Doc. N° 2265
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
110 - 2007/6
Resenha
Tarasantchi, Ruth Sprung. Pintores Paisagistas: São Paulo 1890 a 1920. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado, 2002. ISBN 85-314-0598-X (Edusp). 392 págs. Formato 29 x 29 cm.
A.A.Bispo
A obra compreende os seguintes ítens: Apresentação; São Paulo; Pintores na Virada do Século; A Luz como Personagem; Documentaristas; Novos Italianos em São Paulo; Mais Pintores; Bibliografia e Índice Remissivo.
Esta publicação, de excelente apresentação visual (concepção, criação e coordenação gráfica de Marcelo Mario Design; produção de Silvana Biral), é aberta com uma apresentação de Maria Cecília França Lourenço. Trata-se de uma versão revista da tese de doutorado defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em 1986.
A apresentadora inicia as suas considerações salientando que o estudo de Ruth Sprung Tarasantchi desvela questões históricas, éticas e estéticas significativas para a realidade brasileira. A atualidade da questão tratada residiria sobretudo no fato de que que diz respeito à ausência, na história, de nomes, localidades e tendências consideradas na obra. A autora, tratando de um tema ao qual se dedica desde 1972, oferece dados e questionamentos originais. Evita qualificações e categorizações próprias de termos como academismo, romantismo ou realismo. A pintura da paisagem, como outros gêneros, valer-se-ia certamente do conhecimento acumulado, mas procuraria traduzir, em muitos casos, nuances tropicais, encontrando-se identificada ao contexto cultural.
Outra particularidade da obra residiria no fato de que a autora dominaria, através do contato direto, o repertório de obras similares dentro e fora do país. Estabeleceria um diálogo entre o desenvolvimento respectivo no Brasil e correspondentes correntes holandesas, inglesas, alemãs e francesas. A busca da especificidade demandaria "a competência de se colocar em diálogo direto as obras, de modo a estabelecer nexos" (pág. 16).
Sob o título de "Análises Singulares", a apresentadora salienta que a obra, dedicada ao ambiente artístico de São Paulo, aguçaria a visão para outras focalizações da história da arte, demasiadamente fixadas no Rio de Janeiro ou, na atualidade, nos grandes centros internacionais. Assim, a apresentadora insere Ruth Sprung Tarasantchi no rol dos grandes historiadores de São Paulo, entre êles Afonso d'Escragnole Taunay, Afonso Freitas, Antônio Barreto do Amaral, Antônio Egídio Martins, Antônio de Toledo Piza e Almeida, Aureliano Leite, Ernani da Silva Bruno e Pedro Taques de Almeida Pais Leme.
Na consideração da história artística paulista, a autora levantaria questões de especial significado relativas à contribuição dos imigrantes, da ação do meio provinciano nas soluções visuais, da formação do artista, do desenvolvimento da crítica, dos "conflitos culturais entre os que chegam, os que saem e os que permanecem sem poder se aprimorar fora de São Paulo". (pág. 17)
Sob "História Oitocentista", a apresentadora salienta a dimensão simbólica no estudo da paisagem em São Paulo, ultrapassando a perspectiva temporal. A autora analisaria com precisão e de forma crítica os documentos. Ampliaria o entendimento do período, contribuindo de forma singular por dedicar-se aos paisagistas e a São Paulo. Situar-se-ia no rol dos estudiosos das artes, tais como "os pioneiros Gonzaga Duque; Félix Ferreira, Laudelino Freire, Francisco Acquarone, Carlos Rubens e Angione Costa; os modernistas Mário de Andrade, Sérgio Milliet e Luís Martins; o estudo sobre o ensino e a academia de Adolfo M. los Fios Fo. e Francisco M. Santos; as clássicas contribuições do saudoso Donato Melo Jr., de Mário Barata, Quirino Campofiorito, Flávio Motta, Gilda de M. e Souza, exposições e estudos de Aracy Amaral, dicionário e livros de José R. T. Leite e pesquisas de Carlos R. M. Levy". (pág. 18)
A obra superaria uma situação injusta a que foram relegadas as expressões artístico-culturais da assim-chamada arte acadêmica a partir do Moderno do século XX: "tomar todo o século XIX como destituído de expressão própria não seria incapacidade em matizar as diferenças? " (pág. 20)
A mudança das perspectivas na avaliação dos acadêmicos poderia ser constatada na construção do Museu d'Orsay em Paris (1986), quando foram retirados da reserva técnica muitos dos assim-chamados acadêmicos e colocados no andar nobre do edifício, enquanto os impressionistas foram deslocados para andar menos central. (pág. 20)
Na sua própria introdução, Ruth Sprung Tarasantchi exprime já de início o intuito de se fazer justiça histórica a pintores relegados ao esquecimento. Citando Alexa Celebonovic, salienta a necessidade do estudo desses artistas para a recuperação de uma imagem completa do desenvolvimento da história da cultura brasileira. O interesse exclusivo pelo Modernismo dos historiadores da arte seria um dos fatores que teriam ofuscado artistas e obras. Os museus brasileiros somente mostrariam algumas das obras que guardam. O Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, poucas obras apresentaria de outras regiões do Brasil. A Pinacoteca do Estado de São Paulo mostraria artistas brasileiros de maior renome; entretanto, poucos paisagistas do começo do século estariam ali representados. Haveria, assim, grandes dificuldades para o estudo do paisagismo paulista do século XIX e início do século XX. Seria necessário freqüentar leilões e ter acesso a coleções particulares. Para obter um panorama da vida cultural de São Paulo da época, a autora realizou consultas de revistas (A Gazeta Artística, Vida Moderna, A Cigarra, A Garoa, Ilustração Brasileira, Revista do Brasil, Paulistânia) e jornais, entre êles O Estado de São Paulo, Diário Popular, A Gazeta, Correio Paulistano, Diário de São Paulo, Folha de São Paulo, Folha da Manhã, Jornal de São Paulo, O Comércio de São Paulo, Diário da Noite, Jornal do Brasil, O Paiz e A Tribuna de Santos. Realizou entrevistas com familiares de artistas. Catálogos de salões e de leilões constituiram importantes fontes de informações.
No primeiro capítulo, a autora considera o ambiente artístico de São Paulo, da passagem do século até 1930. Entre as exposições realizadas nesse período, salienta a primeira e a segunda Exposição de Arte Brasileira, em 1911 e 1912, a Exposição Espanhola, em 1911, a Exposição Francesa, em 1913 e a Exposição Geral de Belas-Artes no Palácio da Indústria, em 1922.
No ítem dedicado ao tema "A Luz como personagem", Ruth Sprung Tarasantchi considera os seguintes artistas: Paulo do Valle Jr., Diógenes Campos Ayres, José Marques Campão, Dario Villares Barbosa e Mário Villares Barbosa, Alípio Dutra, Torquato Bassi, João Dutra, Paulo Vergueiro Lopes de Leão, Giuseppe Pasquale Perissinotto, Túlio Mugnaini, Clodomiro Amazonas, José Monteiro França, Georgina de Albuquerque e Helena Pereira da Silva Ohashi.
Sob o título "Documentaristas", analise a obra de José Wasth Rodrigues e Augusto Esteves.
Em "Novos Italianos em São Paulo", a autora trata de um grande número de artistas, em parte praticamente esquecidos, fazendo desta parte do seu estudo uma contribuição de extraordinária relevância para os estudos da imigração e para os estudos histórico-culturais de contextos euro-brasileiros. Destaca os seguintes pintores: Giuseppe Amisani, Cesar Colasuonno, Nicola de Corsi, Nicola Fabicatore, Adolfo Fonzari, Enrico Vio, Antonio Rocco, César Alexandre Formenti, Aladino Divani, Angelo Simeone, Felisberto Ranzini, Manlio Nello Benedetti, Henrique Manzo, Umberto Della Latta, Bigio Gerardenghi, Angelo Cantù, João Menotti Della Latta, Pietro Strina e Claudio Rossi.
Sob o ítem "Mais Pintores", considera, entre outros, Nicota Bayeux Benain, Elisabeth Eleonora Krug Malfatti, Aurélio Zimmermann, Beatriz Pompeu Camargo, Agustin Salinas y Taruel, Trajano Vaz, Augusto Luiz de Freitas, Bernardino Sousa Pereira, Maria Luísa Pompeu Camargo e Jonas de Barros.
A cada texto seguem-se cronologia e biografia do respectivo artista considerado.
Menção especial deve ser feita ao ítem "Os pintores paulistas na Europa e o Nacionalismo" (págs 83-93). Os pintores do tempo do Império, como Almeida Jr., Oscar Pereira da Silva e Pedro Alexandrino teriam ido para a Europa após realizarem estudos na Academia Imperial de Belas-Artes. A geração seguinte teriam ido para a Europa após estudos realizados em São Paulo. Em geral estudavam na Academia Julian, de Paris, entre outros com Jules Lefebvre, Marcel Fleury e Henri Royer. Alguns artistas permaneceram unidos à natureza européia, outros procuraram adaptar o que aprenderam à paisagem brasileira, com a intenção de interpretar a natureza do Brasil ou por sentimento nacional.
Entre os primitivos, salienta Joaquim Dutra e Benedito Calixto em algumas de suas obras. Sob o ítem "Revigorações na volta dos artistas", a autora trata dos impulsos transmitidos ao ambiente artístico local com o retorno de artistas da Europa em conseqüência da eclosão da Primeira Guerra Mundial. A essa geração pertenciam também os filhos de imigrantes italianos que tinham ido estudar pintura na Itália. Apesar da influência italiana, perceptível inclusive em obras de brasileiros, teria sido a escola francesa que, com elementos do impressionismo, teria deixado maiores marcas na obra dessa geração. (pág. 86). Sob o ítem "A influência da Fotografia na Pintura da Paisagem", a autora salienta que os pintores brasileiros que se utilizaram da fotografia o teriam feito quase que às escondidas. Aproveitaram-se também de cartões-postais, o que explicaria o fato de que se pode encontrar a mesma paisagem representada por diferentes artistas.
O significado da obra de Ruth Sprung Tarasantchi vai muito além da sua relevância para a História da Arte no Brasil. O seu mérito não se resume àquele da revelação de obras e nomes esquecidos do passado artístico de São Paulo. A publicação não impressiona apenas pelas suas extraordinárias qualidades visuais e pelo alto intuito ético da autora em reconhecer o merecimento de artistas injustamente relegados ao esquecimento. O excepcional interesse que desperta o trabalho de Ruth Sprung Tarasantchi apenas poder ser entendido a partir de perspectivas que se abrem no âmbito dos estudos culturais da atualidade, em particular daqueles relacionados com processos culturais euro-brasileiros. Por mais necessárias e significativas que sejam as cuidadosas análises da autora no sentido de apreciar diferenciadamente as obras dos diferentes artistas e compará-las entre si e com a produção européia correspondente, o exame de características relativas à condução de pinceladas, a empastamentos, à escolha de cores, à reprodução ou não de detalhes, à captação de luz e a outras de cunho técnico e estilístico não parece representar o caminho metodológico mais promissor para a avaliação dessa esfera da produção artística do passado brasileiro. É a atenção que a autora dedica à contribuição artístico-cultural de imigrantes e seus descendentes, às suas interações com artistas brasileiros que estudaram na Europa, à diferença na orientação relativamente à consideração da natureza e da cultura do país na obra de imigrantes e de brasileiros de formação européia o que justifica a relevância desse trabalho como exemplo de uma História da Arte de orientação culturológica.
A autora oferece com o seu trabalho subsídios de fundamental interesse para as mais diversas áreas da pesquisa cultural, para o estudo das mentalidades, da imigração e colonização, para análises de transformação de identidades e de processos culturais transatlânticos. Sob esse aspecto, o trabalho de Ruth Sprung Tarasantchi abre caminhos que não são em absoluto academicistas no sentido negativo da expressão.