Doc. N° 2296
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
111 - 2008/1
Tópicos multilaterais
Similaridades entre a Índia e as Américas e a questão da falsa cultura: relembrando Rabindranath Tagore "Falta de compaixão pela Natureza é falta de cultura"
Reflexões em Bharatpur - Parque Nacional Keoladeo. Trabalhos da A.B.E. 2007/2008
A.A.Bispo
Imagens de jornadas da A.B.E. na Índia. Dezembro de 2007 Fotos de A.A.Bispo É comum, já há algumas décadas, que se compare o Brasil com a Índia: o Brasil seria para alguns uma Bel-Índia, uma mistura de Bélgica com a Índia (!).
Nações profundamente diversas quanto a sua localização geográfica e formação histórico-cultural surgem como comparáveis sob o aspecto de desenvolvimento técnico-econômico e da sociedade.
O visitante brasileiro na Índia também se surpreende em constatar similaridades, apesar de todas as profundas diferenças: semelhanças na organização espacial e nas construções das zonas urbanas pobres, no crescimento desordenado e na ecologia das grandes cidades, em inúmeras expressões do quotidiano da pobreza mas também no modo de vida de novas esferas enriquecidas da população.
Essa constatação indiferenciada de semelhanças exige maiores esforços de reflexão, de análise e de teoretização para que se possa abandonar a esfera das sensações indefinidas e dos lugares comuns.
Um dos caminhos que aqui se abrem é o da releitura de pensadores do passado que também perceberam semelhanças para além de fronteiras nacionais e que procuraram oferecer propostas de interpretação e até mesmo de solução de problemas.
Tagore no Brasil
Dentre esses pensadores cumpre rememorar Rabindranath Tagore (Calcutá 1861-1941), um dos raros nomes da Índia que alcançaram larga divulgação no Brasil.
A difusão de suas obras deu-se sobretudo através das traduções de Guilherme de Almeida nos anos 30 (O Gitanjali, O Jardineiro).
A influência do pensamento de Tagore parece ter-se exercido sobretudo em círculos espiritualistas e esotéricos. Apesar do significado dessas tendências religioso-culturais na história das idéias do Brasil do século XX, pouco foram consideradas nos estudos culturais.
A difusão do pensamento desse filósofo, literato, artista e compositor no Brasil fêz-se através da Europa, uma vez que o seu renome internacional fora alcançado pela tradução de poemas místicos da coleção Gitandschali e obtenção do Prêmio Nobel da Literatura, em 1913.
Tagore e a Europa
O próprio Tagore (Thakur) estava profundamente vinculado com a Europa e sua obra não pode ser entendida sem esses elos indo-europeus. Filho de uma família de brâmanes - o seu pai era o renomado filósofo e estudioso da religião Debendranath Tagore - cresceu em ambiente familiar de interesses religiosos, culturais e artísticos. O seu irmão, Dwijendranath, foi filósofo e poeta.
A sua educação foi marcada pela tradição indiana e pela influência ocidental; adquiriu conhecimentos do sânscrito, da literatura persa e procurou caminhos para o entendimento de tradições islâmicas.
Na situação da Índia de meados do século XIX, quando apenas uma formação britânica possibilitava a ascenção a postos mais elevados na sociedade, Tagore foi enviado por seu pai à Inglaterra em 1878. Deveria realizar estudos de jurisprudência. Ali permaneceu porém apenas 17 meses.
Essa época parece ter sido decisiva para a assimilação de tendências literárias que influenciaria a sua produção literária e musical futura. Logo publicou os seus primeiros poemas. Escreveu desde muito jovem dramas, poesias, contos e romances, criando um novo gênero, a "Novela de Bengala". Aqui, tematizou a vida simples do povo, a pobreza e os problemas sociais. O domínio magistral do inglês daria às suas obras posição relevante na história literária do próprio Ocidente.
A questão da educação nas suas relações com a cultura
Retornando à Índia para administrar os bens da família, e confrontando-se com a situação miserável e sofredora do povo, dirigiu a sua atenção ao desenvolvimento de uma pedagogia, ou melhor de uma teoria e prática de formação educacional adequada à realidade do país. A introdução do sistema de ensino inglês e do idioma tinham representadas medidas fundamentais no estabelecimento da soberania britânica na Índia. O caminho de Tagore seria o de modificar essa prática de dominação através de suas bases, ou seja, da educação. Em 1901, fundou em Bengala (Santiniketan) uma escola, na qual procurou relacionar a cultura da India - segundo o ideal Brahmacharya - com a da Europa.
Realizou viagens de conferências através da Europa e dos Estados Unidos a partir de 1912. Nessa ocasião, encontrou-se com intelectuais de vários países. Até então, as suas obras tinham permanecido praticamente desconhecidas no Ocidente. Com a publicação de algumas de seus poemas em inglês e com a edição do seu Gitanjali por Butler Yeats, ganhou renome internacional. Em 1913, recebeu, por essa obra, o Prêmio Nobel de Literatura. A justificativa do prêmio referia-se à natureza profunda e à beleza de sua poesia que teria sido incorporado de forma tão magnífica "em roupagem inglêsa" na literatura do Ocidente. Entretanto, em muitos círculos, como também no Brasil, a sua obra foi recebida antes como expressões da mística oriental, chamando a atenção sobretudo de artistas e intelectuais de tendências espiritualistas e teosóficas.
Como um dos grandes representantes das preocupações filosóficas e culturais da Índia pelo campo de tensões Oriente-Ocidente, o seu pensamento veio de encontro a similares tendências existentes na Europa. Desde 1884 atuou, sob a influência de seu pai, no movimento Brahmo, influenciado por idéias do Ocidente. Politicamente, tomou parte no movimento contra a divisão de Bengala pelo Vice-Rei da Índia, Lord Curzon, no início do século XX. Embora renegando o Colonialismo, pronunciava-se por um tratamento não-radical com relação aos inglêses.
Em 1911, escreveu um poema motivado pela visita do rei George V à ìndia, Esse poema, referindo-se a Bharat Bhagya Vidhata, divindidade orientadora dos destinos, foi entendido pelos europeus como um hino de louvor ao monarca. As primeiras 5 estrofes de seu poema tornar-se-iam em 1950 hino da India e, mais tarde, de Bangladesh. Em 1915, foi agraciado pelo Rei Georg V° da Inglaterra. Esse título o devolveria em 1919, quando do massacre cometido contra adeptos de Gandhi em Amritsar.
A escola particular de Tagore na Índia, em Schantiniketan (1901), transformar-se-ia após a Primeira Guerra em universidade (Wischwabharati, 1921). Tornou-se um centro de encontro de cientistas ocidentais e orientais. À universidade se integrariam posteriormente uma escola e projetos de ensino alternativo do Patha-Bhavana, onde se dá particular atenção ao desenvolvimento da criatividade. Entre as personalidades que se formariam nessa tradição pode-se salientar Indira Gandhi.
Similaridades entre a Índia e a América e o problema do nacionalismo
Em 1917, Tagore pronunciou, nos Estados Unidos, uma conferência dedicada ao Nacionalismo. Esta conferência, divulgada em diversas traduções (aqui considerada na edição completa de suas obras em alemão, Munique: Kurt Wolff s/d, volume VII, 225 ss.) necessita naturalmente ser considerada no contexto histórico-político da época crucial da Primeira Grande Guerra. Compreende-se, assim, a crítica que Tagore faz da Europa, de seu espírito e de sua posição no mundo. Compreende-se, também, a partir da situação histórica, as grandes esperanças que coloca na América, aqui em particular nos Estados Unidos. Uma releitura atenta da obra, porém, revela que, apesar de todos os aspectos que necessitam ser relativados devido à inserção do texto no momento histórico da época, muitas das reflexões nelas expostas são de singular atualidade.
Haveria para Tagore uma similaridade fundamental entre a América e a Indía: ambas precisariam fundir as diferentes camadas populacionais, as diferentes etnias, aproximá-las de uma unidade.
Qual seria essa unidade?
Essa seria a questão fundamental que deveria ser objeto de estudo de pensadores e homens de influência dos vários países. Na Índia, já havia, na época muita preocupação a respeito do que é que poderia fundamentar uma unidade entre as múltiplas raças e culturas do país. Uma nação que procurasse criar a unidade somente a partir de bases políticas ou econômicas, fracassaria. Se pensadores e homens de influência descobrissem o que seria essa unidade espiritual, dela criariam uma imagem no espírito e a pregariam a seus povos.
Para Tagore, a Índia nunca tivera um real sentido para o Nacionalismo. Partindo de sua própria experiência de vida, o pensador dizia ter sido criado sob a influência de concepções nacionalistas, "como se a idolatria da nação fosse superior à veneração de Deus e ao respeito pela Humanidade"; teria porém superado essa idéia e tinha a convicção de que os seus compatriotas apenas poderiam conquistar a Índia se combatessem uma teoria que ensinava que a nação estaria acima dos ideais da Humanidade.
Para Tagore, o indiano educado segundo os modêlos ocidentais da sua época estaria procurando tirar da História lições que contrariavam as doutrinas dos seus antepassados. O Oriente estaria procurando apropriar-se de uma História que não era resultado de sua própria vida. Se um país jogasse fora o seu patrimônio e procurasse assimilar um outro, perceberia com o tempo que apenas teria às mãos instrumentos emprestados de uma cultura exterior. Ele não os teria desenvolvido a partir de si. A Europa tinha o seu passado e a sua força na própria História. Os indianos precisariam tomar consciência da necessidade de não assimilar a História de um outro povo: seria um suicídio sufocar a própria História.
Por essa razão, Tagore acreditava não ser conveniente para a Índia procurar medir-se com a cultura ocidental no próprio campo desta. Se permanecesse no seu próprio caminho, a ela aberto pelo destino, então iria ser por fim certamente gratificada pelas muitas humilhações que sofrera.
Haveria doutrinas que ensinavam e que levavam os indianos ao trabalho espiritual. Essas doutrinas seriam fáceis e poderiam ser assimiladas com utilidade. Existiriam outras, porém, que modificariam o modo de vida dos indianos. Antes de serem assimiladas, pagando-se com o próprio patrimônio, dever-se-ia refletir muito. Haveria na história da Humanidade períodos com acontecimentos extraordinários; esses, tais como fogos de artíficio, ofuscavam os Homens. Os indianos não deveriam porém lançar fora as suas próprias lanternas, trocando-as por essas luzes brilhantes mas transitórias. Deveriam suportar com paciência a situação humilhante do momento na certeza de que fogos de artifício teriam apenas brilho, não durabilidade. A força de explosão seria a causa de seu brilho e de sua rápida extinção. Elas gastariam demasiada energia e substância, não seriam portanto econômicas no sentido real da palavra.
Os ideais da India teriam sido desenvolvidos no próprio decorrer da História. Tentar deles fazer um fogo de artifício seria em vão, pois eram de outro material. Se os indianos tentassem trocar o seu patrimônio pelo Nacionalismo político, isso seria tão sem sentido como se a Suíça procurasse criar uma armada marítima para competir com a da Grã-Bretanha. Seria um êrro pensar que houvesse apenas um caminho para a grandeza humana, ou seja, aquele que se constataria então no mundo do Ocidente.
"Precisamos ter a certeza de que temos um futuro perante de nós e de que esse futuro espera aquilo que é rico em ideais éticos e não apenas em coisas materiais."
Seria privilégio do Homem trabalhar por frutos que não podem ser consumidos de imediato. Seria também privilégio poder não deixar que a vida fosse determinada por sucessos momentâneos. A vida do Homem deveria orientar-se para um futuro infinito, portador dos mais altos ideais.
O Ocidente teria sido levado à Índia por desígnios mais altos. Entretanto, seria necessário que alguém viesse e interpretasse o Oriente ao Ocidente e que a êle mostrasse que o Oriente teria a sua parte a fornecer à História Cultural global.
União profunda do Oriente e do Ocidente: libertação da tirania material
Tagore não pregava um isolacionismo e um desprêzo pela cultura ocidental. Pregava uma união profunda com o Ocidente. Teria uma grande fé na natureza humana, acreditando assim que o Ocidente reconheceria a sua missão verdadeira. Falava com amargura da cultura ocidental apenas por ver que esta contrariava a seus próprios objetivos. O Ocidente não poderia transformar-se numa maldição para o mundo, utilizando-se do seu poder para fins egoistas. Não deveria apresentar o seu materialismo como o objetivo máximo e último, porém reconhecer que faria um bem à Humanidade se libertasse o Espírito da tirania da matéria.
Tagore não se voltava contra uma nação determinada, mas contra nações em geral. O que seria uma nação? Para Tagore, nação seria a expressão de todo um povo como poder organizado. Essa organização procuraria constantemente tornar a população potente e produtiva. Essa procura incansável de força e da capacidade produtiva roubaria a força da natureza mais elevada do Homem. Este estaria sendo desviado do seu objetivo verdadeiro, ético. Estava sendo desvido para um fim mecânico, para a manutenção dessa organização. Entretanto, o Homem sentiria errôneamente, no alcance desse objetivo, uma certa satisfação para as suas aspirações mais profundas de aperfeiçoamento e evolução, e isso seria extremamente perigoso para a Humanidade.
O homem sentir-se-ia tranquilizado na sua consciência ao transferir para essa máquina a sua responsabilidade, uma máquina que seria produto apenas de seu intelecto, não da sua completa personalidade ética. Assim, povos que amavam e apregoavam a liberdade continuavam a manter a escravidão em grande parte do mundo e isso até mesmo com um espírito de orgulho, julgando estar alcançando os seus fins ideais.
Pessoas justas por natureza poderiam, na sua ação e no seu pensamento serem profundamente injustas, e isso com uma sensação de dar aos outros apenas aquilo que merecessem. Até mesmo na vida quotidiana poder-se-ia observar que pessoas não más por natureza se tornariam sem sentimentos ao desenvolver negócios. Poder-se-ia imaginar o que significaria em termos de destruição para o mundo ético se povos completos se organizassem no sentido exclusivo do alcance de poder e riqueza.
Fundamentação da cultura
Para Tagore, o Nacionalismo representaria assim um terrível perigo para a Humanidade. Ele seria já há muitos anos causa de sofrimento na Índia. Sendo os indianos submetidos à Nação, que seria exclusivamente política, teriam tentado- apesar do patrimônio espiritual do passado - desenvolver a crença que também teriam uma tarefa política. Haveria na India diferentes partidos, com diferentes ideais. Alguns procuravam a independência política, outros acreditavam que a época propícia ainda não chegara mas ansiavam um govêrno próprio, os direitos das colonias inglêsas.
Ao começar o movimento político na India, não teria havido luta de partidos. Havia o Congresso Indiano, mas este não tinha um ideal construtivo. Por essa razão, Tagore não se entusiasmara pelo seu procedimento. Estava convicto de que o que a India mais precisava era de trabalho criativo, nascido de seu próprio espírito. Nesse trabalho, todos precisavam correr perigos e seguir o dever imposto pelo destino, ganhando vitórias morais em todos os sofrimentos e insucessos. Necessitavam mostrar que possuiam a força moral de sofrer pela Verdade. Seria terrível se recebessem quase que como esmolas aquilo que desejassem. Os indianos deveriam reunir-se não para mendigar, mas sim para criar as possibilidades de demonstrar o seu sacrifício pessoal.
Que a cultura se fundamentasse sobre a base sólida da ação social, esse deveria ser o lema. A cultura não poderia basear-se na luta e na exploração econômica. Como é que porém seria possível alcançar esse ideal se os países se encontravam nas garras do dragão econômico, consumidor do seu sangue vital? Encontrar esse caminho deveria ser tarefa primordial dos pensadores de todos os povos que acreditassem na alma humana.
Tagore reconhecia não ser um economista. Poderia aceitar a existência de uma lei de oferta e procura, e de um instituto no Homem que o levasse a sempre a querer mais. Apesar disso, mantinha a sua crença de que existiria algo como uma "Harmonia do Humanismo Integral". Quem a tivesse, seria rico apesar de toda a pobreza, seria vitorioso mesmo que perdesse, e a morte o levaria à imortalidade, onde a eterna justiça transformaria as suas derrotas em triunfos irradiantes.
Falta de compaixão para com a Natureza: falta de cultura
Para Tagore, a História da Humanidade se processa de acordo com as dificuldades que vão surgindo e que necessitam ser superadas. Essas dificuldades são distintas nos diferentes povos da Terra e, conseqüentemente, também a forma com que podem ser superadas. Entretanto, para a felicidade dos homens, nem sempre o caminho mais fácil é também o melhor. Se o Homem apenas seguir o seu instinto, se não for também um ser ético, a Terra está destinada a ser destruída. Ao se confrontar com dificuldades, o Homem necessita reconhecer as leis de sua natureza mais elevada. Isso pode não trazer sucessos imediatos, traz em si porém a potencialidade de um desenvolvimento mais elevado.
Tagore não acreditava nas organizações gigantescas da era industrial. Para êle, já o fato de sua falta de beleza testemunhava que estavam em desharmonia com a Criação. As grandes forças da Natureza manifestariam a sua Verdade não no hediondo, mas sim no Belo. O Belo seria o signo que o Criador coloca nas suas obras quando com elas está satisfeito.
Todos os produtos do homem que violentassem as leis da perfeição e se mostrassem em falta do Belo rude estariam constatemente sob o pêso da cólera divina. Se o comércio não apresentasse a dignidade do Belo, isso seria uma expressão de não ser verdadeiro. O Belo, e a sua irmã gêmea, a Verdade, necessitavam de tranqüilidade e auto-contrôle para a sua evolução. A procura do lucro, porém não conheceria barreiras; o seu único objetivo seria produzir e consumir. Essa ânsia de ganho não teria compaixão para com a Natureza e com a beleza da Criação, nem com o ser humano. Ela não pensaria num só minuto se tivesse que escolher entre a Beleza, a Vida e o lucro: estaria pronta, sem compaixão, a tudo destruir. Essa crueza odiosa no agir tinha sido condenada pelos antepassados dos indianos, pois tinham tido tempo livre para a contemplação. Teriam tido ainda vergonha de suas tendências mais baixas, daquelas que apenas procuravam o ganho. O Homem, na sua ambição, e defendendo uma teoria que a justificava, teria perdido a vergonha.
Para Tagore, na era das Ciências Naturais, porém, o dinheiro teria subido ao trono. Todos ter-se-iam corrompido, a êle sujeitando-se. Entretanto, a dimensão gigantesca e a complexidade do Capital seriam sinais certos de suas fraquezas internas. Um bom nadador não demonstraria a sua destreza muscular através de movimentos bruscos. A sua força seria invisível e se manifestaria na graça e na tranqüilidade. O que nobilitaria o Homem seria a sua força e os seus valores internos, não visíveis de fora. A cultura do mercado, porém, não teria tempo e espaço, ela mataria tempo e espaço. Os movimentos seriam bruscos, a sua voz alta e desagradável. Ela se esforçaria em transformar felicidade em dinheiro.
O "Espírito do Capital", com a sua aparência bárbara, seria para Tagore um perigo terrível para toda a Humanidade, porque colocaria o Ideal do Poder acima do Ideal da Perfeição. Ele permitiria que o culto do egoísmo triunfasse de forma desavergonhada. Os nervos do Homem, porém, tornam-se fracos sem proteção. Quando o poder aberto e sem sentimento se alastra na estrada da Humanidade, espanta pela sua rudeza os ideais que haviam sido cultivados através dos séculos, muitas vezes pelo martírio de antepassados.
A tentação, já fatal para os fortes, seria ainda mais dura para os fracos. A vida dos países menos poderosos deveria ser simples nas suas aparências externas e rica no seu ganho interior. A cultura deveria ser fundamentada na base sólida da ação social conjunta e não na luta pela exploração econômica. A influência de Tagore em pensadores brasileiros deveria ser alvo de considerações mais profundas e justas, uma vez que muitos deles, pela própria natureza do edifício de concepções e da condução da vida, não procuraram situações de projeção exterior. Segundo a argumentação de Tagore, tiveram vergonha de fazer propaganda de si e colocar-se em relêvo, expondo abertamente instintos baixos de vaidade e egoísmo. Não foram considerados, assim, à altura por uma literatura que se orienta sobretudo pela presença de nomes e de fatos em meios de publicidade e que passam a ser fontes históricas. O seu reconhecimento póstumo deveria ser tarefa daqueles que procuram orientar-se segundo princípios éticos de consciência. A possível revisão de critérios de valores e de imagens criadas pela literatura das diversas áreas de conhecimentos e das artes deveria constituir uma das preocupações dos estudos culturais. O estudioso deveria estar atento ao fato de ser possível que um "espírito" éticamente criticável esteja atuante ou predomine em estruturas acadêmicas, criando situações que podem determinar o desenvolvimento da ciências, da cultura e das artes.
Os trabalhos deverão ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).