Doc. N° 2334
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
113 - 2008/3
Resenha
Adriana Franco, Gabriela Franco e Darío Calderón. Buenos Aires y el rock. Buenos Aires: Comissión para la preservación del patrimonio histórico cultural de la Ciudad de Buenos Aires, 2006 [Temas de Patrimonio Cultural 18], 192 págs. ISBN 987-1037-57-0
A.A.Bispo
O prólogo desta publicação, da pena da Arq. Silvia Fajre, Ministra de Cultura do Govêrno da Cidade de Buenos Aires, traz o significativo título de "La ciudad es también su música". As diferentes expressões, manifestações e criações como a música, a dança, a língua e os ritos de uma comunidade são apresentados como sendo substanciais no processo de afirmação de uma identidade coletiva. Fazem parte de um patrimônio intangível que transcende os bens e os edifícios históricos e que constitui parte substancial do capital simbólico. Nesse sentido é que a publicação deve ser compreendida, pois focaliza especificamente a relação da cidade com as letras de canções populares e como a fala dos porteños foi incorporando-se ao rock local. Também na música do presente quotidiano haveria um bem patrimonial que definiria a comunidade. A seguir, a Lic. Leticia Maronese, Secretaria Geral do Comissão para a Preservação do Patrimônio Histórico Cultural, justifica a publicação em texto que traz o título de "A maneira de introdução, ou explicação?". Esta não residiria na comemoração dos 40 anos do rock nacional e/ou argentino, e não seria a primeira vez que a Comissão consideraria o rock, que entende como patrimônio cultural urbano da Argentina. A proposta seria a de analisar como seria Buenos Aires na poética do rock, suas ruas e seus bairros, o ambiente social e político. Após apresentar um breve panorama do desenvolvimento histórico do rock, salienta que a publicação se diferencia de outros trabalhos por dedicar-se não a uma descrição histórica do gênero e da vida de seus criadores, mas sim como esta se reflete nas letras. Essas referências à capital foram implícitas nas primeiras canções e se tornaram explícitas no correr dos anos. A poética inicial incluía uma exortação do deixar a cidade em busca do idílio rural; a partir de 1975/76 constata-se um retorno à cidade, e posteriormente aos bairros. As menções à cidade diminuiram na época da ditadura. Uma preocupação permanente da poética rockeira seria a da violência das grandes cidades, inclusive aquela gerada pelas desigualdades sociais e marginalizações. Constatou-se também a presença de uma "imagineria tanguera" no espírito do rock argentino, em muitos casos com citações textuais de letras. Sob o ponto de vista do idioma, constatou-se o uso de uma "jerga rockera". A apresentadora confessa não ter-se interessado inicialmente pelo rock nacional nos anos de seu surgimento, pois via na época os seus protagonistas como "inúteis pacifistas", não militantes. Após trinta anos, corrigia-se, vendo nesses músicos, "pese a ser vigorosamente pacifistas", uma ainda presente atitude de resistência: uma resistência perante a cultura hegemônica, à injustiça, à violência, à marginalização e a pobreza. O espírito coletivo que se manifesta em cada show teria a ver profundamente com a cultura e a vivência da comunidade. Muito se teria discutido se o rock deveria ser considerado como um movimento social ou uma subcultura. As duas categorizações, porém, não seria opostas. Teria sido um movimento social importante durante a ditadura. Os jovens, que não faziam política da maneira tradicional e dentro de esquemas partidários, buscavam "el poder en el imaginario cultural de una sociedad profundamente herida y frustada. Luchaban, en definitiva, por el poder simbólico". Após dois textos de cunho introdutório, de títulos "Para quién canto yo entonces" e "Yo vivo en una ciudad: aires de época", o livro apresenta duas partes. A primeira, é dedicada à cidade nas letras de rock, a segunda a outras relações do rock e a cidade. Dos muitos aspectos tratados, um poderia ser salientado: o das relações entre o tango e o rock na canção de Buenos Aires (Darío Calderón, "La canción de Buenos Aires: del tango al rock", 71 ss). Durante décadas ter-se-ia considerado que ambos os gêneros fossem contrapostos. Na realidade, teriam muitos pontos em comum, pois ambos seriam urbanos, marcadamente porteños, pintando e descrevendo a cidade. Em parte, o desencontro seria explicável por uma certa idiosincrasia conservadora, tanto de alguns tangueros como de rockeiros. O rock local havia surgido como uma forma de oposição aos valores das gerações anteriores, e a esses pertencia o tango. Alguns tangueros se sentiram ameaçados e passaram a ver o rock como estrangeirizante e anômalo. A partir de meados da década de setenta, a situação modificou-se. Piazzola passou a incorporar músicos provenientes do rock e grupos como Als e Invisible incluíram bandoneões nas suas produções. Nos anos noventa, o tango e o rock local começaram a interatuar.
Na conclusão da obra, salienta-se que inicialmente as letras deixam perceber uma relação contraditória com a cidade, na qual esta podia ser espelho, mulher amada ou encarnação da perseguição e da violência. A presença sempre presente é a do Velho Mundo e não tanto dos Estados Unidos, como poderia supor-se, dada a origem do gênero. Por isso, o rock argentino poderia ser visto como "eco de la estirpe que vino con los barcos y hace de la zona portuaria un espacio privilegiado para retratar Buenos Aires", retomando a tradição do tango. Os autores consultaram as discografias existentes e elaboraram uma lista com os conjuntos e os discos de rock argentino de seus inícios até fevereiro de 2005. As dificuldades para as análises foram muitas, sobretudo aquelas resultantes da pouca inteligibilidade de gravações mais antigas. Para dar início ao estudo das letras, elaboraram um corpus de mais de quinhentas canções de temáticas urbanas. Em perspectiva integrativa, deve-se salientar que essa publicação, nos seus aspectos gerais, vem de encontro a preocupações que não são novas no Brasil. Já em 1972/3 desenvolveu-se em São Paulo, no âmbito do curso de Etnomusicologia Urbana da Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo, em cooperação com estudantes e arquitetos da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, um primeiro curso e programa de pesquisas dedicado ao tema "Música na Evolução da Metrópole". Por ocasião do I° Congresso Brasileiro de Musicologia, realizado em São Paulo, em 1987, na seção dedicada à pesquisa da música popular, João Baptista Ferreira de Mello, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, tratou do tema "A organização espacial da cidade do Rio de Janeiro vista pelos compositores da música popular brasileira". A temática foi considerada a seguir em vários seminários realizados em universidades européias em cooperação com a A.B.E., em particular no dedicado às relações entre o Urbanismo e a Música, na Universidade de Bonn, em 2003, e à Música na Teoria da Arquitetura, na Universidade de Colonia, em 2005. Relações entre imagens da cidade e a música foram e são consideradas sobretudo no programa Poética da Urbanidade, da A.B.E., e que levou à realização de colóquio internacional pelos 450 anos de São Paulo, em 2004.
Por todas essas razões, a publicação surge como de especial interesse para os estudiosos brasileiros. Seria desejável, no âmbito dos intuitos integrativos, que também nessa área se intensivasse a cooperação, o que poderia trazer conseqüências positivas para o próprio desenvolvimento dos conhecimentos e para o aprimoramento metodológico.