Doc. N° 2278
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
111 - 2008/1
Estudos euro-indo-latinoamericanos e a pesquisa do Barroco Do universo barroco do Sul da Alemanha ao Paraguai e ao Império Mogul
Reflexões em Agra e na região de Augsburg, Alemanha. Trabalhos da A.B.E. 2007/08
A.A.Bispo
Agra. Trabalhos da A.B.E. 2007/2008. Fotos A.A.Bispo Não só igrejas barrocas da Antiga Índia Portuguesa
Os estudos histórico-culturais dedicados a contextos euro-indo-brasileiros relacionam-se de modo especial com a pesquisa do Barroco. Até os anos oitenta, tal afirmação seria compreendida sobretudo no sentido de uma constatação do significado do Barroco em igrejas de Goa e de outras antigas possessões portuguesas na Índia e de sua comparação com o Barroco na Europa e no Brasil.
Enfoque processual
Em publicações e eventos da A.B.E. tem-se procurado já há anos colocar a questão sob uma outra perspectiva, salientando-se o processo global posto em vigência pela ação missionária desde as primeiras décadas do século XVI em várias partes do mundo. A partir das exigências práticas que determinaram a metodologia da conversão e em contínua reflexão e revisão de concepções, a atividade missionária lançou as bases de um desenvolvimento processual que levou às expressões que se convencionou denominar de barrocas.
Não se trata, assim, de estudar o Barroco como uma expressão européia transplantada tanto ao Brasil como à antiga Índia Portuguesa mas sim de considerar essas expressões como resultados de um processo amplo de caminhos de cristianização seguidos em contextos globais, de experiências recíprocas e codeterminadoras de orientação de ordens missionárias sediadas na Europa.
Essa mudança de perspectiva trouxe e traz consideráveis conseqüências para os estudos culturais e histórico-artísticos. Para a pesquisa do Barroco na sua processualidade torna-se imprescindível a consideração do trabalho missionário no Ocidente e no Oriente, ou seja, em particular dos elos indo-brasileiros.
Seriam esses contextos globais indo-brasileiros que permitiriam então o estudo adequado do Barroco na própria Europa. Os estudos histórico-culturais das relações Índia-Brasil teriam, assim, uma relevância extraordinária.
Impulsos missionários de exterior e de interior
Se, porém, o estudo do processo colocado em ação pelos missionários no Brasil e na Índia pertencem sobretudo à história missionária de povos não-cristãos, o processo de conversão correspondente a ser considerado na Europa refere-se sobretudo ao fortalecimento da catolicidade, à prevenção e à re-conversão, ou seja, à recatolização de regiões reformadas.
Essa diversidade fundamental de situações e, ao mesmo tempo, a similaridade dos objetivos - a catolização - devem ser consideradas de forma mais diferenciada e nos seus vínculos recíprocos. A consideração do Barroco no contexto da Contra-Reforma passa, assim, a exigir mais cuidados diferenciadores e atenção a seus pressupostos da história missionária.
Contrareforma e processos interculturais
Um momento importante na dinâmica do processo desencadeado pelo ímpeto missionário externo - e posteriormente atuante na missão interna européia - seria o do retorno ao Exterior de expressões desenvolvidas no contexto intereuropeu.
Em estudos e debates da A.B.E. desenvolvidos nos últimos anos procurou-se salientar a transferência de concepções e de expressões artísticas e culturais de regiões da Europa Central recatolizadas à América Latina (relatos de alguns desses trabalhos podem ser consultados em números anteriores deste órgão).
Sobretudo a influência histórico-musical de regiões submetidas à Companhia de Jesus no mundo germânico do Tirol, da Áustria e do Sul da Alemanha na prática musical em missões dos jesuítas da América do Sul foi objeto de particular consideração em cursos e seminários.
A dinâmica por assim dizer auto-poética desse processo pode ser considerada com relação a determinadas fases do seu desenvolvimento. Assim, constatar-se-ia um retorno à Europa de impulsos despertados pelos sucessos obtidos em regiões de missão. O significado dessas relações recíprocas e de múltiplas frutificações para a história cultural - em particular para a história da música em contextos globais - não pode ser suficientemente salientado.
Tem-se levantado e analisado as fontes históricas que permitem o estudo bastante pormenorizado da ida de missionários de regiões católicas e recatolizadas da Europa Central de língua alemã para a América do Sul e a respectiva transferência de práticas devocionais, de instrumentos musicais e de expressões artísticas. Por sua vez, as adaptações, as transformações ocorridas e os seus desenvolvimentos posteriores são objeto de estudos da história cultural de orientação antropológica e de outras disciplinas.
Pouco se tem considerado, porém, as relações desses contextos euro-sulamericanos com a história das relações entre a Europa e a Índia da mesma época. Também aqui houve a ida de missionários da Europa Central de língua alemã, religiosos preparados para a prática da missão e que levaram consigo os pressupostos culturais adquiridos no ambiente católico-barroco da Baviera e de regiões circunvizinhas.
Região de Augsburg - Índia
Se para a América do Sul o grande nome dessa história de relações interculturais é o do Pe. Antonio Sepp S.J. (1655-1733), tantas vezes considerados em trabalhos da A.B.E., para a Índia é o do jesuíta Heinrich Roth (Dillingen 1620 - Agra 1668).
Dillingen, nas proximidades do Danúbio, é uma cidade situada na Suábia bávara. Famosa pelo arquivo dos Fugger e pela sua faculdade teológico-filosófica, a sua história remonta a um burgo do conde de Dillingen, documentado já em 973. A partir de 1257, passou à esfera religiosa de Augsburg, tendo permanecida marcada por esse vínculo através dos séculos. No castelo local, desde o século XV, residiam os bispos de Augsburg.
Uma das mais influentes personalidades na história cultural da cidade foi o bispo Otto Truchseß de Waldburg, (1514-1573), cardeal a partir de 1544, eminente promotor da restauração da unidade religiosa na Europa. Realizou, em Dillingen, em 1543, 1548 e 1567 os primeiros sínodos em terra alemã após o Concílio Tridentino. Em 1549, fundou um Collegium litterarum, posteriormente transformado em universidade, desde 1563 sob a responsabilidade da Sociedade de Jesus. A fundação de uma impressora para a publicação de obras literárias e científicas deveria auxiliar a tarefa propagadora de manutenção e recuperação da unidade religiosa. Dillingen tornou-se, assim, umc centro da Contra-Reforma na Europa (hoje abriga uma Academia de Especialização de Professores). Sob a influência jesuíta, a cidade floresceu, e os seus muitos monumentos são testemunhos desse período de apogeu na formação de teólogos e missionários: a igreja da Companhia (1610-1617), a igreja paroquial (1619-28), o edifício da Universidade (1688/9), o Colégio dos Jesuítas com a igreja conventual (1736-1738). A arquitetura externa e sobretudo a do interior das igrejas, como a da nave da igreja paroquial de São Pedro, com afrescos de Josef Wolker e estuques de Joseph Eistle (1735), a da igreja de estudos, com obras de estucadores da escola de Wessobrunn e a sala dourada da Universidade (1761-64) comprova o apogeu do Barroco nesse período de consolidação do movimento recatolizador.
Foi nessa esfera religioso-cultural barroca da região de Augsburg que tanto A. Sepp como H. Roth obtiveram formação religiosa e cultural.
Imagens de Augsburg. Trabalhos da A.B.E. 2007. Fotos A.A.B. Heinrich Roth e conseqüências da missão mogul
Imagens de Augsburg. Trabalhos da A.B.E. 2007. Fotos A.A.B.
Heinrich Roth entrou na Companhia de Jesus com apenas 19 anos, em 1639. Ao contrário do caminho seguido pelos missionários que vinham de Portugal, chegou à Índia por via terrestre, em 1651, com o objetivo de se dedicar à missão. Em 1653, deu início à missão mogul. Para tal, adquiriu grandes conhecimentos de línguas, entre elas do urdu e do persa, tornando-se o primeiro alemão a dominar o sânscrito. Chegou a escrever uma gramática dessa língua e é considerado como o primeiro erudito do sânscrito na Europa.
Assim como os acontecimentos nas missões do Paraguai tornaram-se conhecidos na Europa através de cartas e textos de A. Sepp, a importância da ação de Roth deve ser vista sobretudo na transmissão de conhecimentos da Índia à Europa em época do apogeu de erudição enciclopédica da Sociedade de Jesus.
Em 1664, acompanhando J. Grueber a Roma, transmitiu os seus conhecimentos de sânscrito e do Hinduísmo ao grande erudito jesuíta Athanasius Kircher (1601-1680), famoso autor da Musurgia (1650), que os aproveitou na sua obra China monumentis illustrata (1667). Em 1665, retornou à India. Nesse ano publicou-se, em Aschaffenburg, um livro sobre o reino mogul baseado nas suas informações (Th. Ray, Relatio rerum notabilium Regni Mogur). Essa se transformaria numa obra histórica de difusão de conhecimentos relativos ao império indo-islâmico no Ocidente.
Os trabalhos deverão ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).