Doc. N° 2264
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
110 - 2007/6
Tópicos multilaterais Portugal-Brasil
Mare nostrum - lago nosso Política do Atlântico dos anos trinta e o seu edifício teórico-cultural Reflexões pela passagem dos 65 anos de lançamento de Atlântico: Revista Luso-Brasileira e do Jornal do Atlântico
Trabalhos da A.B.E.Estudos paralelos ao Seminário "Pesquisa da Cultura e Política", 2007
A.A.Bispo
Um dos programas de estudos da A.B.E. diz respeito à análise de processos culturais no âmbito de relações transatlânticas. Esses estudos procuram focalizar a questão transatlântica sob as novas perspectivas abertas pela União Européia e em estreita relação com a consideração de desenvolvimentos interamericanos.
Parte-se da constatação que a nova situação européia impõe uma renovação dos estudos transatlânticos a partir de outras premissas do que aquelas que fundamentaram e fundamentam estudos bilaterais. Estes foram e são em geral desenvolvidos a partir de contextos determinados pelos vínculos históricos das antigas metrópoles com as suas ex-colonias.
Sob essa focalização, que a A.B.E. vem empreendendo e divulgando de forma pioneira, os estudos bilaterais e as ações respectivas do passado transformam-se êles próprios em objetos de estudos histórico-culturais, ou melhor político-histórico-culturais, uma vez que se inseriram em configurações e em edifícios de pensamento de cunho político.
Esses estudos são necessários para o aguçamento da sensibilidade com relação a aspectos histórico-políticos de instituições que se dedicam à pesquisa, difusão e intercâmbio cultural surgidas no âmbito de iniciativas bilaterais e, conseqüentemente, para o estudo crítico de rêdes de trabalho científico e de correntes de pensamento que influenciam até hoje várias áreas disciplinares.
Com base em estudos preparatórios sobre as relações culturais entre Portugal e o Brasil na década de trinta, com particular consideração das circunstâncias político-culturais da fundação do Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura (Veja relatos no número anterior desta revista), a A.B.E. desenvolveu uma série de estudos dedicados à "Política do Atlântico" do regime salazarista e suas dimensões culturais. Também aqui o objetivo foi o de examinar os princípios do pensamento e os edifícios conceituais da época para a fundamentação mais refletida dos pontos-de-vista e dos procedimentos da atualidade.
Atlântico. Revista Luso-Brasileira. "Uma raça, duas nações, um mundo"
Em plena Segunda Guerra Mundial, na primavera de 1942, surgia o primeiro número de Atlântico: Revista Luso-Brasilera, edição do Secretariado da Propaganda Nacional de Lisboa e do Departamento de Imprensa e Propaganda do Rio de Janeiro. O órgão era dirigido por António Ferro, pelo lado português, e por Lourival Fontes, pelo lado brasileiro. O secretário da redação foi José Osório de Oliveira e a direção artística ficou a cargo de Manuel Lapa. A redação e a administração localizava-se na Seção Brasileira do Serviço de Propaganda Nacional, em Lisboa.
O ideário - a ideologia - do Atlântico estava expressa na sua própria denominação, como expôs António Ferro nas suas palavras de abertura. O pensador português salientou que a escolha do termo justificava-se pela necessidade de uma palavra que fosse suficientemente elástica, ondulante, para sintetizar o vago e o concreto das aspirações, o sonho e a realidade do ideal. à palavra brasilidade unira-se a palavra lusitanidade, obtendo-se a somatória: Atlântico.
A certeza e a poesia não seriam contraditórias. O Atlântico, o "Lago Lusitano" na expressão de Oswaldo Aranha, seria a pátria comum, o traço de união. O Brasil e Portugal seriam duas nações independentes, é verdade, mas existiria também "sonoro búzio onde se repercute a voz da raça, o mare nostrum, o Atlântico, pátria maior, pátria infinita..."
O objetivo e o programa do Atlântico seriam revelar o "Novo Portugal" aos brasileiros e o "Novo Brasil" aos portugueses. O "comércio de antiguidades" deveria ser superado. O Brasil não deveria conhecer de Portugal apenas o seu passado mas o seu presente e o seu futuro. Se Portugal desejava que o Brasil não o esquecesse e nem fosse infiel à sua tradição e cultura, esperava também que demonstrasse não se ter fossilizado. Se o Brasil quisesse interessar a Portugal, não deveria limitar-se a exportar os seus escritores portugueses, mas também os escritores e artistas "tipicamente brasileiros" que falassem também a língua de Portugal e não deixassem de ser tocados pela nostalgia da "velha casa paterna".
Para que o Brasil e Portugal se conhecessem, para que se respeitassem, não deveriam ter a preocupação de se mostrarem iguais, mas sim diferentes. "Porque só essa diferença de planos no mesmo pano de fundo (sentimentos iguais mas estilo e ritmo próprios)" poderia igualar e engrandecer " na harmonia dos constrastes que se fundem, na afirmação magnífica, sem lisonjas nem subserviências" da idêntica força criadora. "Uma raça, duas nações, um mundo" seria a legenda.
"Unidade Espiritual"
Embora a publicação fosse aberta com palavras de António Ferro, impressas em tipos maiores, a elas se seguia o verdadeiro artigo-base do órgão, de autoria de Lourival Fontes. Este texto foi dedicado ao tema "Unidade Espiritual".
O autor iniciou o seu texto afirmando que não seria exato falar de uma renovação de laços de compreensão e solidariedade entre o Brasil e Portugal uma vez que esses laços nunca haviam sido interrompidos. Por isso mesmo, dizia-se que o Brasil se compunha de três elementos: brasileiros, portugueses e estrangeiros (sic!). Para Lourival Fontes, essa frase seria verdadeira (!). A colonia portuguesa no Brasil confundir-se-ia nos sentimentos e teria ideais análogos aos dos brasileiros. Portugal poderia dispensar a propaganda no Brasil, e o convênio entre as duas nações corresponderia apenas a uma coordenação de aspirações. O autor lembrou das palavras de Getúlio Vargas na inauguração do Instituto de Alta Cultura, em 1934:
"Não nos prende, neste momento, nenhum elo de subordinação ou de vassalagem, quer de ordem econômica, quer de ordem intelectual, quer de ordem política ou de qualquer outra espécie. É, apenas, a aproximação espontânea, pelo vínculo da fraternidade que nos uniu no passado e que projeta as duas nações para o futuro, entrelaçadas no ideal de um progresso comum."
No momento, os interesses espirituais luso-brasileiros entrariam num período de iniciativas imediatas e claras. A despeito de todas as vantagens haveria a necessidade de um melhor conhecimento mútuo. Desse conhecimento resultaria a defesa dum patrimônio espiritual, que não seria português, nem brasileiro, porém comum. Em período de guerra, os esforços dessa natureza teriam ainda maior significado.
Jornal do Atlântico
Concomitantemente ao primeiro número do Atlântico, lançou-se o primeiro número do Jornal do Atlântico, um órgão destinado a homenagear as grandes figuras da amizade luso-brasileira. Esse jornal abria com palavras de Getúlio Vargas e de Salazar. De Getúlio Vargas, citava-se frase pronunciada na sessão de fundação do Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura : "Não compreendo que se possa ser Chefe da Nação brasileira sem ser grande amigo de Portugal..." e reproduzido com leve alteração em retrato assinado a 18 de fevereiro de 1942 pelo próprio presidente: "Ninguém poderá ser bom Presidente do Brasil se não for amigo dos portugueses". De Salazar, citou-se a frase : "Queremos que o encontro dos nossos povos seja tão efectivo e intenso como nunca foi". Do General Carmona, publicou-se foto assinada com os dizeres "O Brazil, mais do que amizade, merece a ternura que dedicamos aos entes mais queridos".
A primeira matéria do jornal foi dedicada à Amizade Luso-Brasileira. Afirma-se, de início, que a política de boa amizade entre Portugal e o Brasil, dentro da expressão do Mundo Atlântico criada e mantida pelos portugueses, teria entrado desde há alguns anos em fase de grandes atividades no sentido de revelar Portugal ao Brasil e o Brasil a Portugal. Durante vários decênios, portugueses e brasileiros teriam vivido afastados. Movimentos isolados e esporádicos teriam procurado, é verdade, revelar a existência de dois mundos iguais, partes de um mesmo todo. Todos os esforços desses paladinos, porém, teriam sido continuamente neutralizados sobretudo pela falta de uma continuidade político-governativa e suas conseqüências, "amolecendo" todos os entusiasmos. Esse período de "amolecimento" das vontades, agora, estaria superado. Os altos poderes do Estado dos dos países tinham chamado a si a suprema orientação da política do Mundo Atlântico. Com um novo programa, em "terreno firme, entre verdas abertas à força de golpes seguros", podia-se desenvolver a amizade luso-brasileira.
Real Gabinete Português de Leitura e Albino de Souza Cruz
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro é salientado, no Jornal do Atlântico, como a instituição de mais elevado padrão da cultura lusitana no Brasil. Fundado na primeira metade do século XIX, tendo comemorado o seu centésimo quinto aniversário em 14 de maio de 1942, teria desenvolvido através das décadas intensa obra de cultivo da espiritualidade lusa. Poucos em Portugal, porém, conheceriam o esforço da colonia portuguesa no Brasil em realizar uma obra que afirmava, na concorrência com o trabalho dinâmico dos imigrantes de outras nacionalidades, a "supremacia da raça lusa". Empenhava-se em não deixar que se subvertesse com a standartização da nova mentalidade brasileira, em contato com a influência de gentes chegadas de todos os quadrantes a civilização latina semeada por Portugal.
Albino de Sousa Cruz, procedente da freguesia de Palmira, no concelho de Santo Tirso, surge no Jornal Atlântico como sendo a mais representativa de todas as personalidades portuguesas no Brasil. O seu nome se encontrava em todas as iniciativas luso-brasileiras. Transformara-se em grande industrial, pioneiro e orientador da indústria de tabacos no Brasil.
Do ponto de vista cultural, o Jornal do Atlântico salientou a obra "História da Colonização Portuguesa", desenvolvida sob a orientação de Malheiro Dias. Como organizador, mencionou-se sobretudo a sua atuação pera o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Graças às suas atividades, o Gabinete teria sido visitado nos últimos anos por alguns dos maiores vultos das ciências e da cultura de Portugal.
Instituto de Estudos Brasileiros de Coimbra
Albino de Souza Cruz Uma particular menção foi dada às atividades do Instituto de Estudos Brasileiros, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. essas atividades foram salientadas como indispensáveis à intensificação da Política do Atlântico. A instituição era dirigida pelo Prof. Dr. Rebêlo Gonçalves e tinha contado desde o seu início com o patrocínio do Prof. Dr. Providência e Costa, diretor da Faculdade. A Biblioteca Brasileira, já então em funcionamento no instituto, a publicação da revista "Brasília , e a série de conferências de iniciativa de Rebêlo Gonçalves teriam sido importantes passos no sentido do intercâmbio cultural entre os dois países.
Das conferências organizadas pelo instituto, o Jornal do Atlântico mencionou aquelas do Prof.Dr. João Porto, do Prof. Dr. Rocha Brito e do escritor e crítico José Osório de Oliveira. Este tratoudo tema "Moderna poesia do Brasil". Para o início de junho de 1942, planejou-se uma conferência de Gastão de Bettencourt sobre "O Homem primitivo do Brasil e o sentido eterno do ritmo". A seguir, também em junho, marcou-se uma conferência de António Ferro, repetindo, em Portugal, as idéias que apresentara no Brasil em oração de título: "Portugal-Brasil: Estados unidos da saudade".
As discussões tiveram e terão prosseguimento.
Antonio Alexandre Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).