Doc. N° 2333
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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Flora americana e simbologia cristã: Passiflora incarnata O Santo Cristo do artista português Manoel do Coyto e a mística do mosaico da Catedral de Buenos Aires 100 anos do piso da Catedral de Buenos Aires
Buenos Aires. Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Buenos Aires, Catedral Trabalhos da A.B.E. 2008. Fotos H. Hülskath Dentre as catedrais dos países do Cone Sul, a de Buenos Aires salienta-se por sua complexidade estilística particularmente surpreendente e que resulta sobretudo do classicismo de sua fachada. Por muitos comparado com a Santa Madalena de Paris, porém mais antigo, o templo, com as suas 12 colunas externas, representantes dos doze apóstolos, insere-se de forma harmoniosa no conjunto de conotações parisienses da metrópole argentina. Ao entrar no edifício, porém, o visitante que conhece a Santa Madalena de Paris constata a profunda diferença espacial entre os dois templos e que reflete diferentes tradições religioso-culturais.
Mística da Paixão
Aspecto a ser salientado na consideração histórico-cultural da catedral de Buenos Aires é o significado da mística da Paixão. Que as origens de Buenos Aires se relacionam do modo mais profundo com fundamentos teológicos não pode haver dúvida, uma vez que a sua fundação ocorreu sob a invocação da Santíssima Trindade. Sendo as primeiras missões na Argentina aquelas dos franciscanos, já chegados na expedição de Mendoza, em 1534, compreende-se o significado do pensamento e da prática mística na história religiosa argentina. Quatro anos após a sua chegada já existiam fundações em Asunción e, ao redor de 1550, em Tucumán, Cordoba, Santiago del Estero, Salta e Rioja. A vinda dos jesuítas foi devida a um bispo franciscano, J. Carillo OFM, de Tucumán, que em 1586 chamou jesuítas do Perú e do Brasil e que fundaram colégios. A consideração da ação jesuítica, inclusive no território das Missões, de fundamental importância para a história cultural dos países sul-americanos, pressupõe, assim, a ação anterior dos franciscanos e, portanto, de uma visão religiosa marcada pela mística.
Santo Cristo de Buenos Aires
Significativo é o fato de que uma das imagens mais veneradas e valiosas culturalmente da catedral é a do Santo Cristo, intronizada sob o bispo Frei Cristóbal de la Macha y Velazco, no dia 29 de dezembro de 1671. Essa veneração é de particular significado para os estudos brasileiro-argentinos, uma vez que a veneração do Santo Cristo era particularmente intensa entre ilhéus, sobretudo da Madeira. Significativamente, a imagem do Santo Cristo de Buenos Aires foi obra de um imaginário português, Manoel do Coyto.
Piso da catedral
Uma atenção especial dedica-se na atualidade ao piso da catedral, agora em fase final de recuperação. Esse piso tem relações estreitas com a história da Argentina, uma vez que fêz parte da decoração do templo motivada pelo Centenário da Revolução de Maio, em 1910. Instalado entre 1907 e 1911, foi obra de Carlos Morra, um membro da Comissão Catedralícia do Centenário. Transcorridos agora quase 100 anos da inauguração, e às vésperas das comemorações do bicentenário da Revolução de Maio, o piso vem passando por trabalhos de restauração. O piso perfaz 2600 metros quadrados, com mosaicos venezianos vindos da Inglaterra. Substituiu um piso mais antigo, de 1830. Enquanto o velho piso era ornamentado com rosas brancas e negras, escolheu-se para o novo motivos de natureza simbólica relacionadas com a mística da Paixão e da Cruz. Entre os motivos representados e de imediata compreensão destacam-se os cravos, os instrumentos da crucificação e a coroa de espinhos. Além dessas evidências, porém, constata-se o emprêgo de um símbolo floral, o da Passionaria, representado por flores de várias cores, brancas, rosadas e lavanda. Se os outros motivos reproduzem literalmente objetos da história da Paixão, tem-se aqui um símbolo que, para a sua compreensão, exige a consideração do pensamento e das expressões místicas. Para os estudos euro-latinoamericanos, a flor da Paixão assume particular significado, pois representou uma interpretação mística da flora do continente e uma contribuição americana à simbologia cristã-européia, universalizando-se. O motivo da flor relaciona-se desde os primeiros séculos cristãos com a mística da cruz. Através dos séculos essa imagem permaneceu viva sobretudo através do hino Crux fidelis, cantado na Semana Santa. A cruz, como nova árvore da vida, floresce e germina espiritualmente. Crux fidelis, inter omnes Arbor una nobilis: Nulla talem silva profert, Fronde, flore, germine. dulce lignum, dulci clavo, Dulce pondus sustinens. (Venantius Fortunatus, séc. VI)
A Flor da Paixão A flor da Paixão, com ca. de 400 tipos, muitos dos quais em forma de lianas,cujos frutos eram apreciados pelos indígenas, chamou a atenção de um médico espanhol que atuava no Peru, em 1569. Tudo indica que as suas folhas eram utilizadas para fins medicinais. Segundo outra tradição, já o Papa Pio V teria conhecido a flor, trazida por um espanhol, em 1568. Outros afirmam que a primeira flor da Paixão teria sido trazida por um jesuíta a Bologna, em 1609. Sempre se salienta que foi um religioso da Companhia de Jesus que, em 1633, teria interpretado pela primeira vez essa flor como um símbolo da Paixão de Cristo(Passiflora incarnata). A denominação Passiflora encontra-se em J.B. Ferrari (+Siena 1633). A coroa radial representa a coroa de espinhos, os pistilos os três cravos, 5 folhas duplas dos dedos das mãos de Cristo, as folhas não lobadas as lanças dos soldados romanos, as folhas das pétalas os 12 apóstolos. três folhas outras a Santíssima Trindade e o nó do fruto o cálice da última ceia. A partir de 1651, o nome generalizou-se. O mosaico do piso da catedral de Buenos Aires reflete o surgimento de um novo interesse pela Flor da Paixão no século XIX. Ao redor de 1840, o senador belga R.J. F. de Biolley tentara cultivá-la na sua casa de campo Hombret, próximo a Vervier. (...)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).