Doc. N° 2315
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
112 - 2008/2
Edifícios emblemáticos em países do Mercosul I Masterplan Teatro Colón
Pelo ano do centenário do Teatro Colón
Buenos Aires, março de 2008. Trabalhos da A.B.E.
A.A.Bispo
Trabalhos da A.B.E., Buenos Aires 2008. Fotos A.A.Bispo No âmbito dos trabalhos relacionados com as dimensões interculturais e euro-americanas do Mercosul cumpre dedicar especial atenção à história cultural comum dos respectivos países e à consideração das visões patrimoniais correspondentes. Um dos aspectos fundamentais a ser considerado diz respeito a edifícios de função especificamente cultural. Entre êles cabe uma posição especial aos teatros de ópera e concertos, que em muitas cidades latino-americanas foram projetados com intenções representativas, como principais edifícios de referência e que adquiriram cunho emblemático. O patrimônio histórico-arquitetônico de teatros da América Latina é considerável, deve, porém, ser considerado no âmbito mais amplo das relações euro-americanas. A A.B.E. vem desenvolvendo há anos estudos histórico-culturais comparativos de teatros de vários países da Europa e da América (Veja números anteriores desta revista). No caso dos países da América do Sul, um dos teatros de maior projeção é o Teatro Colón de Buenos Aires. No passado representava o ponto alto no continente para artistas e aficcionados de ópera e música. Para uns representava uma consagração, para outros a possibilidade de vivência de vida musical do mais alto nível sem a ida à Europa. Declarado Monumento Histórico Nacional em 1989, o Teatro Colón passa por trabalhos de restauração, consolidação estrutural e renovação tecnológica. A Secretaria de Cultura do GCBA elaborou um Master Plan que enquadra conceitualmente e organiza a recuperação. Esse Master Plan se vincula com outras iniciativas da Secretaria de Cultura, como o projeto de recuperação do Centro Cultural San Martin; o projeto de construção da Ciudad de la Música en la Boca (Usina Italo), o projeto para a Praça Estado do Vaticano; o Teatro 25 de Mayo de Villa Urquiza e a revalorização do Centro Cultural Recoleta.
Estabeleceu-se uma previsão de tempo de 7 anos para a execução das obras (2001-2007), devendo concluir-se em 2008. Premissa foi o de trabalho com o teatro aberto, reduzindo-se ao máximo o seu fechamento. O Master Plan se propôs a combinar ações de proteção e reforma estrutural, de efeitos a longo prazo, com outras máis parciais, que introduzam imediatamente melhorias substanciais de funcionamento. Resolveu-se começar pelo saneamento da envolvente externa do edifício, intercalando-se outras obras de urgência. Uma tarefa prioritária foi otimizar o uso do espaço. Numa primeira etapa (2001-2003), foram realizados relevamentos, diagnósticos, documentação diginal e seqüências de ação. Numa segunda etapa (2004-2005), foram previstos projetos e licitações, assim como obras a teatro aberto. Numa terceira etapa (2006-2007) previram-se obras a teatro fechado. No edifício, se previu a restauração das cobertas, das fachadas e dos vitrais, a revalorização das passagens de viaturas, melhores para artistas e pessoal, Centro de Experimentação Teatro Colón (CETC) e futuro museu e centro de documentação, o coração do teatro: Sala, Foyer, Salão Dourado; instalações. Outras áreas de intervenção foram o espaço cênico e a Praça Estado do Vaticano. Master Plan Teatro Colón: Puesta en valor y actualización tecnológica/Restoration and technological update (Buenos Aires: gobBsAs Ministerio de Cultura, 2006)
"O Teatro Colón é o equipamento cultural mais relevante e significativo da Cidade de Buenos Aires, constituindo uma peça chave da indústria cultural argentina, que define, promove e projeta a identidade nacional a escala mundial. É um equipamento cultural de alcance continental, cujo renome está motivado por suas insuperáveis condições acústicas, a amplitude, capacidade e beleza do tambor de sua sala, a hierarquia artística de sua trajetória e sua capacidade artesanal para a produção de espetáculos." (op.cit. 6)
Os objetivos gerais do Master Plan compreendem os seguintes pontos: Ampliação da qualidade e quantidade de oferta de espetáculos musicais, melhora de serviços para o público, empregados e artistas; valorização e conservação do patrimônio edificado; actualização tecnológica do cenário e instalações; refuncionalização e otimização do edifício existenta, hierarquização da colocação urbana e otimização do gasto público.
Relações com Nápoles. Francesco Tamburini
A construção do Teatro Colon levou 18 anos, periodo marcado por transformações na obra e acalorados debates. O projeto do edifício principal, de 1889, foi de autoria do engenheiro-arquiteto italiano Francesco Tamburini (1838 [ou 46]-1891). Pertenceu ao rol de imigrantes que vieram à Argentina, entre eles arquitetos, engenheiros e mestres-de-obras de diferentes proveniências, sobretudo italianos, franceses, húngaros e belgas, chamados por outros, contratados ou por motivo de um concurso público. Foi docente da Real Academia de Nápoles. Chegou à Argentina em 1881. A partir de 1883 foi inspetor geral de arquitetura da nação. Entre as suas obras se salientam a ampliação da Casa Rosada (Casa de Gobierno na Plaza de Mayo), o Hospital Militar Central e o projeto inicial do Teatro Colón. Participou sobretudo de projetos do poder central, não em projetos municipais de Buenos Aires a cargo dos escritórios de Buschiazzo e Cagnoni. Como Diretor Geral de Edifícios Nacionais, realizou projetos para San Luis; também exerceu influência na província de Córdoba. Seu colaborador mais próximo foi Víctor Meano. Com a sua morte inesperada, atrasou-se a realização de seus projetos. Alguns foram continuados por Víctor Meano. outros por Juan A. Buschiazzo.
Relações com Turim: Víctor Meano
Víctor Meano (Susa 1860-Buenos Aires 1904), graduou-se em geometria no Instituto Escuela Técnica y Gimnasio de Pinerolo e de arquiteto na Academia Albertina de Turim. No início da década de oitenta veio à Argentina e ingressou no escritório de Tamburini. A partir de 1890 foi encarregado da realização do Teatro Colón, de acordo com o projeto de Tamburini. Em 1895, ganhou o concurso para a obra do Congresso Nacional. Em 1903, venceu o concurso para desenhar o Palácio Legislativo do Uruguai. Colaborou na execução de vários projetos de edifícios públicos e particulares.
"Este gênero, que não chamamos estilo por ser demasiado maneirado, quisera ter os traços do renascimento italiano, alternados com a boa distribuição e solidez de detalha próprias da arquitetura alemã e a graça, variedade e bizarria de ornamentação próprias da arquitetura francesa." (op.cit.8)
Após o seu falecimento, a construção parou, sendo mais tarde completada e realizada na sua decoração pelo engenheiro arquiteto belga Jules Dormal (1846-1924).
Irradiações no Brasil: Víctor Dubugras
Um relacionamento de F. Tamburini com o Brasil se deu de forma mais direta através do arquiteto de origem francesa Victor Dubugras (Sarthe 1868 - Teresópolis RJ 1933). A sua formação, pouco estudada, deu-se em Buenos Aires, onde trabalho no escritório de Francesco Tamburini. Com a sua morte, em 1891, Dubugras transferiu-se para São Paulo. Trabalhou até 1894 na carteira imobiliária do Banco União, dirigida por Ramos de Azevedo (1851 - 1928). Foi convidado para ministrar a disciplina de desenho sobre trabalhos gráficos na Escola Politécnica de São Paulo, onde atuaria até 1928. Nos anos de 1894, 1895 e 1897 atuou no Departamento de Obras Públicas de São Paulo - DOP. Entre 1897 e 1898 abriu o seu próprio escritório. Em 1916 tomou parte na fundação da Sociedade dos Arquitetos e do Instituto de Engenharia.
O Teatro Colón na visão de observadores europeus. Dois exemplos
"Durante os meses de inverno - entre junho e agosto - os teatros de Buenos Aires são visitados com ainda maior preferência do que entre nós. Em ambas as casas de ópera - a Opera e o Teatro Colon - os balcões e grande parte dos assentos são vendidos, e não é fácil para o estrangeiro de encontrar um lugar. Se o consegue, a sua admiração será talvez mais presa pelo público do que pela própria apresentação. Especialmente em apresentações de gala, o panorama da sala cheia é mais brilhante do que em qualquer outro teatro de nossas metrópoles. O círculo de beldades que ornamenta os balcões não pode ser superado. Em trajes brilhantes, cobhertas de jóias preciosas, mas ainda mais pela beleza de seus traços, agindo através de seus olhos escuros, o seu cabalo rico, demonstram graça na sua atitude, em cada movimento. Também para os homens é indispensável o traje a rigor. Em ambas as óperas são sobretudo companhias italianas, com artistas de renome mundial e excelents orquestras sob a direção de renomados regentes que vêm da Europa para a estação e que executam sobretudo óperas modernas. Wagner toma certamente o primeiro lugar nas récitas e, quando por exemplo se oferece a Götterdämmerung ou as Walküre na língua original, isso nada prejudica a compreensão. As belas argentinas amam tanto a música como a literatua e as línguas, e há um grande número delas que falam tão fluentemente francês, alemão, italiano e inglês como espanhol. Poucos povos há que cultivam idiomas estrangeiros como os argentinos. O Teatro Colon com os seus 3000 assentos não é apenas um dos maiores, é também um dos mais belos teatros do mundo, ornado com esbanjada riqueza, e tendo preços de entrada à altura. Um balcão custa para uma noite cerca de trezentos marcos, um assento na platéia 30 marcos. Em ocasiões extraordinárias, os lugares são vendidos a preço duas vezes maiores." (Ernst von Hesse-Wartegg, Zwischen Anden und Amazonas: Reisen in Brasilien, Argentinien, Paraguay und Uruguay, 3a. ed., Stuttgart/Berlin/Leipzig, 1915333)
Não há no mundo teatro mais elegante e festivo que possua ao mesmo tempouma capacidade tão grande - nada menos do que 4000 lugares - e acústica tão perfeita. O luxo e a graça de uma noite de gala nessa casa quase que não pode ser descrita. Mas o mais bonito porém é que essas impressões exteriores e condições se sintonizam com os deleites artísticos extraordinários que aqui se pode ouvir. Não há dos grandes cantores do mundo, dos regentes, dos regisseurs, dos virtuoses, dos dançarinos que não tivesse atuado no Teatro Coló; aqui se ouve Aida tão brilhantemente como no Scala de Milão, e o Tristão tão emocionante como em Viena, Pelleas e Melisande tão terno como em Paris, pous aqui reunem-se os melhores cantores de todos os idiomas, e se ensaia sem cansaço e nenhum dinheiro economizado para cenário e decoração. Como a metrópole não possui uma casa de concertos, uma boa parte da vida de concertos tem lugar nessa casa magnífica; aqui pod-ese tanto ouvir Toscanini como Furtwängler ou Paray, os grandes pianistas e violinistas, os conjuntos de câmara mais perfeitos, os meninos cantores de Viena. Mas não apenas em noites especiais, mas sim também em séries de quatro, cinco, seis concertos, freqüentemente dentro de uma só semana, e em quase todos os casos vê-se com muita antecedência sobre a "Boleteria", o anúncioa: No hay más localidades (...)" (Kurt Pahlen, Südamerika: eine neue Welt, Zürich: Orell Füssli, 1952 (2. ed.), 181-182)
G.R.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).