Doc. N° 2276
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
110 - 2007/6
Tópicos multilaterais Portugal-Brasil
O Acordo Cultural Luso-Brasileiro no contexto histórico-político da propaganda, informação e do intercâmbio cultural da década de trinta 70 anos da conferência "Intercâmbio Cultural entre Portugal e o Brasil" do Embaixador Martinho Nobre de Melo
Trabalhos da A.B.E. paralelos ao Seminário "Pesquisa da Cultura e Política", novembro-dezembro de 2007
A.A.Bispo
Palácio do Catete, local de assinatura do Acordo. Última foto: Liceu Literário Português, Rio de Janeiro. Trabalhos da ABE, 2007. Fotos: A.A.Bispo 2007 Poucos são os documentos da história da diplomacia cultural tão divulgados como o Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941. Para a história científico-cultural, entretanto, esse Acordo assume particular interesse se considerado no contexto da época crítica em que surgiu, a partir de seus pressupostos histórico-políticos e na sua inserção em correntes de pensamento filosófico-culturais e ideológicos. Examinado desta perspectiva, o Acordo surge como um documento histórico de alta relevância para os estudos teóricos das relações transatlânticas e de uma pesquisa político-culturológica em geral. Em particular, surge como um documento que possibilita modelarmente exames das relações entre Propaganda, Informação e Intercâmbio Cultural, assunto tematizado em Seminário promovido pela A.B.E..
O Acordo foi assinado no Rio de Janeiro, em 14 de setembro de 1941, por António Ferro, Diretor do Secretariado da Propaganda Nacional, de Portugal, e pelo Dr. Lourival Fontes, Diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda, do Brasil.
No seu preâmbulo, o texto do Acordo manifesta o seu escopo: o de promover uma íntima colaboração cultural entre o Brasil e Portugal. Essa promoção, porém, é especificada como de competência de organismos oficiais: "a quem incumbe nos dois países a orientação dos serviços de propaganda, o Diretor do Secretariado da Propagana Nacional, de Portugal (SPN), e o Diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda, do Brasil (DIP), para tanto devidamente autorizados pelos seus Governos (...)".
No Artigo 1°, o Acordo estabelece a criação, na sede do SPN, de uma seção especial brasileira, da qual faria parte a título permanence um delegado do DIP e, reciprocamente, na sede do DIP, uma seção especial portuguesa, da qual faria parte um delegado do SPN. A essas seções incumbiria, de maneira geral, assegurar e promover, pelos meios a seu alcance, tudo o que pudesse concorrer para tornar conhecida, respectivamente, no Brasil e em Portugal, a cultura dos dois países. Nesse artigo, portanto, fica claro que o objetivo das estruturas criadas seria o de "tornar conhecida a cultura" de forma recíproca, um escopo que apenas pode ser considerado devidamente a partir das reflexões culturais da época, uma vez que poder-se-ia supor que a cultura de dois países tão unidos pela história e pela língua fosse mais do que conhecida mutuamente.
No Artigo 2°, especificam-se os meios pelos quais as duas seções procurariam promover o conhecimento mútuo da cultura. Na alínea a, trata-se em primeiro lugar da promoção do intercâmbio e da publicação de artigos inéditos de escritores e jornalistas brasileiros e portugueses na imprensa dos dois países. Logo a seguir, na alínea b, consideram-se os modernos meios de informação: as seções deveria promover o intercâmbio de fotografias e o estabelecimento de um serviço regular mútuo de informação telegráfica relativa ao Brasil e a Portugal. Como especificado na alínea c, o contato cultural entre as duas nações deveria ser mantido vivo através do envio ao Brasil e a Portugal de conferencistas, escritores e jornalistas. A dimensão política do intercâmbio a ser fomentado pode ser percebida na alínea d: as seções deveriam promover a colaboração recíproca "em favor de uma orientação comum quanto a noticiário a ser divulgado acerca do Brasil e de Portugal". A essa orientação comum poderia contribuir a revista que, com o nome de Atlântico, deveria ser mantida pelos dois organismos, com a colaboração de escritores e jornalistas portugueses e brasileiros, como definido no ítem e. Surgindo pela primeira vez no âmbito do Acordo o termo turismo, este é relacionado com a propaganda e a troca de publicações. Ao SPN caberia a divulgação, em Portugal, das publicações brasileiras e ao DIP a divulgação, no Brasil, das publicações portuguesas (alínea f). Em particular, isso diria respeito à divulgação do livro português no Brasil e do livro brasileiro em Portugal (f). Novamente considerando meios recentes de divulgação de informações, o Acordo estabelece a realização de emissões diretas de rádio e a permuta de programas radiofônicos (h). Os dois organismos deveriam também atuar através de premiações conjuntas de obras de excelência literária, artística, histórica ou científica, publicada em Portugal ou no Brasil, de interesse comum (i). Ponto notável do acordo é aquele que estabelece a realização e permuta de exposições de "arte nacional" e o intercâmbio de artistas brasileiros e portugueses, isoladamente ou em grupo (j). No âmbito da cinematografia, estabelece-se o fomento da "troca de atualidades cinematográficas, a exibição destas nos cinemas do Brasil e Portugal, e o estudo da eventual realização de filmes de grande metragem, de interesse histórico ou cultural para os dois países, mediante a colaboração de artistas técnicos brasileiros e portugueses" (k). Digno de ser salientado é a consideração prática do turismo a ser fomentado nesse Acordo Cultural: as seções deveriam fixar facilidades ao turismo luso-brasileiro por meio das companhias de navegação brasileiras e portuguesas, procurando alcançar redução nos preços das passagens, abatimentos especiais nos hotéis, diminuição nos preços de trasportes ferroviárias e outras facilidades semelhantes (l). Sob o ponto de vista dos estudos culturais de processos transatlânticos cumpre salientar a importante alínea m do Acordo, que estabelece a promoção do "estudo do folclore luso-brasileiro através de publicações editadas pelos dois organismos e da realização de festas populares e tradicionais comuns aos dois países". No último ítem (n), estabelece-se o fomento da comemoração das grandes datas de interesse à história dos dois povos.
O Artigo 3° do Acordo estipulava a data em que este entraria em vigor: em 31 de dezembro de 1941. Determina-se que até essa data deveriam encontrar-se completamente organizados e em normal funcionamento os serviços e atividades previstos.
Assinatura do Acordo. Da direita para a esquerda: António Ferro, Getúlio Vargas, Lourival Fontes
Pressupostos do Acordo
No decorrer dos anos 30, várias foram as iniciativas de natureza científico-cultural e de fundamentação político-ideológica que marcaram a história das relações entre Portugal e Brasil. Marco de extraordinária importância tinha sido a fundação do Instituto Luso-Brasileiro de Altos Estudos com a presença do antropólogo português Mendes Correa (veja artigo em número anterior deste órgão). A política de aproximação entre os dois países foi sempre acompanhada por uma "política de afirmação" relativa aos destinos históricos de ambas as nações. Um daqueles nomes que mais se empenharam na aproximação cultural entre Portugal e o Brasil no âmbito diplomático foi o Embaixador Martinho Nobre de Melo. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, companheiro de António Sardinha na criação e propagação de uma doutrina de filosofia política, escritor e orador, Marinho Nobre de Melo desenvolveu, no Brasil, intenso trabalho a serviço da política cultural do Estado Novo português, trabalhando durante anos para o êxito do Acordo Cultural. No dia 1 de Outubro de 1937, pronunciou, no salão da biblioteca do palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, uma conferência sobre o "Intercâmbio Cultural entre Portugal e o Brasil". Aqui, o autor de "Para Além da Revolução", salientou as relações espirituais existentes entre os dois países.
O Presidente do Conselho de Portugal, à época da comemoração de dois centenários, realizada conscientemente com o máximo aparato, marcara as diretrizes a serem seguidas relativas ao ressurgimento e reintegração de tradições políticas dos dois lados do Atlântico. Após a participação intensa do Brasil nas comemorações portuguesas, tudo indicava que o próximo passo deveria ser o da visita do Diretor do Secretariado da Propaganda Nacional portuguesa ao Brasil com a finalidade de um ajustamento das relações culturais entre os dois povos e fixação de diretrizes definidas para o trabalho futuro.
A iniciativa, no Brasil, coube ao Dr. Herbert Moses, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Essa iniciativa foi acolhida pelo Dr. Lourival Fontes, diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda, do Brasil, fazendo seu também o convite ao Diretor do Serviço de Propaganda Nacional, de Portugal, para uma visita ao Brasil. António Ferro era um nome conhecido de muitos intelectuais brasileiros, tendo vivido com muitos deles "momentos de sua maior inquietação intelectual": "E o seu nome ali se fixara como dos mais brilhantes da sua geração, figura de vanguarda que tanto havia de contribuir para a renovação dos velhos processos literários e artísticos, como êsses que foram seus companheiros no Brasil, quando então ali se ensaiavam novas directrizes, se desenhavam rumos mais arrojados que modificaram e deram características especiais ao panorama cultural dêsse grandioso país novo. A sua obra no S.P.N. também não era ali desconhecida. Antes acompanhada com grande curiosidade e interêsse. Sentia-se através dela que António Ferro continuava, numa evolução magnífica, a ser o mesmo intemerato combatente das lutas do espírito." (Gastão de Bettencourt, "A Acção do S.P.N. no Brasil", Jornal do Atlântico 1, 1942).
Durante a permanência de António Ferro, o Embaixador Nobre de Melo dedicou-se à preparação do ambiente favorável que facilitou a assinatura do Acordo. No Brasil, António Ferro recolheu declarações do Chefe do Estado, do Chanceler, de vários Ministros e, em especial, do da Educação e Saúde, Gustavo Capanama, além de vultos da cultura brasileira e da imprensa. "António Ferro poude trazer a certeza de que Portugal viverá eternamente no coração e na inteligência do Brasil e que êste país, pelas suas figuras mais representativas, não renega o Passado que é comum a Portugal."
Em várias conferências e discursos no Rio de Janeiro e em São Paulo, António Ferro salientou a curiosidade e o interesse que nos meios cultos de Portugal se manifestava a cada passo por tudo que fosse brasileiro. Tudo o que aconteceu durante a permanência de António Ferro no Brasil "se revestiu do alto sentido nacionalista e civilizado" que caracterizaria as realizações do Estado Novo Português (loc.cit.). O Diretor do SPN pode sentir como a "obra de renovação que a integração de Portugal nas suas ancestrais virtudes" e o seu novo prestígio entre as demais nações atingira também o Brasil e como este também rejubilava com o levantamento português. Pontos altos foram a exposição da obra editorial portuguesa - e através dela as realizações do Estado Novo -, e a exposição de alguns desenhos de artistas modernos portugueses. Os filmes documentários apresentados foram "dos mais eloqüentes e inequívocos" demonstrativos da "formidável revolução na paz que transformou Portugal de ponta a ponta e o pôs no caminho de novas glórias..." (loc.cit.).
Abertura da Exposição do Livro Português
A Exposição do Livro Português, um dos principais empreendimentos de António Ferro e Lourival Fontes, contou com o patrocínio, entre outros, do Chanceler Oswaldo Aranha e do Embaixador Nobre de Melo. Esta teria sido uma conseqüência mais imediata do Acordo Cultural firmado pelos dois Secretários da Propaganda.
Para o autor do texto "A Acção do S.P.N. no Brasil", Gastão de Bettencourt, o Acordo não teria apenas expressão lolítica, não seria somente escrito protocolar, com o aval dos dois governos, "mas uma afirmação segura, ajuste sério de mútua cooperação entre Portugal e Brasil e no campo em que ela deve ser mais estreita, mais efextiva, mais constante". Este seria um "acôrdo único na história das relações dos dois povos, a-pezar-da anormalidade da hora incerta e de inquietação que o mundo vive" (loc.cit.).
Antes de retornar a Portugal, em dezembro de 1941, António Ferro convidou para delegado do Secretariado da Propaganda Nacional junto ao DIP brasileiro o português Visconde de Carnaxide. Esse intelectual era tanto conhecido na colonia luso-brasileira como em meios aritocráticos de Lisboa. Entre as suas obras salientavam-se "O Brasil na Administração pombalina" e "Nota à margem da actualidade brasileira". Por seu lado, o DIP nomeou como delegado junto ao SPI o Dr. José Cesário Alvim, jornalista e advogado.
Inauguração da Seção brasileira do SPN em Lisboa
A seção brasileira do SPN foi inaugurada a 14 de abril de 1942, estando presentes o Embaixador do Brasil, Dr. Araújo Jorge, do Presidente da Junta Nacional da Educação e de vários escritores e artistas. O Embaixador Araújo Jorge estava em Lisboa desde maio de 1936 e gozava de renome como conhecedor da cultura e da geografia de Portugal, assim como escritor de várias obras, entre elas "Problemas de filosofia biológica", "História diplomática do Brasil", "Ensaios de História e de crítica", "História diplomática do Brasil francês" e "História diplomática do Brasil holandês".
A seção foi entregue a funcionários do SPN que tinham acompanhado o Diretor do SPN ao Brasil. A solenidade foi divulgada pela Emissora NAcional para todo o mundo de língua portuguesa. António Ferro salientou o sentido do intercâmbio cultural luso-brasileiro e a sua perpetuidade:
"Pode cessar, por exemplo, tôda a navegação atlântica, mas nem por isso deixaremos de nos entender telepaticamente... desce que o Atlântico não cesse. É preciso distinguir por outro lado, na paisagem da guerra, entre o definitivo e o acidental, entre o essencial e o acessório. Para além de certas posições reflexas, sinceras mas possivelmente transitórias, continuam a paz, a calma, o amor, como para além das nuvens, dos trovões, dos relâmpagos, se podem encontrar a limpidez e o silêncio." (loc.cit.)
(Os trabalhos terão prosseguimento)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).