaço, segundo os autores e as relações entre ciência e fantasia,
Niterói: Oliveira Viana
A convite das faculdades de Niterói, Mendes Corrêa visitou a cidade e as suas faculdades de Medicina e Direito no dia 25 de junho, sendo recebido pelo interventor federal. Na Faculdade de Direito, em sessão solene realizada em sua homenagem, proferiu uma conferência, sendo saudado também pelo reitor da Universidade do Rio de Janeiro, pelo diretor da Faculdade, Oliveira Viana e, representando o corpo discente, por Ribas Carneiro.
Mendes Corrêa em São Paulo: De Portugália e Renascença à Nova Atlântida
Mendes Corrêa partiu para São Paulo no dia 2 de julho, onde proferiu três conferências a convite da Universidade de São Paulo. Como hóspede do Estado, foi recebido pelo interventor e pelo Secretário da Educação, pelo reitorado e várias personalidades da vida cultural. A sua primeira conferência, proferida no Instituto Histórico e Geográfico, foi dedicada ao tema O homem na série animal. A sessão foi presidida pelo reitor, Reinaldo Porchat. A segunda conferência foi dedicada ao tema Montaigne e a América pré-colombiana, no mesmo local. A última, dedicada ao tema Atlântida e as origenas de Lisboa, proferida no dia 7 de julho, assistida pelo Secretário da Educação do Estado, despertou extraordinário interesse público. Entre aqueles que assistiram às suas conferências encontravam-se renomados intelectuais, entre êles Rocha Lima, Paula Sousa, Teodoro Ramos, Cantídio de Moura Campos, Reinaldo Porchat e Octávio Gonzaga. Na capital paulista, Mendes Corrêa visitou a Faculdade de Medicina, o Instituto de Medicina Legal, a Repartição de Identificação, a Faculdade de Direito, o Instituto Butantan, a Penitenciária, a Santa Casa, a Beneficiência Portuguesa e o Museu Paulista. Aqui, examinou pela primeira vez 26 crânios encontrados em sambaquís da ilha de Santo Amaro. No Club Português, no dia 9 de julho, foi homenageado com um banquete de despedida, preparado pelas associações portuguesas. Nele estiveram presentes também secretários do interventor e da Educação, o reitor e professores da universidade, além autoridades civís e consulares. O visitante foi saudado por Ricardo Severo e pelo diretor da Biblioteca Municipal. Em nome das Associações Portuguesas de São Paulo, o Dr. Ricardo Severo estabeleceu uma relação histórica entre a geração de Mendes Corrêa e àquela em que se tinha criado, salientando o desenvolvimento político-cultural de Portugal e suas recepções no Brasil. A geração antiga, à qual pertenceria, tivera o ideal da formação de uma nova cultura histórica e sociológica sobre a qual se reconstituiria um novo e maior Portugal. Teria sido um movimento de positiva análise científica que ter-se-ia repercutido na vida mental portuguesa em núcleos de atividade reformadora e criadora. Um desses núcleos formara-se em torno da bandeira de uma iniciativa científica sob o título Portugália. A sua divisa fora "pola grei", e se propunha a abrir um novo período de "Renascença" na própria nacionalidade: o "renascimento da alma popular, síntese da vida e do carácter nacional, da sua razão de ser e da sua história" (pág. 52).
Ricardo Severo teria sido o porta-estandarte das primeiras campanhas dessa "emprêsa de ciência, de propaganda cultural, de reivindicação tradicionalista em prol da grei portuguesa". Com a sua emigração, deixara o movimento às mãos das frontes de vanguarda, e prova do sucesso da semente plantada era Mendes Côrrea, representante da nova geração e que davam continuidade "duma superior aspiração, ideologia ou crença". Dilatando a obra inicial da Portugália, esclarecia-se o quadro mediterrâneo das civilizações pré-históricas do Velho Mundo. Descobrir-se-ia outro mundo ocidental, que se transformaria em um novo polo de civilização sob a poética legenda da Atlântida. (pág. 53) Esta teria sido a primordial lição que demonstrava o valor do Instituto Luso-Brasileiro na sua função de restabelecer o laço da linhagem e da civilização que iria além do quadro histórico luso-brasileiro e se integraria no berço comum do mundo pré-histórico ocidental. Reconstituir essa obra representaria o mesmo que o se concentrar em uma só pátria virtual, onde não haveria nações, mas um só povo e uma só alma nacional. (pág. 54) Em Santos, Mendes Corrêa visitou a Beneficiência Portuguesa, o padrão de São Vicente e, no Guarujá, a Casa Lusa, de Ricardo Severo.
Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras e Academia Nacional de Medicina
No dia 12 de julho, Mendes Corrêa foi recepcionado na Academia Brasileira de Letras. A sessão foi presidida pelo Barão Ramiz Galvão e o visitante saudado por Afrânio Peixoto, Roquete Pinto e Gustavo Barroso. No Instituto dos Advogados, proferiu uma conferência sobre o tema O estudo dos delinqüentes em Portugal. Em nome do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, Dionísio da Silveira, salientou de início o reconhecimento dos advogados brasileiros pela generosidade com que juristas do Porto há pouco teriam acolhido colegas exilados. Foi nomeado sócio honorário da Academia Nacional de Medicina, segundo proposta do Dr. Renato Kehl, sendo introduzido pelos Drs. Rocha Vaz, Heitor Carrilho e Lionídio Ribeiro. Foi saudado pelo Presidente Austregésilo e por Lionídio Ribeiro. O Jornal do Comércio, no dia 14, publicou essa saudação. Segundo Lionídio Ribeiro, a pedido do recém-falecido Miguel Couto, dois motivos haveria para que Mendes Corrêa se tornasse membro honorário da Academia: tendências para o estudo dos mesmos assuntos e o trabalho por ideais comuns. Salientou o renome internacional de Mendes Corrêa desde a sua tese de formatura, dedicada ao tema O génio e o talento na Patologia, e mais tarde pelas suas publicações Os povos primitivos, sua tese de concurso sobre Os criminosos portugueses, Homo e a Nova Antropologia Criminal. Nesta, com a sua idéia da individualidade moral ou psíquico-moral do criminosos, teria aberto novos horizontes para o estudo das causas do crime. No Museu Nacional, recebido por Roquete Pinto, realizou uma conferência sobre o tema Técnica das investigações pré-históricas, em círculo de especialistas. Por fim, foi homenageado com um banquete no Hotel Glória, oferecido pela colonia portuguesa e pelo Consul geral de Portugal. O cientista foi saudado por Malheiro Dias. O Jornal do Comércio, de 17 de julho, publicou o discurso pronunciado em nome da Federação das Associações Portuguesas no Brasil. Teria sido Carlos Malheiro Dias aquele que, em época que presidira a Federação, propusera que a Federação oferecesse ao Embaixador de Portugal o auxílio econômico da colônia para a fundação de um Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura. Uma das proeminentes funções dos Institutos de Alta Cultura seria precisamente a de avivar o espírito universitário, "não no estreito sentido de uma aliança de casta, mas sim nas dádivas recíprocas da ciência e em suas nobres e fecundas emulações, tôdas inclinadas para o mesmo superior objectivo. Volta-se assim à prática de velhas praxes, que tanto contribuiram para a difusão da civilização e ascensão espiritual da humanidade." (op.cit. 75).
As discussões terão continuidade.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).