Doc. N° 2288
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
111 - 2008/1
Ciência da Luz. Cosmologia e Astrologia no diálogo intercultural
Jantar Mantar, Jaipur. Trabalhos da A.B.E. 2007
A.A.Bispo
Jantar Mantar. Observatório de Jaipur. Jornadas de estudos da A.B.E., março de 2007 Uma das questões que causam um certo mal-estar na discussão teórico-cultural da atualidade diz respeito à Astrologia. Já a menção desse conceito pode por em perigo a respeitabilidade e a autoridade de trabalhos, de estudiosos e de edifícios de argumentação.
Ao mesmo tempo, porém, desde a grande difusão que a Astrologia vem experimentando a partir da década de 60, pode-se partir do pressuposto que a grande maioria dos participantes dos próprios eventos, áreas de estudos e rêdes acadêmicas que evitam até mesmo a menção do termo encontra-se familiarizada com conceitos e categorias de pensamento da tradição astrológica. Não havendo porém lugar para estudos específicos no sistema acadêmico e no edifício das ciências, esses conhecimentos se baseiam necessariamente em literatura de cunho popular.
O mal-estar acima citado explica-se, assim, em parte pela incongruência de discursos, de tradições de pensamento e pelas reticências de intelectuais em revelar interesse pessoal por uma área de conhecimentos marginalizada e que traz a mácula de não-cientificidade.
Essa situação, porém, parece ser determinada por mal-entendidos resultantes do tipo de literatura utilizada, de cunho prático, produto da não institucionalização acadêmica da pesquisa.
Assim como a interferência de convicções político-ideológicas e religiosas deveria ser evitada no debate científico, o mesmo diz respeito à aceitação ou não da validade dos mecanismos e das caracterizações astrológicas. A entrada do assunto em debates científicos leva sempre à menção da comprovação ou não por meio de estatísticas de caracterizações e previsões, ou seja, à questão da cientificidade segundo critérios e métodos reconhecidos nas ciências naturais. A questão, porém, não é se os estudiosos pessoalmente aceitem ou não caracterizações ou previsões astrológicas. Assim como a intervenção no trabalho científico de ideologias políticas e de credos religiosos não é aceita, mas sim o estudo politológico e o da ciência das religiões, o mesmo poderia ser dito com relação a uma ainda praticamente inexistente pesquisa científica de cunho histórico-cultural e sociológico da Astrologia.
Para os estudos interculturais, essa consideração culturológica da Astrologia faz-se necessária. Tem-se aqui um edifício de conceitos e práticas de antiquíssimas origens que atravessou os séculos e as mais diversas regiões e culturas. Questões de continuidade e descontinuidade desse sistema de concepções, de suas influências no pensamento religioso, filosófico e científico das diversas épocas e países, das adaptações que sofreu nos diferentes contextos, das próprias razões de sua perseguição através dos séculos são de significante importância para estudos de processos culturais e de transmissão de saber.
Esse sistema de concepções, que se relaciona com a própria ordenação simbólica da cultura e das culturas, foi transmitido não apenas de forma consciente para os países colonizados e cristianizados pelos europeus. Muito mais do que de forma explícita e refletida permaneceram intrinsecamente vigentes em expressões culturais. Estudos que procuram analisar processos culturais segundo perspectivas históricas e sistemáticas no seu relacionamento mútuo não podem deixar de considerar esse sistema de concepções.
Astrologia na Índia e o diálogo intercultural
A gradativa consideração científico-cultural desse edifício de concepções parece encontrar-se em estado mais avançado de institucionalização no Brasil do que na Europa. A existência de algumas instituições de estudos superiores que se dedicam a áreas inconvencionais de conhecimentos fazem-no supor. Em alguns outros países não-europeus, porém, a Astrologia assume tal significado na vida cultural e até mesmo no contexto universitário que o desenvolvimento desses estudos no Ocidente se transforma numa exigência para o diálogo intercultural.
Este é o caso da Índia, onde a Astrologia não apenas está presente na cultura religiosa e na prática quotidiana mas sim até mesmo na esfera político-administrativa, estando representada como matéria de estudos em dezenas de universidades. O diálogo científico intercultural apenas poderá se processar adequadamente se também os estudiosos do Ocidente disporem de pressupostos necessários para a troca de idéias, e estes apenas podem ser adquiridos a partir de estudos histórico-culturais sistematicamente dirigidos.
Entretanto, tudo indica que aqui o diálogo intercultural será muito mais proveitoso para o próprio Ocidente do que para a Índia. Parece ser o Ocidente aquele que mais necessita de uma cooperação com os indianos e um maior conhecimento de sua cultura e tradições de pensamento. Já no Rig Veda encontram-se referências a concepções astrológicas (Jyotisch). Essas referências inseriam-se numa "Ciência da Luz". Esta, por sua vez, deve ser considerada na história cultural da Sabedoria (Veda), documentada nos antigos escritos do Hinduismo.
Não apenas a consideração dessas concepções e de suas relações com o Ocidente da Antiguidade determinam as preocupações dos estudos específicos. Para o Brasil, esses estudos, ainda que fundamentais, dizem respeito antes a uma arqueologia da cultura e do saber, ou melhor, ao estudo de fundamentos de um edifício cultural recebido pelo contato com os europeus. Desenvolvimentos interculturais mais recentes, porém, de séculos posteriores ao Descobrimento, adquirem um significado distinto, possibilitando comparações e o descobrimento de paralelismos e vínculos inesperados.
Observatório de Jaipur
A importância da Astrologia no rol das ciências matemático-astronômicas da Índia e o significado a ela emprestado pelos seus dirigentes se manifestam da forma mais impressionante no Observatório de Jaipur, o Jantar Mantar, construído entre 1728 e 1734. Esse observatório insere-se numa série de construções similares: em 1724 havia sido construído um Observatório em Delhi, seguindo-se os de Varanasi, Ujjain e Mathura.
Trata-se de uma área ao ar livre na parte sul do palácio de Jaipur que apresenta numerosos instrumentos construidos em alvenaria e pedra mármore, em complexos de muros, paredes, colunas e reproduções de aparelhos astronômicos de dimensões monumentais: os Yantras. Os 18 instrumentos, destinados a determinações de movimentos e posições estelares e planetárias, servem também para o cálculo de tempo, do calendário e para a prognose da chegada e da intensidade de monsuns. Representam, em cada elemento e no seu conjunto, extraordinária obra de precisão conceitual e técnico-arquitetônica.
O grande relógio de sol, Samrath Yantra, com quase 30 m de altura, indica a hora local com uma precisão de 2 segundos. Um relógio duplo de sol (Narivalaya Yantra), formado por dois planos circulares em forma de fatias, indica, na parte norte, o tempo local, em Jaipur, entre o dia 22 de março e o dia 22 de setembro; o do sul permite a leitura das horas do semestre de inverno. Os instrumentos de medição planetária, o Jai Prakash Yantra, em forma semi-esférica encravada na terra, para fins astrológicos, foi projetado pelo próprio marajá. Nos segmentos de mármore encurvados encontram-se encrustradas as linhas azimutais, o meridiano local e o equador celestial. Quatro arames seguram um pequeno anel sobe o centro, de modo que a sua sombra projetada sobre as linhas se movimenta. Um dos instrumentos mais complexos é o Brihat Samrat Zantra, um relógio de sol de dimensões gigantescas, com 44 metros de comprimento e 27 metros de altura. O conjunto do Jantar Mantar adquire, além do mais, um valor escultórico e de obra arquitetônica sui-generis, sendo cada vez mais considerado em estudos de organização espacial nas suas vinculações com o espaço cósmico.
Conhecimento de Jantar Mantar no Brasil
Uma antiga descrição desse Observatório, transmitido na literatura de viagens de fins do século XIX e início do XX, levada por imigrantes alemães ao Brasil, reconhecia a importância extraordinária de Jantar Mantar:
"Entre as coisas mais maravilhosas que se pode ver no mundo é um grande pátio chamado Observatório, onde um antepassado do atual soberano, que era um apaixonado pela Astronomia, mandou construir uma série de instrumentos singulares, praticamente incompreensíveis para o leigo e destinado à determinação de alturas polares, tempos solares, localizações de estrelas e similares. Mas, ao contrário de um menino brincando que construisse algo semelhante em miniatura, o fêz em dimensões fantasticamente gigantescas e preciosamente em paredes sólidas e de mármore. Ali se vê, por exemplo, uma espécie de relógio solar, cujos ponteiros são constituídos por um triângulo verticular de 27 metros de altura. As sombras do sol caminham durante o dia sobre um semi-arco enorme, singularmente encurvado, de tal tamanho, que superam 3,9 m por hora; o Astrônomo real tinha assim o prazer de vê-lo andar confortavelmente a olhos nús." (Trad. port. de Georg Wegener, "Die rosenrote Stadt". In: Rund um die Erde (...), Berlin: W. Herlet, s/D,511 ss.,515)
A construção dos instrumentos é baseada em cálculos fornecidos por um compêndio, com tabelas, de Sawai Jai Singh II, matemático, astrônomo e astrólogo, autor da obra Jadid Muhammad Shahi. Esta sua obra revela um singular intercâmbio internacional de idéias entre o Ocidente e o Oriente. Além de basear-se em obras do famoso astrônomo Ulugh Beg de Samerkand, o seu autor conhecia obras de Copérnico e de Kepler. (...)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).