Doc. N° 2304
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
112 - 2008/2
França-Brasil-Argentina
Contextos franco-latinoamericanos na história cultural de Cafés das metrópoles do Mercosul Pelos 150 anos do Café Tortoni (1858-2008)
Buenos Aires, Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Café Tortoni, Buenos Aires Trabalhos da A.B.E.,2008. Fotos A.A.Bispo O Café Tortoni é considerado por muitos como sendo o paradigma do café porteño.
As suas origens remontam a um café inaugurado em fins de 1858 por um imigrante francês de sobrenome Touan. O seu nome reproduziu o de bar parisiense situado no Boulevard des Italiens, freqüentado por escritores e artistas e renomado centro da intelectualidade cosmopolita da capital francesa em meados do século XIX.
Essa aparentemente singular existência de um café em Buenos Aires com o mesmo nome de um estabelecimento parisiense não deve ser visto como caso insólito e somente relevante para a vida cultural argentina. Uma perspectiva supranacional, à luz dos novos interesses abertos pelo Mercosul dirige a atenção ao significado do Café Tortoni de Paris também para a história cultural de outros países da América Latina.
O Café Tortoni de Paris e o "folhetinista" do Brasil
O Café Tortoni parisiense era também ponto de encontro de brasileiros e, ainda mais, verdadeira instituição que se tornou emblema de determinado tipo de intelectual do país. Machado de Assis, no seu artigo "O folhetinista", publicado em O Espelho, a 30 de outubro de 1859, menciona-o como local sempre presente na memória e nos escritos de intelectuais brasileiros que se orientavam segundo a vida da capital francêsa.( Obras Completas. Crônicas I (1859-1863), 32 ss.) O Café Tortoni surge, nesse contexto, no âmbito de uma crítica aos "folhetinistas", ou seja a escritores de cunho jornalístico que seguiam modêlos europeus e que não alcançavam profundidade e originalidade de pensamento.
"Na apreciação do folhetinista pelo lado local temo talvez cair em desagrado negando a afirmativa. Confesso apenas exceções. Em geral o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo estranho, e esquece-se, nas suas divagações sobre o boulevard e café Tortoni, de que está sôbre um mac-adam lamacento e com uma grossa tenda lírica no meio de um deserto. Alguns vão até Paris estudar a parte fisiológica dos colegas de lá; é inútil dizer que degeneraram no físico como no moral. Força é dizê-lo: a cor nacional, em raríssimas exceções, tem tomado o folhetinista entre nós. Escrever folhetim e ficar brasileiro é na verdade difícil. Entretanto, como todas as dificuldades se aplanam, êle podia bem tomar mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos mal à independência do espírito nacional, tão preso a essas imitações, a esses arremedos, a esse suicídio de originalidade e iniciativa." (op.cit. 35-36)
Café Tortoni de Buenos Aires
O Café Tortoni de Buenos Aires conheceu a sua fase de apogeu a partir de fins do século XIX, sob a direção de um basco francês, Celestino Curutchet, chegado a Buenos Aires em 1870 e cuja sogra era casada com o proprientário do Café Tortoni. Em 1894, quando da inauguração da Avenida de Mayo, o estabelecimento ganhou uma abertura para o grande boulevard. Tornou-se um dos poucos com serviço de mesas ao ar livre à moda parisiense.
Segundo o poeta Allende Iragorri, Curutchet representava um determinado tipo francês de intelectual, muito espirituoso, de aparência marcante e algo extravagante com o seu barrete árabe de seda negra. O Café passou a ser freqüentado por periodistas, escritores pintores e músicos. Dentre eles, segundo os documentos expostos no próprio estabelecimento, deve-se salientar aqueles que formaram a Agrupación de Gente de Artes y Letras, liderada por Benito Quinquela Martin. Com a constituição de La Peña, em 1926, esses intelectuais solicitaram a Celestino Curutchet permissão para a utilização do subsolo do café. A inauguração do recinto foi emoldurada por poesias recitadas por Raúl Gonález Tuñon e Francisco Luís Bernardez. La Peña tornou-se centro significativo para a história cultural e da música portenha, em particular do tango, tendo ali se apresentado Carlos Gardel, entre outros.
Entre os grandes nomes da vida intelectual de Buenos Aires que ficaram ligadas ao Café Tortoni cita-se Alfonsina Storni. Essa poetisa ocupou por muitos anos o sótão do estabelecimento, dele fazendo um centro de escritores e artistas.
Velho Café Tortoni
Apesar da chuva eu saí a tomar um café. Estou sentado embaixo do toldo tirante e empapado deste velho Tortoni conhecido e tantas vezes, oh pai, terás vindo de teus graves negócios fatigado, fumar um havano perfumado (...) Melancólico, pobre, descoberto, teu filho te repete, pai morto. sonha a chuva, enuviam-se meus olhos, sai do subterrâneo alguma gente, pregam diarios uma voz dolente, rodam os grandes ônibus vermelhos
(Baldomero Fernandez Moreno, 1925, trad. A.A.B.)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).